Esta obra, organizada por Lidia Stutz, professora adjunta da Universidade Estadual do Centro-Oeste de Guarapuava -PR (UNICENTRO), apresenta uma coletânea de cinco modelos didáticos (MD) de gêneros textuais realizados no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), desenvolvidos por alunos de letras: língua inglesa, da referida instituição. Além dos cinco capítulos dedicados à apresentação dos MD, a obra conta com um prefácio da professora Vera Lúcia Lopes Cristóvão, da Universidade Estadual de Londrina, e posfácio do professor Kleber Aparecido da Silva, da Universidade de Brasília. Após o prefácio, antes de sermos apresentados aos MD propostos, podemos conhecer o funcionamento do PIBID Letras-inglês, na apresentação da organizadora da obra, e o local onde as intervenções didáticas foram realizadas, no capítulo escrito por Priscila A. da Fonseca Lanferdini, supervisora do grupo PIBID Letras-inglês de Guarapuava. Finalizando a obra, podemos conhecer um pouco mais sobre cada autor em suas respectivas biodatas.
O prefácio da obra inicia-se com uma comparação entre os protestos de junho de 2013, no Brasil, dentre eles, aqueles que reivindicavam mais qualidade para a educação, com os protestos ocorridos no Chile, em 2006. Cristóvão interroga, quando mencionamos qualidade na educação, o que realmente estamos querendo dizer. Para tanto, recorre a uma entrevista [1] de Paulo Freire concedida ao educador Moacir Gadotti, em 1993, em que tratou sobre a importância de se valorizar as dimensões regionais “para compreender a cultura multiculturalmente” (p. 8). A valorização do trabalho multicultural depende da recriação de táticas diárias para se explorar de modo amplo o sentido desse trabalho multicultural na educação.
Cristóvão considera, então, a importância que a educação deve exercer no trabalho de construção de sentidos “no e sobre o mundo” (p. 8). Entende que o trabalho de construção envolve uma mediação e uma utilização de instrumentos e procedimentos diversos e salienta que a obra em tela trata exatamente dessa utilização, ao mobilizar dois conceitos centrais na área de estudos da linguagem na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo: gêneros e modelo didático de gênero.
A prefaciadora esclarece que a obra apresenta cinco artigos envolvendo pesquisas com modelos didáticos de cinco gêneros textuais considerados relevantes para contextos educacionais variados: public service announcement (correspondente ao aviso de utilidade pública); anúncio publicitário; regras de jogos de tabuleiros; entrevista oral cinematográfica e tiras em quadrinhos. E entende que os focos do PIBID Letras-inglês da UNICENTRO e as características do futuro profissional de Letras egresso dessa instituição (cf. p. 11-12) coincidem com a proposta inicial de uma ‘educação de qualidade’, mencionada no início do seu prefácio, assim como exemplificam o trabalho de intervenção nas escolas com base no princípio de ‘construção de sentidos’.
Stutz, em sua apresentação do PIBID Letras-inglês da UNICENTRO, destaca os objetivos gerais do PIBID e descreve os pressupostos teóricos sobre a transposição didática, em especial, a construção de modelos didáticos de gêneros textuais. Conforme esclarece Stutz, com base em de Pietro e Schneuwly (2003) [2] o modelo didático (MD) é um instrumento que tem como papel explicitar e sistematizar o conteúdo do gênero de texto a ser abordado para a produção de uma sequência didática (SD). A construção do MD parte da inter-relação de um conjunto de saberes provenientes de práticas de linguagem dos alunos, teoria do gênero e práticas sociais de referência.
Lanferdini, a professora supervisora do referido PIBID, no capítulo intitulado “Análise do contexto escolar – alvo das intervenções didáticas do projeto do PIBID/Letras inglês”, detalha os elementos envolvidos (alunos, professores, espaço físico etc.) na dimensão do contexto educacional em que as intervenções pedagógicas ocorreram (um colégio público localizado em um bairro periférico do município de Guarapuava-PR, que oferta Ensino Fundamental e Médio, nos períodos matutino e vespertino).
Lanferdini esclarece que o trabalho dos alunos do PIBID teve início no ano de 2013 com uma observação sistemática acerca da estrutura física do colégio, da sua localização, do perfil do bairro onde o colégio está situado, do nível social e econômico da comunidade escolar, enfim, de diversos aspectos que foram fundamentais para a escolha dos gêneros textuais e para a produção dos MD apresentados na obra em questão.
