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Maternidade tardia: mulheres profissionais em busca de realização plena – HEWLETT (REF)

HEWLETT, Sylvia Ann. Maternidade tardia: mulheres profissionais em busca de realização plena. Tradução de Grace Khawali. Osasco, SP: Novo Século, 2008. 287 p. Resenha de: SPONCHIADO, Justina Inês. A árida arte de conciliar carreira e plenitude nos vários âmbitos do viver. Revista Estudos Feministas v.19 n.1 Florianópolis Jan./Apr. 2011.

Doutora em Economia, Sylvia Ann Hewlett foi professora nas universidades de Cambridge, Columbia e Princeton; e fundadora presidente da ONG Center for Work-Life Policy. Autora de seis livros, articulista do New York Times, foi também a primeira mulher a presidir, nos anos 1980, o Conselho de Políticas Econômicas nos EUA. Vive em Nova York. Sua ação social dirige-se, sobretudo, a empresários e empresárias, apostando na formação de opinião e na construção de políticas que apoiem a família, na perspectiva de criar condições para que as mulheres possam conciliar carreira e vida.

Relativizando sua aposta irrestrita na família de modelo tradicional, colheremos elementos relevantes para as reflexões sobre relações de gênero, considerando a condição de mulheres profissionais heterossexuais. Depois do prefácio em que declara sua alegria de viver um casamento feliz e sua infinita paixão por ser mãe, expõe sua intensa luta para conciliar carreira e maternidade e para ter filhos mais tarde; sentimentos envolvidos ao sofrer um aborto de gêmeos iniciado durante um dia exaustivo e estressante de trabalho; críticas de colegas por engravidar, desviando-se do foco da carreira e do trabalho, e por insistir em ter [ainda] mais filhos. Ela conta como enfrentou – e confrontou – tudo isso.

Lança mão de elementos de sua área para argumentar por políticas que considerem a maternidade como potencialmente enriquecedora das mulheres profissionais: em vez de perder grandes potencialidades, as empresas e corporações e a sociedade em geral podem ganhar ao encontrar maneiras que favoreçam a conciliação da carreira e da vida pessoal – entendida como maternidade e casamento, e interações em grupos e redes de amizade – de suas profissionais de carreira. Sem isso, afirma, elas têm duras escolhas a fazer: a carreira OU os filhos e as filhas – e, na maioria dos casos que investigou, uma relação afetiva duradoura. A bandeira que levanta não é nova; intrigantes são os dados que ela aponta. Com tradução em alguns momentos duvidosa, o livro tem mesmo assim algo relevante a dizer a feministas e estudiosas – e estudiosos – de gênero.

Publicado originalmente nos EUA sob o título Creating a Life, Maternidade tardia: mulheres profissionais em busca de realização plena aborda, a partir de pesquisa e em tom de denúncia, a descoberta tardia, por parte de grande número de mulheres que se dedicaram integralmente à construção e à consolidação da carreira – deixando a vida pessoal no automático –, da grande dificuldade e mesmo inviabilização do desejo de tornarem-se mães apesar das promessas da reprodução assistida. Não ter filhos não teria sido para essas mulheres uma escolha deliberada, e deparar-se com a impossibilidade ou grande luta para ter filhos mais adiante não é algo que lhes seja indiferente. Para a autora, casamento, maternidade e paternidade – embora vividos de maneira diferente pelas históricas construções de gênero – [ainda] são parte essencial de vida plena tanto para mulheres quanto para homens, por isso considera um engodo não esclarecer às jovens, que de modo geral expressam uma crença na possibilidade de ter filhos em algum momento de um futuro distante depois de consolidar a carreira, que no mais das vezes tal consolidação lhes toma os anos de maior probabilidade de gerarem filhos e muitas vezes também de constituírem uma vida amorosa com alguma estabilidade. Perguntamo-nos se, de fato, elas o teriam efetivamente desejado, e a tônica da autora, segundo indica, baseada nas respostas das mulheres por ela entrevistadas, é afirmativa – o que para ela explica a ampla aceitação de revistas e livros de autoajuda para a conquista de uma relação amorosa mais duradoura. Hewlett atribui tal experiência da “geração pósfeminismo”, segundo ela vivida praticamente por dez entre dez das mulheres de altos postos entrevistadas, como um duro efeito do feminismo da igualdade que ela combate: entende que, ao opor-se a medidas diferenciadas para mulheres no mercado de trabalho, apostando que ainda mais lhes aprisionariam no lugar de mães e responsáveis pelos filhos e pelas filhas, tal feminismo contribuiu para a continuidade da inexistência de políticas de apoio à família e às mães trabalhadoras nos EUA e no Reino Unido. Sem discordar da lógica capitalista, a autora critica a propaganda enganosa e o mercado sem regulação ética de métodos que prometem a possibilidade de se terem filhos biológicos a qualquer tempo da vida.

