Movimentos sociais urbanos | Mundos do Trabalho | 2012

O que delimita, o que abrange, afinal, a história social do trabalho: os seus temas/problemas próprios ou os modos específicos de abordá-los? A questão persistiu ao logo de toda a organização do dossiê Movimentos sociais urbanos, ora apresentado. A dúvida é ainda mais cabível pelo fato de o convite para organizar o presente número nos ter sido feito supondo-se que o anterior seria dedicado aos movimentos sociais rurais; esse era, portanto, nosso horizonte de expectativas (por razões técnicas, os editores optaram pela inversão dos dossiês).

Nos últimos anos, a história social do trabalho /orienta-se pela superação de dicotomias que demarcaram nosso campo de pesquisas. Nesse movimento, os estudos sobre pós-emancipação reconfiguraram os limites, por exemplo, entre “trabalho escravo” e “trabalho livre”, escravidão e imigração. Do mesmo modo, parece haver o esforço para ultrapassar divisões pouco elucidativas entre rural e urbano, arcaico e moderno, nacional e estrangeiro. Num certo sentido, os pesquisadores caminham para isso, enfatizando as continuidades entre práticas recorrentes nas fazendas escravistas e nas indústrias de ponta do capitalismo mais avançado; as conexões entre o rural e o urbano; as permanências do trabalho dependente, precário ou em condições análogas às da escravidão na chamada I República – apenas para citar exemplos caros aos estudiosos dos mundos do trabalho.

Mas ao que tudo indica, esse é um caminho com avanços e recuos; e, muitas vezes, os avanços parecem mais semânticos que empíricos. Diante dessa constatação, buscamos montar um dossiê que, mesmo dentro de certos limites, fosse transdisciplinar, e recusasse as dicotomias mencionadas que ainda parecem marcar nossos objetos de pesquisa, bem como as divisões convencionais das ciências humanas. Assim, temos nove artigos, escritos por sociólogos, geógrafos, cientistas sociais e também historiadores, abordando temas relacionados ao Sul, Sudeste e Nordeste do país. Os dois primeiros – Os movimentos sociais como campo de pesquisa nas ciências humanas, de Leonilde Servolo, e A temática dos movimentos sociais urbanos no Brasil dos anos 1970/80, de Marco Antônio Perruso – concentram-se em balanços teóricos sobre os movimentos sociais urbanos. No primeiro, a autora percorre os temas caros à sociologia dos movimentos sociais, destacando desde a constituição do campo de análise dos movimentos coletivos até as mudanças recentes, tanto de suas formas organizacionais quanto dos deslocamentos teóricos envolvidos nessas transformações. No segundo, a preocupação dirige-se à emergência dos movimentos sociais na década de 1970 e análise que enfatizava a autoconstrução desses movimentos, mais que as condições estruturais de sua aparição.

A organização e a atividade das associações de socorro mútuo de Florianópolis – SC (1886-1930), de Rafaela Leuchtemberger, se ocupa da organização dessas sociedades, ultrapassando os marcos cronológicos convencionais e indagando: quem se associava, por qual razão o fazia?

Elite operária ou trabalhadores em luta? Experiências ferroviárias na cidade Ponta Grossa – Paraná (1950-1970), de Rosângela Maria Silva Petuba, centra-se na experiência dos trabalhadores ferroviários e de suas famílias, problematizando a noção de “elite operária”, comum na década de 1950 e que acompanhou a decadência da ferrovia em face da opção rodoviária.

O movimento de favelas de Belo Horizonte e o Departamento de Habitações e Bairros Populares (1956-1964), de Samuel Silva Rodrigues de Oliveira, apresenta a organização de trabalhadores favelados na capital mineira. Na análise, estão presentes temas como identidade operária, urbanização e ação política dos trabalhadores.

Em A hora da travessia: reinventando o brizolismo e o trabalhismo, Izabel Cristina Gomes da Costa discute a construção do projeto político brizolista no final do período ditatorial brasileiro, no qual, para a autora, aparecem elementos reinventados do trabalhismo das décadas anteriores, mesclados com perspectivas e temas próprios dos anos 1980.

Em movimento: trabalho em canaviais e trajetórias de trabalhadores no Triângulo Mineiro nas últimas décadas, de Paulo Roberto Almeida e Sérgio Paulo Morais, problematiza a agroindústria canavieira na perspectiva dos cortadores de cana do triângulo mineiro, assim como a luta destes pelo acesso a terra, as questões ambientais e as novas tecnologias de colheita.

Sindicalismo e trabalhadores em cooperativas no Oeste do Paraná (décadas de 1990 e 2000), de Rinaldo José Varussa, trata da constituição do sindicato dos trabalhadores em cooperativas naquela região, concentrando-se nas suas formas de atuação e na articulação entre categorias específicas de trabalhadores.

Os movimentos populares e o fetiche da participação no governo Lula, de Cibele Maria Lima Rodrigues, aborda a experiência de participação de diversas organizações sociais no Conselho Nacional das Cidades, com destaque para as disputas entre demandas populares e a agenda governamental.

Assim, ainda que de forma nem sempre explicitada pelos autores, é perceptível nos textos do dossiê a presença da política institucional tanto quanto da cultura política, já que a experiência dos trabalhadores é indissociável delas. Isso fica claro na objeção de E. P. Thompson à expressão “história vista de baixo” – atribuída pelo editor de The Times Literary Supplement a seu texto publicado em 1966 –, já que ele “resistia a todo tipo de história que não desse atenção às estruturas de poder na sociedade”, segundo Dorothy Thompson.1

Terminada a organização deste volume, ficamos com a forte sensação de que muitos temas, bem como determinadas regiões do país, ainda não foram suficientemente contemplados. Por exemplo, os movimentos de esquerda, os partidos políticos e suas trajetórias, que aparecem mais nos encontros de história política do que nos mundos do trabalho; ou os temas da cultura que escapam da cultura política ou militante, como música, cinema, teatro, literatura, que parecem ter pouco espaço entre nossas preocupações e nossos simpósios temáticos. Contudo, fica claro para nós que a história social do trabalho – o nosso mundo do trabalho – deve acolher de forma mais clara também esses objetos de estudo.

Nota

1 Thompson, Dorothy. Introducción. In: Thompson obra essencial. Barcelona: Crítica. 2002, p. 10.


Organizadores

Adriano Luiz Duarte

Jean Rodrigues


Referências desta apresentação

DUARTE, Adriano Luiz; RODRIGUES,  Jean. Apresentação.  Mundos do Trabalho. Florianópolis, v. 4, n. 7, p. 4-6, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]

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