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Memórias de professores nordestinos de História: docência no contexto da pandemia de Covid-19 | Joaquim Tavares Conceição e Paulo Heimar Souto

O livro dos professores Joaquim Tavares da Conceição e Paulo Heimar Souto é uma reunião de textos acadêmicos resultantes de trabalhos finais da disciplina “Tópico Especial em Ensino de História. História, memória, identidade e a aprendizagem histórica”, ministrada no Programa de Pós-graduação em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Seus capítulos, em forma de artigos, são redigidos pelos mestrandos do programa, sobre orientação dos referidos professores.

A obra é estruturada em cinco capítulos que debatem as dificuldades e desafios enfrentados pelos professores de História durante o período de isolamento social provocado pela pandemia de COVID-19. Amparados pela metodologia da História Oral, os autores discutem o ensino remoto e o uso das tecnologias digitais pelos professores entrevistados, chamados de colaboradores. Algumas das experiências dos professores que serviram de base amostral são relacionadas e interpretadas junto aos conceitos de memória do teórico Michael Pollak e aos conceitos da história oral de José Meihy e Leandro Seawright.

Partindo do reconhecimento de que a educação brasileira sofre inúmeros desafios e que a pandemia agravou a situação do trabalho educacional, os autores levantaram questões importantíssimas para compreender como as aulas estão sendo ministradas remotamente e as diversas implicações disso a partir do ponto de vista de docentes entrevistados. O capítulo Desafios do professor de História em tempos de pandemia, das mestrandas Jussara Simões e Lídia do Nascimento, abre a discussão evidenciando elementos perturbadores enfrentados pela professora entrevistada colaboradora Maria Antônia, tais como estresse, falta de internet e as incertezas quanto à vida e à morte. Para ela, a maioria das dificuldades já existia antes da pandemia, o que houve foi uma intensificação (CONCEIÇÃO; SOUTO, 2021, p.16).

A paralisação das aulas presenciais desencadeou uma série de incertezas e tentativas de retomadas dos vínculos entre alunos e professores. As medidas tomadas pela Prefeitura de Salvador, cidade da colaboradora, são debatidas nessa entrevista rica em detalhes. A falta de acesso à internet pelos alunos dificulta a realização das aulas, assim o poder público passa a incentivar a produção de vídeo-aulas e reproduzi-las na televisão visando a um maior alcance de público. Contudo, é no segundo capítulo que encontramos uma percepção diferente: o entrave ao ensino remoto se dá pela falta de preparo dos professores em produção de materiais digitais (CONCEIÇÃO; SOUTO, 2021, p.36).

Para o colaborador Gustavo Dantas, em sua opinião e no depoimento aos autores Fabiana Moufarreg, Francisco de Brito e Paulo Souto, no segundo capítulo intitulado Mais perto e mais longe: relato de um professor de história sobre sua experiência em meio ao ensino a distância, muitos professores da rede pública não têm preparo satisfatório para ensinar remotamente (MOUFARREG; BRITO;SOUTO,2021, p.30). As críticas recaem também aos cursos de formação em Licenciatura em História que, para um entrevistado, não formam seus alunos para a sala de aula, isto é, dão ênfase a uma formação de bacharéis (p.35). Há um rico debate entre tecnologias digitais e tecnologias pedagógicas que é enlaçado junto a falta de preparo e de condições técnicas dos docentes para o ensino remoto, o que acentua a precarização do trabalho dos professores.

Já no terceiro capítulo, Reflexões sobre o ensino de história na Educação de Jovens e Adultos (EJA) durante a pandemia de covid-19: a sala de aula não é digital (Arapiraca/AL, 2020) os autores Rafael de Oliveira e Robson Silva se dedicam a analisar os desafios do currículo escolar juntamente à evasão dos alunos da EJA. Entretanto, a trajetória do ensino de História e o surgimento da EJA ganham maior espaço na discussão, sobrando pouca atenção para os problemas enfrentados durante o ensino com o isolamento social.

Na EJA, as dificuldades se acentuaram de tal forma, que, segundo a professora entrevistada, Rosirene Silva, as aulas remotas não deram conta de suprir os encontros presenciais e nem facilitaram o acesso os estudos (p. 58). Contudo, os autores pouco dialogam com o depoimento da colaboradora. O que se sabe é que as aulas foram gravadas por meio do YouTube e divulgadas por meio de aplicativos de mensagens, mas nem todos os alunos fazem uso desses instrumentos. A solução que se encontrou foi do corpo discente ir até a escola buscar as apostilas e atividades, e dessa forma, teriam algum aprendizado. Transformando, assim, em uma discussão sobre um ciclo de problemas e o ensino de História deixou de ser debatidos pelos autores.

No quarto capítulo, Ensino remoto de história durante a pandemia da covid-19: experiências e desafios de um professor do agreste alagoano, as autoras Lhara Oliveira e Lidiane Metodio destacam que a educação está sofrendo transformações “para a inserção de diversos programas, aplicativos de comunicação social e outras ferramentas (…), antes vistas como distrações dos estudantes em sala de aula” (p. 63). Para as autoras, o ensino remoto que se estabeleceu no Brasil devido à pandemia se misturou aos conceitos de Educação a Distância, entretanto, muitos dos professores não possuem capacitação para o desenvolvimento das suas aulas nos ambientes virtuais que as escolas fizeram uso. Elas ressaltam, também, que a maioria dos estudantes da rede pública de ensino não possui acesso à internet e às mídias digitais. Da mesma forma que o capítulo anterior, o ensino de história foi pouco discutido.