Conforme análise da referida supervisora, o PIBID tem possibilitado “novas formas de interações entre a UNICENTRO e o colégio” (p. 36). Destaca também que os graduandos envolvidos no programa, ao observarem o contexto específico, realizarem leituras e discussões teóricas, elaborarem materiais alinhados com a realidade ali observada vêm vivenciando a prática docente de modo intenso – fato que contribui marcadamente para a formação desses futuros professores.
Iniciando a apresentação dos modelos didáticos, Josiane Silva de Souza e Likelly Simão Bender propõem um MD do gênero Public Service Announcement (PSA). Após apresentarem definições de SD, MD, transposição didática, gêneros textuais e PSA, as autoras explicitam que o corpus da pesquisa é composto por 12 vídeos de PSA selecionados na internet, com base em critérios relacionados a questões sociais emergentes no contexto escolar, tais como: uso de drogas, violência, bullying, preconceitos e AIDS.
As autoras detalham as capacidades de linguagem encontradas no gênero PSA, que são categorizadas em: 1) capacidade de ação (adaptação ao contexto de produção); 2) capacidade discursiva (escolha de discursos e estrutura e organização do texto); 3) capacidade linguístico-discursiva (operações de textualização) e 4) capacidade de significação (estabelecimento de relações com outros textos e esferas). Ao final do capítulo, apresentam um quadro-guia para a construção de uma SD, o qual cria uma “ponte entre o saber chamado científico e o saber didático” (p. 53).
O próximo MD se propõe a determinar as dimensões ensináveis do gênero anúncio publicitário. Janaína Senem baseia-se na perspectiva teórica do ISD para estudar o gênero em questão e apresenta as características principais do referido gênero, destacando que um aspecto central é sua “estrutura circular” (p. 62), ou seja, o tema principal é mostrado no início e no final do anúncio como uma estratégia de persuasão para instaurar no público o desejo de adquirir o produto anunciado. Além desse importante aspecto que pode ser explorado em uma SD, a autora salienta a importância de se trabalhar com as escolhas lexicais e com as figuras de linguagem presentes no anúncio publicitário.
O MD proposto por Senem direciona seu foco para os anúncios publicitários de cinco jogos eletrônicos selecionados da internet, a fim de atender à faixa etária do público-alvo (alunos do sexto ano do Ensino Fundamental) e seus interesses. O critério para seleção desses anúncios buscou evidenciar a evolução dos recursos tecnológicos de tais jogos, assim como a evolução do próprio gênero anúncio publicitário.
Assim como no primeiro MD proposto (PSA), neste, Senem finaliza explicitando as capacidades de linguagem que poderão ser desenvolvidas em uma futura SD: capacidade de ação, capacidade discursiva, capacidade linguístico-discursiva e capacidade de significação.
A próxima proposta, “Modelo Didático do gênero regras de jogos de tabuleiro”, foi elaborada por Mabiana Camargo e Lidia Stutz. As autoras explicam que a opção por esse gênero levou em consideração o fato de que vários alunos pareciam não ter noções sobre regras de boa convivência em sala de aula. Por isso a tentativa de mudar esse quadro de uma forma lúdica e educativa, provocando a conscientização do aluno quanto ao seu papel social. As autoras entendem que se o aluno é levado a respeitar as regras de um jogo, isso poderá fazer com que ele também reflita sobre as regras de comportamento no contexto em que está inserido.
Camargo e Stutz selecionaram oito regras de jogos dos Estados Unidos e da Inglaterra, na internet, para um público-alvo com faixa etária entre 6 a 11 anos. Dentre os objetivos de tais regras, destacam: a construção de estratégias e o incentivo à criatividade, à imaginação, à percepção gramatical e espacial, à memória, às capacidades de comunicação, interpretação e cálculo.
O modelo didático do gênero entrevista oral, de Caio Cesar Thomaz e Emanoel Godoy, explora três entrevistas, extraídas do Youtube.com, realizadas com dois atores e uma atriz, que divulgam seus trabalhos recentes. Por isso, denominam como entrevista jornalística cinematográfica e apresentam suas principais características. Embora um ator e a atriz sejam brasileiros, as entrevistas, realizadas por críticos e produtores de cinema, foram conduzidas em inglês – fato que foi explorado pelos autores do MD para chamar a atenção dos alunos para a importância da língua inglesa e para a carreira de sucesso de brasileiros que falam fluentemente essa língua.
