O dossiê “Mato Grosso colonial” traz contribuições de pesquisadores que tem se dedicado a investigar essa região, que no período colonial, compreendia os atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. A região de Mato Grosso1 foi conquistada na primeira metade do século XVIII e pertencia à jurisdição da capitania de São Paulo, que teve sua circunscrição reduzida em 1748 por causa das fundações das capitanias de Mato Grosso e de Goiás, ambas marcadas pela mineração2.
Capitania fronteira-mineira, Mato Grosso estava situada na região central do continente sul-americano e fazia fronteira com os domínios hispânicos, isto é, com o Paraguai e com as Províncias de Moxos e Chiquitos. Apesar de sua vasta extensão territorial, foi constituída por apenas duas vilas, Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (localizada no distrito do Cuiabá) e Vila Bela da Santíssima Trindade (situada no distrito do Mato Grosso), erguida em 1752 para ser capital da capitania. Além delas, arraiais e fortes militares foram fundados ao longo da fronteira litigiosa com o objetivo de assegurar a possessão lusitana por meio do povoamento.
Aliás, o número de habitantes na capitania sempre foi reduzido e motivo de preocupação dos governadores e capitães generais, que além de adotarem políticas de povoamento, ainda tiveram que lidar com as fugas de homens e mulheres livres e dos escravos para os domínios hispânicos. Moradores fugiam por causa de dividas, crimes, ou busca por melhores condições de vida e liberdade3.
Essa movimentação transformava a fronteira em um espaço de multiplicidade, de interação, de confronto e também de negociação entre os diferentes sujeitos históricos. Isto significa dizer que havia uma sobreposição de fronteiras e de saberes, que constantemente se interpenetravam gerando situações que raras vezes permitiam estabelecer linhas precisas4.
Por sua vez, a mineração enquanto principal atividade produtiva brilhava os olhos dos moradores, mas também provocava temores, diante da possibilidade de invasões de castelhanos interessados nas minas. Enquanto a exploração do ouro levou a Coroa portuguesa a criar um aparato institucional para fiscalizar a extração do metal e assegurar a cobrança dos quintos, a exploração do diamante foi proibida durante todo o setecentos. Essas medidas nem sempre foram bem sucedidas, pois o contrabando e o descaminho foram práticas comuns e envolveram de escravos a governadores e capitães-generais5.
A mineração e a localização da capitania são aspectos importantes para compreender a constituição da sociedade e as medidas políticas adotadas pela administração portuguesa no período. 6 Portanto são alguns dos aspectos da história da fronteira oeste da América portuguesa que os artigos que integram o dossiê analisam.
Vanda da Silva, em seu artigo “A concessão de sesmaria na Capitania de Mato Grosso”, através dos processos de concessão de sesmaria, analisa a política de ocupação territorial empreendida pela Coroa portuguesa na região. Segundo a autora, a concessão de terras na capitania de Mato Grosso foi uma das estratégias utilizadas pelos governadores e capitães-generais para ocupar áreas de fronteiras e garantir a posse efetiva do território.
Gilian França em “Festejos a Santo Antonio em Vila Bela da Santíssima Trindade (1772-1789)” discute a festa em honra a Santo Antonio dos Militares, promovida pelo governador e membros da irmandade de mesmo nome na capital da capitania de Mato Grosso, entre os anos de 1772 e 1789. Como as demais confrarias existentes na capitania, o autor mostra como essa irmandade por meio da festa explicitava o seu lugar social no ambiente urbano da vila-capital.
Tiago Kramer de Oliveira, no artigo intitulado “Por uma cartografia da conquista: considerações sobre as espacializações portuguesas no centro da América do Sul (1718- 1752)”, com base na documentação cartográfica e nos estudos sobre a história da cartografia do Brasil colonial, analisa a conquista dessa região. Para tanto, ele tem como referência os mapas: Mapa das Monções (c. 1720) e a Configuração da Chapada das Minnas do Mato Grosso (c. 1750).
O distrito de Serra Acima, localizado no termo do Cuiabá, é apresentado por Divino Marcos Sena no artigo “A população do distrito de Serra acima: A capitania de Mato Grosso”. Ao analisar o mapa de população de 1809 de Serra Acima, apresenta dados sobre a população residente na localidade, que possuía várias propriedades rurais e engenhos.
Saindo do grupo de pessoas para o indivíduo, Rafael Dias da Silva Ramos em seu artigo “Vida e biblioteca de José Barbosa de Sá” apresenta a trajetória e os livros de Barbosa de Sá, considerado na historiografia regional mato-grossense o primeiro cronista da região. De acordo com o autor, a identificação dos títulos existentes na biblioteca de Sá é importante não apenas para aqueles que se interessam pela sua obra ou o contexto mato-grossense setecentista, mas também para as pesquisas em história da leitura e do livro que tem o século XVIII como foco de análise.
