Modos de ver a produção no Brasil | José Ricardo Figueiredo

Modos de ver a produção do Brasil, de José Ricardo Figueiredo, mostra ao longo de suas mais de 600 páginas um panorama abrangente da historiografia feita sobre o país, desde quando América Portuguesa, até a época contemporânea.

Apesar de Figueiredo não atuar na área da História, ou ainda das Ciências Sociais, buscou apresentar a produção historiográfica sobre o país, desde o século XVI até o século XX, indo além da simples consolidação de textos para também compará-los à luz do conceito de modo de produção, ou seja, de que somente através do conhecimento de como uma sociedade organiza a sua produção que se pode estudar sua vida social e política, o que evidência influência claramente marxista do trabalho realizado.

Ao dividir a obra em cinco partes, procurou atingir sua proposta inicial de apresentar “esboços de algumas das mais importantes contribuições para essa reconstrução teórica do modo de produção histórica do Brasil”. Assim, inicialmente, destaca 17 autores já considerados clássicos da historiografia nacional e, como tal, de leitura obrigatória segundo o autor. Nomes como Antonil, Capistrano de Abreu, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Oliveira Vianna, Celso Furtado, entre outros são apresentados e suas obras analisadas em busca da forma como cada um via o modo de produção no Brasil.

Passa em seguida a uma síntese da visão marxista sobre o que seria o conceito de modo de produção, selecionando idéias de Marx, Engels e Lênin, e destacando uma série de autores brasileiros seguidores de tais idéias. Entre outros, destacam-se Alberto Passos Guimarães e Nelson Werneck Sodré.

Por fim, nas duas últimas partes, traz a discussão sobre se teria havido ou não feudalismo no Brasil, com os argumentos de autores a favor e contra tal existência, como Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes e Jacob Gorender, para finalizar com as conseqüências que tal polêmica teria trazido para a historiografia nacional, destacando o pensamento de alguns autores da década de 1990 como Leonilde Medeiros, Evaristo de Moraes Filho e Ângelo José da Silva.

Graças ao trabalho minucioso de montagem deste “mosaico”, fica evidente como se deu a mudança através dos diferentes períodos da história, da visão sobre o quê, por quem, para quê e como a produção brasileira estava organizada. Um exemplo claro está nas diferentes opiniões emitidas pelos autores clássicos apresentados na primeira parte, sobre a utilização da mão-de-obra escrava negra e indígena e o papel da igreja em relação à escravidão desses povos. Assim, Figueiredo apresenta como cada autor abordou tais questões, permitindo observar as diferentes correntes de pensamento, bem como, o contexto da época em que cada uma dessas opiniões foi dada.

A polêmica sobre a existência de um sistema feudal, ou equivalente, no Brasil, mereceu a introdução de um capítulo específico em que Figueiredo descreve a argumentação envolvida, e de forma didática, apresenta os autores envolvidos no assunto, para somente depois destacar os autores e obras que considera como representantes principais das diferentes correntes dessa discussão. Uma apresentação que retoma no capítulo final, como forma de encerramento da obra e de justificativa para a importância de estudo da história através da compreensão e análise de como estava organizado o modo de produção do Brasil.

A apresentação das idéias de cada autor é precedida por uma breve biografia e características específicas da produção da obra específica a ser analisada. Em seguida e, utilizando sempre o material dos próprios autores – através do uso de citações retiradas da obra escolhida para análise – Figueiredo deixa clara sua opinião pessoal, seja através de elogios, seja fazendo críticas ácidas, como no caso de autores como Varnhagen, Vianna e Simonsen, por exemplo.

No entanto, apesar de Figueiredo sempre anteceder a crítica por uma citação que sirva de base e ilustre a sua opinião emitida, esqueceu-se porém de considerar o ambiente intelectual e o contexto cultural e político em que o autor viveu, e a que objetivo tal obra visava atingir na época em que foi produzida.

Além disso, o autor se permite comparar idéias de autores de épocas distintas, o que se por um lado enriquece bastante o panorama apresentado, por outro permite incorrer em julgamentos errôneos já que para cada período e local, tinha-se um conjunto de teorias, métodos e, principalmente, objetivos diferentes ao se analisar a história da produção econômica no território que hoje se conhece como Brasil, isso para não mencionar as ideologias que serviam de norte a todas essas obras.

Porém, a obra de José Ricardo Figueiredo permite-nos ir além do estudo sobre como se via o modo de produção, na medida em que abre a porta ao estudo da própria historiografia nacional, já que aponta para as mudanças observáveis entre cada obra estudada e que servem como terreno para pesquisar também como se deu a produção historiográfica no Brasil ao longo dos últimos quatro séculos, pelo estudo dos principais autores consagrados que escreveram sobre o tema, e que foram apresentados nesta obra de forma tão rica e detalhada, compondo um mapa para quem queira se aprofundar no assunto.

Resenhista

Maria de Fátima Previdelli – Bacharel em Economia (FICS) e Bacharelanda em História (USP).

Referências desta Resenha

FIGUEIREDO, José Ricardo. Modos de ver a produção no Brasil. São Paulo: EDUC, 2004. Resenha de: PREVIDELLI, Maria de Fátima. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 05, n. 15, p. 162-164, dezembro, 2008. Acessar publicação original [DR]