Vocês esboçaram a primeira versão resenha. Suponho que tenham sentido alguma dificuldade na escolha das palavras ou que tenham se arrependido de empregar algumas delas. Há termos repetidos em excesso? Há termos imprecisos, inadequados e até palavras que podem gerar algum constrangimento por parte do leitor?
Se vocês não encontraram problemas do gênero, ofereçam o seu texto ou “segmento de texto” para o colega do grupo. Considerem a sua apreciação. É provável que ele encontre uma mudança abrupta de assunto ou a ausência de uma progressão lógica de um parágrafo ao outro.
Essas imperfeições podem ser minoradas com a criação e o manuseio de um glossário de verbos, substantivos, adjetivos e expressões empregáveis para nos referirmos ao autor, à obra, às coisas que o autor faz ou diz e ao valor da obra resenhada.
Para anunciar o autor, vocês podem usar, quando conveniente e adequado, as seguintes expressões: “o autor”, “o organizador”, “o coordenador”, “o editor”, “o compendiador”, “o diretor”, “ele”, “o pesquisador”, “o acadêmico”, “o professor”, “o especialista”.
Evitem o excesso de intimidade como chamá-lo pelo prenome (“Itamar”), ao invés do nome autoral (“Freitas”). Evitem a monotonia causada pela referência o nome completo todo o tempo (“Segundo Itamar Freitas…”, “Itamar Freitas afirma…” etc. ). Evitem, ainda, o estranhamento ou o distanciamento em excesso ao chamá-lo, apenas pelo nome autoral, desde o primeiro parágrafo da resenha (“Freitas é autor de…”).
Quando mencionarem a obra pela primeira vez, usem o título completo. Na sequência, podem referi-la por meio de expressões do tipo: “o livro”, “o texto”, “o trabalho”, “o resultado da pesquisa”, “o título” e, quando adequado, “a coletânea”, “a coleção”, “o e-book”, “a brochura”, “a parte”, “a seção”, “o capítulo”, “o tópico” e “grupo de parágrafos”.
Quando se referirem à obra para anunciar o plano geral ou resumir partes, fiquem livres para empregar a voz ativa, a voz passiva ou explorar a impessoalidade: “O livro reúne nove textos…”; “Neste livro, foram reunidos nove textos…”; “Neste livro, o autor reuniu nove textos”; “Trata-se da reunião de nove textos…”.
Nas referências às coisas que o autor faz ou diz, as palavras, em geral, estão relacionadas aos principais atos do autor ao produzir um livro. Vocês podem iniciar a frase, empregando a metonímia, substituindo, por exemplo, o “Freitas afirma” por “A obra afirma…”.
Um procedimento que auxilia bastante a descrição sobre os ditos e feitos do autor na obra é a empatia. Imaginem-se autores em produção. Vocês provavelmente, iriam declarar objetivos, problematizar, delimitar o tempo e o espaço da pesquisa, inventariar, analisar e interpretar fontes e bibliografia, selecionar e operar categorias e métodos, elaborar hipóteses, contestar, apoiar, demonstrar ou confirmar teses anunciadas na bibliografia da área, sintetizar, deduzir em forma de proposições, princípios ou novas hipóteses e selecionar os melhores exemplos e argumentos retóricos para convencer e persuadir o leitor.
Esses procedimentos clássicos da pesquisa e escrita acadêmica já oferecem o glossário básico que vocês empregarão na resenha. Os verbos possíveis de emprego na resenha, reiteramos, já estão previamente delimitados pelo domínio acadêmico no qual se situa a obra a ser resenhada. O máximo que vocês podem fazer, em termos de criação, é variar nos sinônimos de cada ação intelectual, como exemplificamos no quadro 1.
Se vocês têm dúvidas sobre a limitação desse glossário, tentem expor os objetivos, o plano ou as principais proposições da obra que acabaram de ler. Para declarar os objetivos da obra, servem, por exemplo, as orações 9 e 11: “O objetivo do autor é refutar a tese de que…” (9); “A meta da obra é demonstrar que…” (11)
Idêntica operação ocorre durante o anúncio do plano geral da obra, das suas proposições centrais ou do conteúdo de cada uma das suas partes: “A obra está dividida em…” (6); “No capítulo primeiro, o autor narra a…”; “No capítulo segundo, o autor analisa…”; “Nas conclusões, o autor reitera que…” (12)
Para anunciar o valor da obra, as palavras mais empregadas, obviamente, são os adjetivos. No entanto, neste exercício, preocupam-nos muito mais as regras de convivência que a objetividade da qualificação da natureza e dos usos que o autor faz dos seus problemas, hipóteses, teses, fontes, categorias, métodos e teses. Como afirmam D. Motta-Roth e e G. Rabuske Hendges (2020, p.116), “Deve-se tentar ser ‘polido’, evitando agredir o autor da obra resenhada”.