Na sua análise, defende a família e não considera outras configurações familiares que as historicamente tradicionais, nem situações em que o casamento se revela realmente aprisionador, sobretudo para mulheres e mães em condições pouco favoráveis. E é só num dos capítulos finais que analisa momentos, ao longo da história, em que a maternidade foi, ao mesmo tempo que uma condição a partir da qual se atribuiu humanidade às mulheres, também fonte indelével de sofrimento e morte. A autora aposta que a experiência da maternidade (e da paternidade) é humanizadora… Do meu ponto de vista, não parece que o seja necessariamente e sob quaisquer circunstâncias… Poderia também, em determinadas condições, contribuir para a desestruturação e a desumanização, e não o contrário, enquanto que a possibilidade de escolha em certas circunstâncias pode ser essencial e estruturante, sobretudo por oportunizar papel assertivo na definição de rumos para a própria vida. A afirmação da autora me parece delicada, pois pode induzir à conclusão simplista de que a não vivência da maternidade é algo desumano – um passo na direção da estigmatização e da [ainda] caça às bruxas, que ousam expressar outras possibilidades de ser [e estar] mulher que as postas por princípios que podem servir ao histórico movimento Tradição, Família e Propriedade.

Não pensaria que o livro tivesse algo a acrescentar ao debate de gênero se não estivesse a fazer um balanço da minha trajetória. Isso mobilizou o acompanhamento de um raciocínio noutra época intolerável. Mesmo não estando tão no topo da carreira como as entrevistadas pela autora, me reconheço nas suas vozes; e perscruto outras mulheres em avaliação semelhante: nem avançamos tanto na carreira como projetamos, e por isso não tivemos acesso a outras coisas que tal avanço supostamente oportunizaria, nem tivemos filhos e filhas e/ou constituímos uma relação afetiva mais alentada – valores historicamente postos com os quais somos incessantemente bombardeadas e temos que nos haver. E é comum ouvir garotas apostando que os avanços da ciência lhes garantirão gerar filhos e filhas em algum lugar do futuro, quanto tiverem de fato alcançado um patamar profissional desejado, talvez em parte idealizado. Possivelmente ter filhos não seja seu maior desejo e, por isso, se voltam para o que demanda maior investimento e assertividade no presente. Talvez tenham a certeza de poder reunir tudo isso adiante. O livro discute se essas são expectativas realistas e os sentimentos de muitas das mulheres que fizeram tal aposta; também argumenta a favor de políticas – sobretudo empresariais – que favoreçam a conciliação entre o que chama de vida pessoal e carreira.

É relevante que as experiências alcançadas sejam consideradas no seu contexto e em todos os seus aspectos. Temos um leque indiscutivelmente mais amplo de possibilidades em relação às gerações anteriores, muito devido a conquistas das que nos antecederam. E a socióloga brasileira Heleieth Saffioti ensina que há que se colocarem cunhas para ir consolidando conquistas históricas, sem deixar-nos escorregar para o que queremos ultrapassar.

Sylvia Ann Hewlett não toma como elemento de análise, nem como componente do caldo cultural em que têm desfecho as histórias trazidas, o que podemos chamar de individualismo exacerbado forjado num contexto social de capitalismo agressivo; competitivo ao extremo, produz sem tréguas novas demandas, determinando um jeito de (sobre)viver que torna difícil conciliar outros aspectos, quaisquer que sejam: constituir e manter grupo(s) de amigas e amigos; conhecer outras pessoas interessantes e interagir com elas; nutrir-se de expressões artísticas e culturais; alimentar a criatividade para além do trabalho imediato; participar de atividades de engajamento político; viajar – coisas que, se colocadas na balança em relação a ter filhos, talvez redimensionem a absoluta importância atribuída a esta experiência em detrimento das demais. Podemos avaliar que não é possível, individualmente, alcançar toda a experiência humana, o que talvez não tínhamos tão claro e palpável na juventude. E é preciso marcar que a autora está se referindo às mulheres mais altamente remuneradas dos EUA, bem distantes da realidade da imensa maioria; e que as coisas que citei acima, e ainda que as consideremos essenciais, não são acessíveis à maioria. Talvez a imaginada estabilidade e aquelas alegrias possíveis num contexto familiar sejam as mais amplamente “democráticas”, e os problemas surgidos daí sejam aqueles que a maioria das mulheres – e possivelmente também dos homens – com as quais de alguma forma interagimos também experimentam. Mesmo diante da dor que a autora perscruta nas falas, no tom e no gestual de mulheres altamente bem-sucedidas, solteiras ou divorciadas e sem filhos no alto de seus anos 40 ou 50 anos de idade, elas estão a mostrar que há outras trajetórias possíveis e faltas diferentes; e maneiras diversas de vivenciá-las. Vale sopesar que a análise de Sylvia Ann Hewlett é, provavelmente, informada por sua expressa descrença na possibilidade de uma vida plena sem filhos.

