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Materializando a História: o Passado Humano através da Cultura Material / Revista Mosaico / 2019

PARTE I – A HISTÓRIA DO PASSADO HUMANO ATRAVÉS DA MATERIALIDADE CULTURAL

A História se manifesta nas sociedades humanas, principalmente, na forma de documentos escritos, de representações imagéticas e como oralidades interpessoais ou coletivas. Como um produto da ação humana seus fatos marcam gerações posteriores, desde tempos imemoriais até o nosso contemporâneo. Nesta longa trajetória, nem sempre os suportes físicos de determinados eventos perduram, e a história se limita a traços do que foi, ou do que aconteceu. Portanto, nesse dossiê focamos no aspecto mais duradouro destes registros temporais e humanos: o material.

Para a história a materialidade é um testemunho que concretiza um fato, ou seja, a parte documental de um evento do passado que pode ficar guardado em um arquivo até ser recuperado no presente. Muitas vezes separada da história, a arqueologia por muito tempo foi vista como uma forma ilustrativa de investigação do ocorrido e que contribui à medida que propicia “novas” leituras sobre o que já se sabe, seja de uma forma confirmatória, complementar ou contraditória. Na visão tecnicista, a arqueologia também foi considerada ora como ciência auxiliar ora como provedora de um saber independente, mas que se apropria dos aspectos individuais, ou dos coletivos sociais na sua forma materializada de cultura. A arqueologia por sua vez, representa o acesso a um tempo remoto ou despercebido que não é possível por outro tipo de “documento”, tem acesso às materialidades totalmente desvinculadas das memórias vivas.

A arqueologia, possibilita, igualmente, o alcance a particularidades da alteridade humana independente do contexto temporal em que seu objeto de estudo está vinculado.

Concebemos a materialidade enquanto elemento de subjetividade humana que não se manifesta somente nas categorias resultantes das intervenções humanas, expressa por exemplo, naqueles objetos que estão inseridos em cadeias de gestos, compartilhando comportamentos técnicos advindos de tradições culturais (GENESTE, 1991; LEROI-GOURHAN, 1964). Numa perspectiva mais ampla, a materialidade também se constitui por componentes físicos não necessariamente modificados por comportamentos antrópicos, mas que estão ou estiveram em interação com os grupos sociais.

Se buscarmos uma correlação entre materialidade e cultura material, vemos que a primeira é mais ampla, compreendendo também o sentido dos elementos que não foram, pelo menos num primeiro momento, culturalmente determinados. A segunda é constituída por símbolos com potencial para agenciar o modo pelo qual grupos humanos, ao longo dos tempos organizam e avocam a própria vida social.

Os estudos de culturas materiais na arqueologia e história têm se modificado ao longo do tempo, acompanhando as mudanças de paradigmas de suas áreas. No Brasil, na década de 1980, Meneses (1983) em sua obra clássica “A cultura material no estudo das sociedades antigas” alertava sobre a importância da cultura material como fonte para a historiografia brasileira. Trazendo como exemplo os estudos clássicos de Grécia e Roma, onde demonstra primeiro a primazia da mentalidade sobre a materialidade e depois o uso meramente ilustrativo ou didático da segunda. O argumento principal da tomada de posição dos historiadores para com a cultura material era de que estas constituíam apenas uma parcela aleatória e redundante do fenômeno histórico. Porém, como destaca o autor, estes mesmos argumentos não são também suscetíveis aos documentos escritos, a principal fonte de informação dos historiadores?

Por outro lado, a cultura material era considerada mais um valor real do que representativo, e que ao contrário do texto foca-se no cotidiano social mundano, e não na excepcionalidade do seu registro.

Por cultura material poderíamos entender aquele segmento do meio físico que é socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém pressupor que o homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio físico, segundo propósitos e normas culturais. Essa ação, portanto, não é aleatória, casual, individual, mas se alinha conforme padrões, entre os quais se incluem os objetivos e projetos. Assim, o conceito pode tanto abranger artefatos, estruturas, modificações da paisagem, como coisas animadas (uma sebe, um animal doméstico), e, também, o próprio corpo, na medida em que ele é passível desse tipo de manipulação (deformações, mutilações, sinalizações) ou, ainda, os seus arranjos espaciais (um desfile militar, uma cerimônia litúrgica) (MENESES, 1983, p. 112).

