REDYSON, Deyve. Metafísica do sofrimento do mundo: o pensamento filosófico pessimista. João Pessoa: Editora Idéia, 2009. Resenha de: SANTOS, Marcelo. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.1, n.1, p.160-162, 2010.
Tratar de um modo de pensar pessimista é tarefa que exige, além de ampla erudição, um peculiar entusiasmo. O pessimismo metafísico esmiuçado pelo professor doutor Deyve Redyson, do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, nas páginas de seu livro Metafísica do sofrimento do mundo: o pensamento filosófico pessimista, evoca um filosofar livre de ranços tradicionalistas e ‘manualescos’. Nesse sentido, pensar o aspecto péssimo da existência humana no mundo é encarar o desafio do transcendental e do ôntico, olhando pelo prisma de uma categoria filosófica que vem se mostrando extremamente poderosa, principalmente após a contraproposta de Schopenhauer ao parecer otimista de Leibniz acerca de nossas vivências e de nosso mundo. Contudo, o livro em questão buscou expressões pessimistas já na sua gênese grega e perpassou as épocas da filosofia de uma maneira crítica e direta, isto é, não se deteve, senão naquilo que era indispensável e digno de nota. De Lichtenberg e Leopardi, a Unamuno e Cioran, nenhum grande vulto do pensamento foi deixado de fora, no que tange à temática do presente discurso que aspira decifrar o enigma do mundo a partir do sofrimento universal, examinando o sentido trágico da existência e a filosofia debruçada sobre a dor. De fato também este livro surge como o primeiro texto sobre os autores pessimistas em conjunto, antes os que pretendiam estudar o pessimismo filosófico teriam que vasculhar as obras dos referidos autores e neste livro podemos visualizar um conjunto de textos que dão uma boa introdução ao tema, além de apresentar uma bibliografia ampla sobre o assunto em língua alemã, inglesa e espanhola.
Mas, porque o mundo sofre e o quê é sofrer? Como conceituar a dor, esta suprema positividade num mundo que tenta inutilmente negá-la? São questões que se apresentam no livro.
Como se pode notar, o leitor terá pela frente exposição clara de uma problemática fulcral da filosofia de todas as épocas. Contudo, não deverá olvidar-se de que, a clareza, neste caso, não implicará em mero utilitarismo prático, uma vez que o assunto pode ser um tanto paradoxal, estratosférico, impalpável e indigesto para muitos.
Talvez, sobre isto, dispararia Nietzsche: filosofia é para espíritos ruminantes. No melhor sentido deste ruminar, somos incitados aqui a nos informar melhor sobre o assunto e a refletir sobre o sentido do sofrer que salta do texto e que pode nos atingir de cheio, que sai do meramente literal, formal e acadêmico e pode nos inquietar.
Felicidade, salvação, liberdade, deixar de sofrer! Mas como, sem recorrer a vivências estritamente ritualísticas, religiosas e espiritualistas? O modo pessimista de filosofar pode parecer cruento, duro, insípido, desértico e os filósofos evocados nesta obra podem, igualmente, parecerem monstros aterradores da maldade, escritores sem prazer e sem coração. Isto, numa primeira abordagem, caso se trate de leitor ainda pouco acostumado ao estilo desafiador dos vários pensadores chamados ao debate aqui, alguns ainda “marginais” ou pouco famosos. Contudo, o mais importante jamais deixará de estar em evidência ao longo do texto, isto é, a matéria central, a “massa crítica”: uma ciência de primeiros princípios, neste caso, ciência do sofrimento universal, ciência que independe de cálculos e de aparelhos para auferir graus, repetições do mesmo fenômeno e/ou coisas afins.
Não será exagero constatar que o livro supera a proposta inicial de fazer um apanhado histórico-filosófico representante das inúmeras significâncias do pessimismo, pois o texto se conecta a outras áreas de especulação que consideram a dolorosa condição humana na existência, a saber: psicologia, antropologia teológico-filosófica e de aspectos sociológicos daquela condição.
Em um pano de fundo tão péssimo, o desespero surge ameaçador e como que inevitável. Com ele assomam o sentimento de angústia e a iminência do niilismo. A moral tradicional é afrontada e os fundamentos éticos de uma visão de mundo ótimo e iluminado pela razão são ridicularizados em várias vozes, em diversos estilos de escrever filosofia trágica, pensamentos que denunciam a decadência do homem em seu mundo ilusório de opiniões e perspectivas turvadas pelo engodo de Maia.
Por fim, a morte desponta como o grande prêmio ao fim de uma existência sob o sol, mas, paradoxalmente sombria. Como se o filosofar in toto, fosse incapaz de superar sua natureza de nada saber e nada ser além de preparação para o fim dessa vida de andanças do pó sobre o pó, nessa infinitude sempre amparada pela finitude de todo e de cada homem doente.
Resenhar uma obra que já foi muito bem introduzida de forma sumária por seu autor pode soar como um correr atrás do vento. Por isto, estas palavras pretendem tão somente destacar alguns nuances mais atrativos, pinçar alguns aspectos do rico material constituinte da Metafísica do Sofrimento do Mundo de modo a, sem ser repetitivo e sem antecipar grosseiramente as inúmeras passagens surpreendentes e reveladoras, dar o tom específico e uma prova do teor filosófico atual e relevante que o pessimismo metafísico vem propondo crescentemente ao pensamento e ao mundo contemporâneos, isto é, uma proposta de como enfrentar a vida de forma desperta e amadurecida, rejeitando “filosofias” infantilizadas e fórmulas ilusórias de viver e de morrer imerso na eterna consciência de rebanho. Quem encara intermitentemente o pior estado de coisas, com naturalidade saberá como ninguém fruir, ainda que fugazmente, qualquer melhoria fortuita. Portanto, filosofia pessimista, pessimismo bíblico, pessimismo metafísico, pessimismo prático, pessimismo absoluto e melancolia, são exemplos de categorias filosóficas que devem ser examinadas com cautela ao logo do texto do professor Deyve Redyson, de modo a não incorrer o leitor em pré-conceituações sempre desfavoráveis à salutar e prudente reflexão filosófica que este livro propõe.
Marcelo Santos – Mestre em Filosofia – UFPB.
[DR]
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