Para evitar esse constrangimento, as autoras sugerem duas saídas: o emprego de expressões parcimoniosas, o uso do verbo no futuro do preterido:
Parece-me que falta ao texto de Fontes um tratamento mais detalhado da estrutura sindical oficial…;
O enfrentamento dessas indagações permitiria… (Motta-Roth; Hendges, 2020, p.116).
Na primeira situação exemplificada, o resenhista detectou uma lacuna grave, mas atenuou com um “parece-me” (o que ele efetivamente sabia que estava ausente na obra). Na segunda, o resenhista efetivamente reprova a conduta do autor, mas prefere dizer que ele “poderia” proceder da maneira que o seu crítico considera como correta.
Aos procedimentos sugeridos por Motta-Roth e Hendges, acrescentemos três outros caminhos que podem atenuar os efeitos do anúncio de pontos negativos da obra. Observe este exemplo:
Evidentemente, é louvável o propósito de melhorar a qualidade dos cursos de doutorado, e mais ainda, de que isso possa ser alcançado por diferentes países. Também o é a promoção do intercâmbio, seja de pesquisadores, de programas de doutorado, e o fortalecimento das relações entre vida social, política, econômica e cultural e a produção do conhecimento por parte das universidades. Todavia, o modelo esbarra em problemas […]. Isso não invalida a perspectiva de que pesquisadores no campo das ciências humanas trabalhem com grupos de doutorandos em torno de um ou mais projetos de pesquisa que permitam trabalho articulado de natureza interdisciplinar e/ou interinstitucional. Mas tal proposição não pode constituir uma camisa de força, como a concepção do modelo indica.” (Ferretti, 2011).
Nesta terceira situação, o resenhista apresenta um ponto positivo para demonstrar o equilíbrio da sua apreciação. O que realiza, efetivamente, porém, é uma crítica contundente às posições dos autores. Agindo assim, ele não pode ser acusado de parcialidade por causa das duas ponderações iniciais, mas não deixa de demonstrar sua visão (contrária à professada pela obra) e, ainda, de exibir erudição, apontando fragilidades na obra.
Os dois exemplos que se seguem apresentam uma quarta situação. Nela, os resenhistas moderam o tom da crítica com a apresentação de um ponto positivo imediatamente antes ou após o anúncio do ponto negativo. Eles sugerem que as “faltas e silêncios” e os comprometimentos à “uma conclusão mais objetiva” são vícios inerentes ao gênero “introdução” e vícios circunstanciais, decorrentes da ausência de fontes e não dos autores que escreveram um exemplar do gênero “introdução”.
O livro percorre praticamente dois séculos da história do Brasil focado nas transformações ocorridas no campo educacional […] sem contudo estabelecer correções diretas entre esses eventos e os demais processos em curso no Brasil […] Em suma, quem não souber um pouco de história do Brasil terá séries dificuldades para articular o narrado do texto com as diversas conjunturas experimentadas pela sociedade brasileira. E quem souber terá de deduzir os modos como se articulam […]. Trata-se basicamente de um livro de introdução, conciso, e como tal incorre em faltas e silêncios. Pode ser indicado como parte de uma bibliografia sobre a história da profissão docente, mas não necessariamente.” (Silva, 2011).
Por fim, se há uma crítica, ela deve-se à inexistência de dados sobre o destino profissional dos ex-alunos, o que não compromete uma conclusão mais objetiva sobre a redução das desigualdades sociais que poderiam ser atribuídas à passagem pelo ensino superior. (Perosa, 2016).
O último exemplo representa um quinto modo de suavizar crítica. Observe que o resenhista encerra o seu texto com uma série de questões para as quais o autor não oferece soluções. A crítica, contudo, é atenuada com uma adversativa, seguida de um elogio protocolar (já que quase toda obra “alimenta o debate”).
A respeito da pauta educacional, resta-nos ainda inquirir se esta possui de fato capacidade aglutinadora diante da diversificação dos inúmeros movimentos sociais. E seria ela sustentável temporal e politicamente? Processaria uma reconfiguração do papel do Estado e da gestão da educação nesse novo contexto? Além disso, no quadro geral, como podemos analisar a participação no interior da gestão educacional? A obra não responde a essas questões, mas alimenta o de até e convida a novas contribuições. (Assis, 2020).
Já tratamos das palavras adequadas e mais frequentes para anunciar a obra, o autor, as metas, plano e proposições da obra resenhada. Vamos encerrar este texto com as palavras empregadas na “crítica” à obra.