Sobre essa questão, trazemos também as considerações de Rede (2012) que pondera adequadamente que a suposta superioridade da cultura material e a sua não intermediação ideológica deve ser considerada à luz dos contextos em que os objetos se encontram; ressaltando os seus limites, presentes igualmente em qualquer fonte histórica.

Outro autor que também discute o distanciamento entre o estudo da cultura material e a sociedade brasileira é Funari (1992 / 1993) que ao tratar o tema da educação apresenta a materialidade como fonte de aprendizado crítico sobre as realidades sociais. Entretanto, conforme destaque do autor, o “fazer” arqueológico também sempre esteve sujeito ao seu tempo e, no Brasil às suas políticas. Como legado a arqueologia brasileira de certos períodos favoreceu muito mais o status quo dominante, do que a consciência e autorreflexão, seja dentro ou fora das instituições oficiais.

O quadro de Pedro Américo representando D. Pedro e seu séquito no momento da chamada “Proclamação da Independência”, montados em cavalos e não em mulas, como era o caso (Zanettini 1991:5), consiste num falseamento que não deveria ser escondido do grande público, mas, ao contrário, explicitado com a comparação com evidências arqueológicas relacionadas tanto ao séquito imperial como à vida do povo comum à época. Pobres, nativos e escravos, a grande maioria excluída desse passado oficial, não deveriam ser deixados de lado… (FUNARI, 1992 / 1993, p. 23).

Azevedo Neto e Souza (2010) reforçam as particularidades da cultura material, destacando sua idoneidade e pluralidade, no sentido de tratar sobre diferentes contextos sociais, alcançando não somente práticas e comportamentos de grupos dominantes, como também possibilitando dar “vozes” às minorias étnicas e demais grupos subalternos, também protagonistas da história do Brasil. Como um dos primeiros estudos situacionais, nesta perspectiva, destacam-se as pesquisas sobre os Quilombos no Brasil, iniciados na década de 1980 com Magalhães e Funari (COSTA, 2010).

Portanto, ao ocupar-se do estudo das práticas cotidianas, a arqueologia, por meio das evidências materiais, desafia os artifícios utilizados pela classe dominante para mascarar as relações de poder, na medida em que oferece aos grupos subalternos e explorados o resgate de seu passado arqueológico para estabelecer uma história da resistência em oposição a uma história da dominação (AZEVEDO NETTO; SOUZA, 2010, p. 70).

Entretanto, Lefebvre (1991) percebe a diferença tênue entre o físico e o mental, seja na forma de uma impressão mental da realidade ou na sua apreensão pela experiencia sensorial. Considera a falsa dicotomia entre o material e o seu aspecto imaterial, construída a partir da lógica ocidental, para enaltecer a superação humana da natureza. Estamos de acordo com o referido autor e ampliamos essa questão, baseando-nos em Tilley (2008) que entende que as expressões tangíveis e intangíveis embora sejam diferentes, não são antagônicas e que, numa relação dialética, se fundem numa expressão cultural mais ampla.

Sem a pretensão de apresentar um contexto temporal denso sobre os caminhos percorridos pelos estudos de cultura material em arqueologia e história ao longo do tempo, selecionamos algumas abordagens consideradas pertinentes, buscando um diálogo entre elas.

A MATERIALIDADE NA HISTÓRIA

Como uma das primeiras experiências do protagonismo material na história, temos o Materialismo Histórico elaborado por Marx e Engels já no final do século XIX. Como metodologia de análise historiográfica que vê na trajetória humana uma relação de expropriação e apropriação da materialidade por diversos segmentos sociais. Nessa perspectiva, a cultura material também se apresenta como uma consequência do fazer humano inconsciente, e que segundo Marx e Engels “Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência” (MARX; ENGELS, 2001, p. 20).

Esta abordagem economicista com orientação materialista na história ficou adormecida até o advento da Escola de Annales na década de 1920. No entanto, nuances desse movimento extrapolam a França, onde na Alemanha, por exemplo, os estudos de cultura material, de alguma forma, se mantinham “vivos”:

Em 1919, em plena guerra civil, portanto, Lênin assina o decreto que institui a Academia de História da Cultura Material da URSS. Nesse acontecimento está inscrito o essencial dos fatos e das conotações que concernem à noção de cultura material: sua emergência tardia, sua evidente colusão com o materialismo histórico e a importância que lhe atribuem os marxistas, seu aparecimento num país socialista, suas relações privilegiadas com a história (PESEZ, 1990, p. 177).