Hewlett mostra que homens podem e efetivamente tornam-se pais até bem mais tarde; que o avanço na carreira lhes amplia as oportunidades de encontrar uma mulher, ao contrário do que afirma vir ocorrendo entre as mulheres; que, enquanto elas buscam um homem pelo menos do mesmo nível, homens (estadunidenses) não buscam e nem lidam bem com uma companheira que tenha ascendido igual ou mais do que eles na carreira – o que para eles poderia significar competição –, e desejam mais complementaridade, apoio e guarida afetiva do que parceria. Nos seus achados de pesquisa, mulheres bem-sucedidas profissionalmente tiveram filhos na faixa dos 20 anos ou não tiveram e precisam lidar com os significados disso, de modo geral, sem muita solidariedade em seu meio – que tende a vê-las como egoístas, competitivas, “sozinhas”. Não discute a naturalização do cuidado com filhos e filhas como prioritária responsabilidade das mulheres; põe em evidência embates entre argumentos pró-filhos e filhos-free, e entende que ter filhos torna as pessoas mais afetuosas, esperançosas no futuro e mais propensas às preocupações com o coletivo.

Será que é realmente quase impossível organizar e significar o viver além das fronteiras do modelo amplamente conhecido? Pode-se, ao não ter filhos, liberar energias vitais, inteligência, criatividade e força de trabalho para dedicar às artes, à ciência, ao engajamento em projetos políticos transformadores das profundas desigualdades sociais, à coletividade? E, por que não, à aventura? Seriam mesmo os filhos e as filhas (biológicos) garantia de desejo e de possibilidade de luta por um mundo melhor?

Em relação às dificuldades com as quais se encontram muitas mulheres quando se consideram prontas para ter filhos, talvez possamos ressignificar tal drama pessoal trazendo à cena o fato de que há muitas crianças esperando para ter alguém a quem chamar de mãe ou de pai, se nos dispusermos a ultrapassar noções rígidas de famílias e consanguinidade. Que felizmente vivemos tempos em que há jurisprudência para adoção de crianças por pessoas solteiras – o que tende a ser mais favorável para mulheres – e jurisprudência também para adoção de crianças por famílias homoafetivas.

A autora afirma que há um grande desnível entre realidade e sonho para as mulheres pósfeministas estadunidenses de alta realização. Por certo não é só para um grupo de pessoas que fizeram determinado trajeto que isso ocorre! “Ouvir” o que têm a dizer sobre sua experiência e sobre como a significam, sentem e vivenciam pode ser realmente importante, especialmente por constituírem-se nas mulheres que provavelmente alcançaram os mais altos postos de poder e de remuneração da história conhecida. Poderíamos analisar o recorte feito pela autora por outro ângulo: o do fato de que tenham tido suas forças e vitalidade sugadas pelo mercado em que atuam.

Tomar decisões de vida com elementos históricos da experiência das que as antecederam pode ser realmente relevante para as gerações seguintes de mulheres, para que possam ouvir-se em sua singularidade e fazer desde cedo escolhas maduras, o que a autora defende. Porém, sem imparcialidade: nem tudo são flores na vida de mulheres casadas e mães, sobretudo trabalhadoras, e é no combate de todas as formas de opressão e limitação que as feministas têm se lançado. Refletir mais amplamente sobre o que isso significa pode oferecer elementos também para que se façam opções sobre como nos posicionarmos politicamente num mundo assim configurado.

Indico a leitura de Maternidade tardia por trazer à cena a voz de muitas mulheres, e também de alguns homens, a respeito de um tema sobre o qual vale ouvir diferentes posições e sopesar com arguto cuidado. Mas convido a fazê-lo ampliando as cartografias das configurações familiares e localizando o tema no tempo e no espaço.

Justina Inês Sponchiado – Universidade Federal de Santa Catarina.

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Itamar Freitas

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