Após a apresentação das breves biografias dos entrevistados, Thomaz e Godoy abordam o nível organizacional das entrevistas, os segmentos de orientação temática (temas gerais abordados) e os segmentos de tratamento temático (detalhamento dos temas gerais) e as marcas de oralidade encontradas (contrações, expressões informais e marcadores conversacionais). Encerram a apresentação do MD defendendo as dimensões ensináveis da oralidade, uma vez que entendem ser pouco explorada no ensino público.
O último MD apresentado na obra volta-se para o estudo do gênero tiras em quadrinhos, mais especificamente, do gato Garfield, que ficou mundialmente conhecido, e tiras de Radicci, personagem criada pelo cartunista e jornalista gaúcho Carlos Henrique Iotti. Os autores desse MD, Élen Ramos, Rafael Niemietz e Terezinha Marcondes Diniz Biazi, observam as dimensões psicológica, cognitiva, social e didática das tiras, à luz das reflexões de Dolz, Schneuwly e Haller (2004) [3]. Após apresentarem um histórico da origem do gênero e suas características, os pesquisadores desse MD detalham a dimensão social das tiras, a sua esfera de circulação e analisam seus elementos narrativos (personagens, narração, tempo, espaço e ação), visuais (quadros, enquadramento, figuras cinéticas e metáforas visuais) e verbo-visuais (balões e onomatopeias). Desse modo, os autores dão destaque às ações de linguagem ali operadas, mostrando, portanto, as dimensões ensináveis desse gênero e cumprindo com a proposta inicial de conduzir o aluno a uma reflexão crítica sobre atitudes e comportamentos na sociedade.
Redigindo o pósfacio da obra, Kleber Aparecido da Silva argumenta que a formação de professores de línguas merece ser cada vez mais valorizada e reflete sobre a importância do PIBID para tal finalidade. Silva entende que a sociedade atual exige a compreensão de que “agir no mundo requer capacidades de engajamento em diferentes práticas discursivas, que ocorrem por meio de diferentes modalidades de linguagem” (p. 156), que, ao se integrarem, produzem novos sentidos. É nesse aspecto que destaca a contribuição do trabalho do PIBID Letras-inglês da UNICENTRO apresentado na obra, além de salientar o fortalecimento das licenciaturas e as parcerias entre a universidade e a escola pública.
A obra aqui resenhada mostra a importância de um trabalho fundamental da prática docente: o processo de preparação de aulas. Com efeito, trata-se de um processo, pois como os autores explicitam, a ação de ministrar uma aula começa com o contato e a interação com o público-alvo e o contexto em que ele está inserido. Somente após o levantamento das particularidades, necessidades e/ou possibilidades locais, dá-se início ao planejamento das aulas. À luz da perspectiva do ISD, e visando à construção de sequências didáticas, a obra em foco, além de esclarecer a necessidade de se conhecer o contexto educacional para se propor aos alunos atividades significativas para suas realidades, ensina sobre a necessidade de se conhecer primeiramente o gênero que se pretende explorar, na elaboração de uma SD.
Aprende-se com cada MD aqui reunido quais são suas dimensões ensináveis, fato que torna a obra recomendável não somente para docentes de língua inglesa mas para aqueles envolvidos no processo de transposição didática e que buscam caminhos possíveis para se pensar em educação de qualidade, conforme salientado no prefácio, e no entendimento de que os sentidos não estão prontos para serem descobertos, mas, sim, produzidos no e por cada contexto local.
Notas
1. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/paulo-freire-podemos-reinventar-mundoentrevista-640706.shtml
2. DE PIETRO, J.-F.; SCHNEUWLY, B. Le modéle didactique du genre: un concept de l’ingénierie didactique: In: ThéoriesDidactique de la lecture-écriture. Réseau Didactique, Université Charles-de-Gaulle: Lille, 2003.
3. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; HALLER, S. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. (Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro).
Resenhista
Marco Antônio Margarido Costa – Professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande, Paraíba, Brasil. E-mail: marcoantoniomcosta@gmail.com
Referências desta resenha
STUTZ, Lidia (Org.). Modelos didáticos de gêneros textuais. As construções dos alunos professores do PIBID Letras inglês. Campinas: Pontes, 2014. Resenha de: COSTA, Marco Antônio Margarido. Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v.7, n. 2, p.382-386, jul./dez. 2017. Acessar publicação original [DR]
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