Os Annales surgem como uma ruptura crítica e de renovação do fazer historiográfico positivista ou tradicional, que entre outras coisas, adiciona novas fontes ao fazer historiográfico, como a cultura material. Com uma abordagem interdisciplinar também busca em outras ciências, como a arqueologia, um fundamento de discussão, que mais tarde, nas últimas décadas do século XX, vai ser ampliada pela própria Nova História e Nova História Cultural ao criticar a oficialidade dos documentos e na importância dada à história “total”. No entanto, essa proposição à materialização tardou a ser efetivamente concretizada na história, resultante do forte enraizamento do pensamento ocidental, marcado pelo dualismo, material (técnica) e imaterial (ideias) (CRESWELL, 1989).

Para Bloch (2002), outro importante expoente dos Annales, a cultura material se explica por si, não precisa ser interpretada, é o fato histórico de forma nua e crua. A expressiva massa de informação não-escrita se coloca diante da observação histórica, como parte de um dado que não mais se repetirá. Porém, não totalmente inacessível, pois a pesquisa pode revelar formas de compreensão até então não conhecidas. E portanto, a cultura material como dado histórico é considerada sempre atual.

Como um elemento estrutural da história, a cultura material, se encaixa também no que Braudel (1965) chama de história das “longas durações” que junto com outros elementos “imóveis” como a própria natureza, acabam por formar verdadeiros modelos atemporais do comportamento humano. Quase em um apelo matemático, Braudel relaciona o imutável como a fisicalidade ou a estruturação da própria história, que transfere o social para o científico. Da mesma forma, a cultura material é tida como o “andar de baixo da casa”, onde no nível acima é construído o econômico.

Arqueologia e história ao trabalharem, ainda que não exclusivamente, com a história de “longa duração”, tem dentre seus objetivos, a busca da materialidade para medir o tempo não como um fim, mas como meio. Assim, a partir do pensamento ocidental, tradicional, tal medição significa o controle dos indivíduos sobre a natureza, que se concretiza na geração dos calendários que, a exemplo de regras e leis, acumulam e transferem poder; de outro, pode-se considerá-la a partir da perspectiva de agência material, considerando que as coisas, incluindo o tempo, também exercem agência sobre a natureza, assim como sobre o comportamento humano.

Esse interesse pela medição do tempo perpassa por diversos momentos da história humana, começando em tempos pretéritos com manifestações rupestres (CAMPOS, 2009) e, de forma mais detalhada Le Goff (1990) relaciona as clepsidras, ampulhetas, relógios de sol, e depois, sendo aperfeiçoados com relógios de torre, pêndulos, relógios de pulso, e cronômetros.

Outro protagonismo que a cultura material adquire para a historiografia foi com a Micro História, proposta na década de 1980. Objetivando o particular, este olhar vai utilizar diversas fontes, entre elas a cultura material, como acesso ao privado e cotidiano de segmentos não presentes na historiografia oficial. Como exemplo em sua obra Montaillou, Emmanuel Le Roy Lauderie faz o que chama “arqueologia” de uma pequena aldeia dos Pirineus, no começo do século XIV. Trabalhando questões como o corpo, infância, casamento, morte, trocas culturais, relações sociais, religião e magia através dos relatos materializados na forma de documentos da inquisição.

A Nova História Cultural, por sua vez, também vai fazer uso das fontes materiais, mas sem se prender a uma cronologia específica. Monumentos vão ser, num primeiro momento, os principais pilares desta materialidade que exerce uma grande influência sobre as memórias coletivas. Realizada desde o século XIX, a História Cultural passou por diversas fases, mas sua principal articulação foi com a antropologia. Não sendo, portanto, essencialmente um campo de prática exclusivo dos historiadores, a História Cultural, assim como a Arqueologia, atua num espaço multi e interdisciplinar.