Para este procedimento, os termos são muito mais numerosos que os verbos indicadores da ação do autor. Em geral, são empregados para atribuir valor à natureza do objeto criticado e/ou das funções que esse objeto pode preencher no domínio acadêmico: eles declaram um juízo: a coisa “é” e/ou a coisa “serve para”. O “serve para” é a identificação dos fatos que a leitura da obra pode desencadear na vida do leitor que a consome, seja ele um iniciante, seja ele um profissional.
Há várias formas de manifestar um juízo. Vejamos três. Quando dizemos que “Fazer resenhas é uma tarefa simples” ou “Fazer resenhas não é um procedimento prazeroso”, estamos expressando juízos qualitativos. Estamos anunciando, em síntese, a existência (a chatice) ou a inexistência (o prazer) de alguma coisa (a tarefa de escrever resenhas).
Quando anunciamos que “todos os professores de resenhas são incompetentes” ou que “somente a mínima parte dos professores de resenhas oferecem modelos” para escrever resenhas, estamos expressando juízos quantitativos.
Quando, por fim, anunciamos que “essa disciplina vai nos auxiliar a escrever resenhas”, que “essa disciplina, provavelmente, vai nos auxiliar a fazer resenhas” ou que “essa disciplina, necessariamente, vai nos auxiliar a fazer resenhas”, estamos expressando juízos modais (Cf. Mora, sd).
Resumindo, em quaisquer das situações comunicativas onde somos convidados a manifestar nossa posição, mesmo quando pensamos não fazer crítica, como no oferecimento da obra à leitura e na indicação dos seus leitores potenciais, estamos anunciando juízos: “o livro é um guia em termos de…”; “o livro é referência para…”; “O livro contribui com…”; “O livro será útil para…”; “O livro é um grande aporte para…”; “O livro é provocativo…”; “Professores podem se beneficiar com a leitura…”. Dizendo de outro modo, em qualquer declaração, empregamos afirmações e negações, acompanhadas de grandezas (extenso/curto, raso/profundo, largo/estreito, cheio/vazio, alto/baixo etc.) e de graus de certeza (possível, provável, necessário etc.).
Essas três categorias de juízo são muito empregadas pelos resenhistas da Revista Brasileira de História (RBE). São juízos deste tipo que solicitamos o emprego nas resenhas, mesmo que eles ganhem outra estrutura sintática na redação final, como neste exemplo onde a resenhista traduz a declaração mental “a análise é aprofundada” de modo mais alongado: “Rui Trindade […] brinda-nos com uma aprofundada análise dos principais desafios pedagógicos postos hoje às instituições de ensino superior” (Pachane, 2011).
Os anúncios do quadro 1 são somente exemplos. Vocês podem criar à vontade. Podem, inclusive, combinar orações e estabelecer paralelismos entre coisas “boas” e coisas “ruins” que caracterizam o livro.
Acima, vimos que um procedimento para atenuar o anúncio de “pontos negativos” da obra é informar simultaneamente, um vício acompanhado de uma virtude. Aqui, podemos empregar idêntica estratégia para reforçar a positividade da obra. O conjunto curinga de palavras é: “não somente, mas também…”
Observe o seguinte exemplo:
Ao longo de todo o livro, a biografia dos intelectuais envolvidos na gestão da universidade é empregada não para reforçar o imaginário das figuras míticas de uma história, mas para restituir a lógica dos investimentos individuais na instituição. (Perosa, 2016).
Em apenas um trecho de parágrafo, percebemos a aplicação de dois procedimentos que devemos replicar. O resenhista informa ao leitor sobre parâmetros e razões da crítica e, consequentemente, amplia o efeito que o comentário positivo pode provocar na sua mente.
Para encerrar, sugerimos que retenham este princípio: toda vez que afirmarem ou negarem algo, deverão apresentar as bases desse julgamento. Ao dizer, por exemplo, que um livro é “excelente”, vocês terão que declarar as razões e os parâmetros que os levaram a anunciar esse juízo (excelente – superior aos do gênero), ou seja, deverão mencionar a regra e/ou o autor da regra que considerou a presença de atributo em uma obra como traço de excelência.
Agora que encerraram a leitura, sugiro que revisem a primeira versão da resenha, façam as devidas substituições e publiquem a resenha no formulário respectivo.
Bom trabalho.
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Para citar este texto:
FREITAS, Itamar; OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de. Medindo as palavras. Resenha Crítica. São Cristóvão, 23 ago. 2021. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/todas-as-categorias/medindo-as-palavras/>
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