Abrindo a sessão de “artigos livres”, Alfa Alfa Oumar Diallo em seu artigo “Os conflitos étnicos na África” discute os conflitos na África, problematizando o fato de que apesar de levarem o rótulo étnico, eles quase não têm nada de étnico, pois são lutas para conquistar ou conservar o poder, se necessário for por todos os meios.
Sergio Paula Rosa e Alexandre Pierezan, no artigo intitulado “Concepções de poder e política no século XVI no Institutio Principis Christianis de Erasmo de Rotterdam”, discorrem sobre algumas das ideias políticas de Erasmo de Rotterdam presentes em um dos seus vários escritos do século XVI, a Institutio principis crhistianis.
Por sua vez, Andrey Minin Martin tece algumas considerações sobre o Salto de Urubupungá e as suas transformações no artigo “Do bravio ao progresso energético: considerações sobre Salto Urubupungá nos caminhos da história”.
Giovani José da Silva, em “Índios na história e nas fronteiras do Brasil: perspectivas comparadas entre Amapá e Mato Grosso do Sul”, a partir de pesquisas por ele desenvolvidas e de outros investigadores, tem como ponto de partida os processos vividos por determinados grupos localizados nas fronteiras do Brasil com o Paraguai e a Bolívia (Mato Grosso do Sul) e com a França/ Guyane (Amapá). Ele tem como objetivo apresentar algumas contribuições aos debates sobre a presença histórica de populações indígenas em fronteiras de Estados nacionais na América do Sul e suas trajetórias.
O último trabalho da seção de “artigos livres” é de Isabel Camilo de Camargo, “A historiografia da escravidão em Mato Grosso e o escravo na lida com o gado: enfoque para a localidade de Sant’Ana de Paranaíba (1857-1974)”. Ela tem como objetivo discutir a produção historiográfica sobre a escravidão em Mato Grosso, para melhor compreender o uso do trabalho escravo na lida com o gado na localidade de Sant´Ana de Paranaíba, que pertencia à província de Mato Grosso no século XIX e era um local de passagem e parada entre as províncias de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Cuiabá.
Finalizando a Edição da Fronteiras, apresentamos a resenha do livro “Linchamentos: a Justiça Popular no Brasil”, de José de Souza Martins, resenhada por Rosiane da Cruz de Freitas e André Luiz Faisting.
Agradecemos a contribuição dada pelos autores que compõem o dossiê e a sessão de artigos livres e esperamos que a leitura dos artigos possibilite novas discussões em torno das temáticas abordadas.
Notas
1 Apesar de utilizamos a expressão Mato Grosso colonial para nos referirmos a região da capitania com mesmo nome, esclarecemos que o fazemos para fins didáticos. Isto porque, no período, “o Mato Grosso” se referia ao distrito do Mato Grosso (onde estava situada a capital da capitania), que junto com o distrito do Cuiabá faziam parte da capitania de Mato Grosso. A respeito dos dois distritos ver ROSA, Carlos Alberto. “O urbano colonial na terra da conquista”. In. ROSA, Carlos Alberto e JESUS, Nauk Maria de. A terra da conquista. História de Mato Grosso colonial. Cuiabá: Editora Adriana, 2003.
2 Sobre as áreas de mineração da Bahia, Goiás e Mato Grosso ver a coletânea LEMES, Fernando L. (coord). Para além das Gerais. Dinâmicas dos povos e instituições na América portuguesa: Bahia, Goiás e Mato Grosso. Goiânia, Ed. Da PUC, Goiás, 2015.
3 SILVA, Jovam Vilela da. Mistura de cores. Política de povoamento e população na capitania de Mato Grosso. Cuiabá: Editora da UFMT, 1995.
4 ARAUJO, Renata. A urbanização do Mato Grosso no século XVIII: discurso e método. Tese (Doutorado em História da Arte), FCSH, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2000, p. 54.
5 Alguns trabalhos abordaram o tema do contrabando nos últimos anos e dentre eles a tese de David Davidson defendida na década 1970. Apesar dela não ter obtido ampla repercussão na historiografia mato-grossense vale ser destacada e retomada, pois além do conjunto de documentos consultados, o autor apresenta dados importantes para serem debatidos, inclusive sobre o comércio ilícito. DAVIDSON, David Michel. Rivers & Empire. The Madeira route and the incorporation of the brazilian far west, 1737-1808. Tese de Doutoramento em História, Yale University, 1970.
6 Sobre a produção bibliográfica referente a Mato Grosso colonial nas últimas décadas ver JESUS, Nauk Maria de. A capitania de Mato Grosso. História, historiografia e fontes. Territórios e fronteiras. Revista do PPGH/UFMT. Vol. 5, n. 2, 2012, pp. 93-112. http://www.ppghis.com/territorios&fronteiras/index.php/v03n02/article/view/168/141
Organizadora
Nauk Maria de Jesus – Professora do Curso de Graduação e Pós-Graduação em História – UFGD.
Referências desta apresentação
JESUS, Nauk Maria de. Apresentação. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.17, n.29, p.7-10, jan./jun. 2015. Acessar publicação original [DR]
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