Para Burke (2005), a cultura material sempre esteve presente na pesquisa historiográfica, entretanto sem um devido protagonismo. Trabalhos referenciais como o de Norbert Elias sobre a história do garfo (ELIAS, 1994) ou mesmo de Braudel sobre o movimento dos objetos (BRAUDEL, 1995), também possuem suas críticas. Evidentemente é, porém, após a década de 1990 que a História Cultural vai efetivamente se interessar com a materialidade enquanto fonte fidedigna da historiografia, incluindo, por exemplo, a história do próprio livro como objeto (CHARTIER, 1988). Entretanto a maioria destes estudos focalizou no uso da trilogia – alimentação, vestuário e habitação – tendo a materialidade como receptáculo desta informação.

A MATERIALIDADE NA ARQUEOLOGIA

Ao contrário da história, a cultura material para a arqueologia sempre foi a sua principal fonte de estudo, desde a sua formalização no final do século XIX. Porém, seus estudos nem sempre foram conduzidos da mesma forma, ou com os mesmos objetivos. Novamente sem o intuito de exaurir essa trajetória ou de compartimentar as abordagens, discutindo-as de forma estanque, focaremos no presente texto, em aspectos específicos no que tange a materialidade da arqueologia e os estudos em cultura material.

Gonçalves (2007) ao analisar a proximidade da antropologia e arqueologia no início do século 20, avalia o papel dos objetos etnográficos enquanto categorias etnocêntricas que também fundamentaram os paradigmas evolucionistas e difusionistas do século XIX, baseados nos grandes esquemas universais de evolução social. Os estudos de cultura material advindos desse contexto concebiam os objetos enquanto categorias passivas e indicadoras dos estágios de evolução do grupo a que pertenciam. Tais estudos, desenvolvidos no âmbito da consagrada escola “Histórico Culturalista”, possuía um caráter estritamente indutivo e ambiental determinista que reforçava a dualidade ocidental, calcada na divisão entre o cultural e o natural.

O contexto pós II Guerra Mundial contribuiu para a entrada em cena de um novo olhar arqueológico sobre a cultura material, contemporâneo aos estudos voltados ao sentido simbólico do consumismo (MILLER, 1987). Neste contexto os estudos de cultura material em arqueologia agora com um viés neo-evolucionista, procuravam na normatividade dos vestígios, não mais somente a sua ordenação, mas sua explicação. Nesta perspectiva, a cultura material era o registro estático representante de um sistema cultural dinâmico em processo de adaptação ao seu meio circundante. Com um fazer positivista, hipotético-dedutivo e nomotético, a escola “Processualista” também via a cultura material e a natureza em lados distintos, conectadas pelos diferentes subsistemas, onde o meio tinha uma influência decisiva sobre a cultura,

Uma reação a esta perspectiva se concretiza com a abordagem “Pós-Processualista” estimulada pelo movimento linguistic turn, que impactou diversas áreas do conhecimento. Os objetos, de uma condição estática, passaram a ser entendidos como categorias dinâmicas, que estão entrelaçadas (entanglement) a outros elementos inclusive não humanos; eles são resultantes de ações humanas individuais, conscientes e reflexivas. Trata-se de uma postura pós-modernista que atribuía uma teia de significados à cultura material, que deveria ser lida particularmente como um “texto”. Nessa perspectiva, a cultura material torna-se um elemento agenciado pelas subjetivações das relações sociais do passado e, também, no presente (HODDER, 2012).

Esse posicionamento frente à materialidade humana propiciou, segundo Rede (2012) um fecundo diálogo com outros autores, como Bordieu e Gidden, com a ‘Teoria da Prática’; também se aproximou da Nova História Cultural, propiciada, principalmente, pela perspectiva enfática nos discursos e nos fenômenos representacionais; importante ainda destacar a relação de proximidade da arqueologia com a história a partir dos estudos de patrimônio cultural (MENESES, 1984).

DISCUSSÕES ATUAIS SOBRE A MATERIALIDADE

Nos estudos de arqueologia na contemporaneidade o debate não se encerra no caráter intangível da cultura material, que fundamentou as densas discussões entre “cultura material” e “cultura imaterial”, todavia, têm se voltado a partir de novas ideias sobre as relações entre natureza e cultura.

Neste panorama há uma busca pela superação da influência resistente dos dualismos cartesianos, ampliada a outros tipos de oposições binárias para além do material / imaterial, como: natureza / cultura, sujeito / objeto, presente no modelo hilemórfico da lógica ocidental (GONZÁLES-RUIBAL, 2007). Segundo Andrade (2016, p. 25), tais oposições além de consequências reducionistas trazem também uma intenção ideológica. Nesse sentido, as abordagens têm-se deslocado, gradativamente, dos conceitos de cultura material para o de materialidade (INGOLD, 2007).