No quinto e último capítulo, Ensino remoto no contexto da pandemia de covid-19: experiência de uma professora de História, os autores Silvio Cezar Batista Vieira e Marivaldo de Jesus Rodrigues destacam que a pandemia expôs as deficiências dos sistemas públicos de ensino e que emergiram as dificuldades para a efetivação de uma educação pública para as classes sociais mais populares. Os mestrandos dão muita ênfase na discussão sobre o uso de tecnologias digitais como ferramentas para a prática de aulas remotas e sua relação com a Educação a Distância. E os relatos da colaboradora evidenciam os estímulos que os professores sentiram em busca de familiarização com as tecnologias digitais, sem deixar de discutir as dificuldades sentidas por ela em ministrar suas aulas, como o sinal da internet e as despesas extras que não foram recompensadas pelo poder público, por exemplo.

Em todo o conjunto da obra, a pandemia é pensada como um agravante da precarização do trabalho. E à primeira vista, considerando a opinião dos autores, os professores parecem ser os que mais padecem com essa precarização e os que mais se desdobram para darem conta do trabalho. Os relatos de experiência dos entrevistados foram pouco trabalhados. Os autores dedicaram muito espaço do livro a discorrer decretos que regulamentam a educação no Brasil. Também dedicaram muitas páginas a discorrer sobre os decretos estaduais e municipais que abordaram os agravos da pandemia e sobre o isolamento social. Demonstraram muito empenho em produzir um material que registrasse esse período difícil da humanidade, mas por meio de decretos oficiais da esfera pública. Uma saída para esse problema seria um maior diálogo com as pesquisas publicadas na coletânea Fraturas expostas pela pandemia (INSFRAN, 2020). Nas palavras de uma das autoras “um livro que coloca no centro do debate a educação em tempos de pandemia. Um livro sobre a pandemia, ainda em tempos de pandemia” (INSFRAN, 2020, p. 17).

A obra apresenta e discute as iniciativas que foram tomadas pela esfera pública no sentido de amenizar os problemas ocasionados pela Pandemia de COVID-19 ou revertê-los. Os professores são apresentados como figuras que ficaram apenas na linha de frente mediando o conteúdo a ser ministrado aos alunos. Situação mais agravante é descrita no terceiro capítulo, em que os autores apontam que a escola não sabe resolver o problema dos alunos da EJA e espera uma “resposta da SEMED (Secretaria Municipal de Educação) para avaliar como proceder” (p. 57). As considerações finais apontam as falhas dos poderes públicos no compromisso de fornecer uma educação pública, gratuita e de boa qualidade. Os autores denunciam a falta de capacitação dos professores em desenvolver suas aulas nos ambientes virtuais e isso, para os mesmos autores, é uma falha do poder público.

Ou seja, para os autores, a situação caótica no ensino durante a pandemia é culpa do poder público. Dá a entender que os professores pouco fizeram para apresentar soluções. A singularidade do texto reside na importância de se debater as relações entre docentes e discentes durante o período de pandemia de COVID-19, mas se distanciou um pouco indicando um culpado para todos os problemas apresentados. Ou seja, pouco dialogaram e pouco refletiram sobre os problemas, e muito menos sobre o ensino de história.

Com efeito, observa-se o interesse das pesquisas atuais sobre a temática do ensino em períodos de pandemia. É possível identificar um frágil diálogo desta obra com produções muito recentes sobre o período em questão. A obra de Fernanda Fochi Nogueira Fraturas expostas pela pandemia poderia ser usada como uma referência de peso no trabalho em questão, mas é citada apenas em um dos capítulos, e muito superficialmente. Para José d’Assunção Barros criar um diálogo com outras obras que tangenciam o tema em estudo constitui parte da riqueza do trabalho, pois evita o constrangimento de repetições de propostas já realizadas ou de acrescentar pouco ao conhecimento científico (BARROS, 2012, p. 55)

Obra coletiva que pensa o ensino de História, mas em pouco diálogo com esse campo tão vasto, Memórias de professores nordestinos de História evidencia, através de relatos orais de docentes que vivenciaram de perto os efeitos dramáticos do isolamento social sobre as aulas do ensino básico, os esforços dos professores da nossa tão frágil e precária rede de ensino público e se consolida como uma obra que olha o presente, registra turbulências causadas pela pandemia e expõe depoimentos pessoais de professores que ainda hoje constroem o ensino remoto. Uma obra que vale a pena ser lida e estudada.

Referências

BARROS, José D’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História: da escolha do tema ao quadro teórico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da; SOUTO, Paulo Heimar. (org.). Memórias de professores nordestinos de história: docência no contexto da pandemia de Covid-19. Recife: EDUPE, 2021.

INSFRAN, Fernanda Fochi Nogueira et al. (org.). Fraturas expostas pela pandemia: Escritos e experiências em educação. Campos dos Goytacazes, RJ: Encontrografia, 2020.


Resenhista

Vyctor José da Silva Nogueira – Graduado em História Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: delgadonogueira1@gmail.com


Referências desta Resenha

CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da; SOUTO, Paulo Heimar. (Orgs.). Memórias de professores nordestinos de História: docência no contexto da pandemia de Covid-19. Recife: EDUPE, 2021. Resenha de: NOGUEIRA, Vyctor José da Silva. Temporalidades. Belo Horizonte, v. 13, n. 2, p.821-826, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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