Nesta perspectiva, entende-se que os objetos culturais e as ações humanas em sentido amplo, assim como os elementos do mundo natural, embora considerados de naturezas distintas, estão imbricados. Os estudos nesta linha, baseados em Latour (2012) buscam “trata de recuperar lo natural em lo humano” (GONZÁLES-RUIBAL, 2007, p. 285). Nessa conexão, ainda que se considere a cultura e a natureza como campos distintos, são entendidos como equivalentes e, por isso, exigiriam dos / as especialistas atitudes simétricas. Nesse percurso, não somente as pessoas agem sobre os objetos, mas esses também atuam sobre os comportamentos dos indivíduos e da sociedade (TILLEY, 2004), numa relação denominada de “agência material”.

Sentir a pedra é sentir o seu toque nas minhas mãos. Existe uma relação reflexiva entre os dois. Eu e a pedra estamos em contato um com o outro através do meu corpo, mas esse processo não é exatamente o mesmo que tocar meu próprio corpo porque a pedra é externa ao meu corpo e não faz parte dele. Tocar na pedra é possível porque tanto o meu corpo como a pedra fazem parte do mesmo mundo. Existe nesse sentido uma relação de identidade e continuidade entre os dois. No entanto, há também assimetria e diferença a pedra não é senciente e, embora eu seja tocado pela pedra, ao tocá-la, não há a mesma relação de reversibilidade que no caso de minha mão esquerda tocar minha mão direita, uma ação que poderia ser revertido com a mão direita tocando minha mão esquerda. No entanto, podemos afirmar, como Gell (1998), que coisas, como pessoas, possuem agência porque nos afetam fisicamente, ajudam a estruturar nossa consciência (TILLEY, 2004, p. 17).

Trazemos ainda a abordagem desenvolvida a partir da década de 1980 que, dentre outras características representou um “retorno” à materialidade (virada material). Ela teve importante repercussão, principalmente na antropologia, arqueologia e história. Seguindo as perspectivas de Gell (1998), Tilley (2008), buscava-se retirar dos objetos seus valores sociais, para isso foram priorizadas as relações entre indivíduos / sociedades e objetos, assim como as trajetórias (contextos) pelo qual os objetos passaram ao longo de suas vidas. Esse campo referenciado como “biografia das coisas” tem como obra de referência “A vida social das coisas”, organizado por Arjun Appadurai (2008).

Neste panorama de busca das trajetórias dos objetos, mas seguindo outra perspectiva epistemológica, trazemos os estudos em arqueologia acerca das materialidades advindas de longa antiguidade, onde além de não contarmos com as memórias vivas, também não há possibilidade de correlação entre os objetos desses períodos e os atuais. Segundo Ramos (2016, p. 57) trata-se de materialidades cujos produtores “só nos legaram uma parte de sua humanidade: aquela que é produtora de subjetividade não necessariamente verbal, a saber, a materialidade plasmada no registro arqueológico”. Considerando os estágios diferenciados de preservação da materialidade humana ao longo do tempo, consideram-se aqui os artefatos de natureza mineral (os objetos líticos).

Segue em perspectiva os estudos em “antropologia das técnicas” que desvia do estudo dos objetos enquanto substâncias inertes no tempo e no espaço, mas considerando-os como campos epistêmicos de poder heurístico capaz de apreender sutilezas da alteridade humana em tempos pretéritos. Assim como pressupõe o caráter ativo da cultura material, considerando que os fenômenos técnicos não são considerados como reflexo da cultura, mas como elementos participantes dela (FOGAÇA; BOËDA, 2006). Nessa abordagem, ancorada nos estudos de memórias (BERGSON, 2008) e de evolução tecnológica (SIMONDON, 1989; STIEGLER, 1998; BOËDA, 2013) o passado e seus objetos são considerados a partir de três níveis de memórias: viva, parcelar e esquecida. Nos dois primeiros há uma co-relação tecnológica e funcional plausível entre os objetos do passado (por exemplo, as pontas de projétil obtidas de contexto arqueológico) e aqueles advindos de grupos tradicionais dos quais dispomos de informações históricas ou antropológicas e mesmo de objetos modernos, como flechas produzidas a partir de pontas metálicas.

Todavia, há objetos onde esta conexão não é possível, neles as informações técnicas, de função e de funcionamento estão alojadas no nível da memória esquecida.

O fato de decretar o objeto morto faz com que não nos interroguemos de nenhuma forma sobre o modo de analisá-lo. Apenas alguns objetos que se dão a « ver » como as pontas de flecha ou os bifaces vão receber uma atenção particular, diferentemente da análise tipológica que leva em consideração o conjunto dos objetos. Essa situação de exclusão às expensas de uma única categoria de peças características e conhecidas em nosso mundo mostra que a análise técnica exaustiva de todo objeto não existe. Isso conduz, evidentemente, a situações paradoxais nas quais aquilo que não é reconhecido não é considerado. A exclusão pode, ainda, ir mais longe chegando à negação do caráter antrópico. […] Nosso trabalho consiste em compreender os mecanismos intrínsecos a essas mudanças os quais nos permitem entender os objetos tal como eles nos aparecem e, além disso, entender de onde eles são provenientes e qual é seu potencial de evolução. Trata-se de uma percepção do objeto através de seu potencial evolutivo (BOËDA, 2013, p. 233, 234).

Ascender às parcelas dessa memória esquecida implica num posicionamento epistemológico distinto do modelo hilemorfico e da concepção instrumental dos objetos e segue para além da perspectiva producional (tecnologia cultural, cadeia operatória LEROI-GOURHAN, 1964, TIXIER et al., 1980). Nessa perspectiva consideram-se que as tecnicidades estão constituídas no comportamento humano e, por isso, possuem uma história de movimento que acompanha a trajetória da humanidade, numa perspectiva de co-evolução (STIEGLER, 1998; BOËDA 2013), acessíveis a partir das intenções funcionais próprias de cada sistema tecnológico de produção e de funcionamento dos objetos técnicos (instrumentação e instrumentalização, RABARDEL, 1995; BOËDA, 2013).

Para finalizar, sem esgotar a questão, outra perspectiva instaurada na contemporaneidade investiga as relações da cultura (material) e da natureza baseada no conceito de “coisa” (INGOLD, 2012, p. 27); considerada não exatamente como uma fusão de elementos, mas resultado de “combinações variadas”, as quais são consideradas ativas e criativas na medida em que geram novos materiais (organismos) que serão misturados à outros, “num processo infinito de transformações”. Assim, de acordo com o referido autor, há uma preocupação em entender os elementos sem separá-los de seus ambientes, nesse sentido, organismos da natureza e da cultura estão fluídos, entrelaçados entre si e considerados partes do meio, se movimentam como entidades abertas e impulsionados pelos “fluxos de substâncias que lhe dão vida”.

[…] eu mostrarei que os caminhos ou trajetórias através dos quais a prática improvisativa se desenrola não são conexões, nem descrevem relações entre uma coisa e outra. Eles são linhas ao longo das quais as coisas são continuamente formadas. Portanto, quando eu falo de um emaranhado de coisas, é num sentido preciso e literal: não uma rede de conexões, mas uma malha de linhas entrelaçadas de crescimento e movimento (INGOLD, 2012, p. 27).

PARTE II – CULTURA E HISTÓRIA: O PASSADO HUMANO ATRAVÉS DA SUA MATERIALIDADE

O dossiê Materializando a História: o passado humano através da cultura material aborda diversos estudos arqueológicos como artefatos do tempo. Nesta perspectiva, o presente dossiê visa fomentar discussões acerca da materialidade presente em diferentes sociedades e períodos temporais. O dossiê está dividido em três principais temáticas, a primeira trata da representação imagética da cultura material, versando sobre a relação entre a materialidade e colonialidade; a segunda versa sobre a cultura material histórica de natureza edificada enquanto lugares de memória e como paisagem, assim como bem patrimonial que requer ações preservacionistas; por fim, a terceira temática está relacionada as materialidades presentes em tempos pretéritos, onde não há registro de memória viva ou de qualquer fonte documental de período histórico, cujos sentidos são acessíveis pelas tecnicidades presentes nas intenções humanas.

Os artigos da primeira temática tratam da representação imagética da cultura material, versando sobre a relação entre a materialidade e colonialidade. Assim, o artigo Recipientes atribuídos aos africanos e a seus descendentes nas obras de Debret como reveladores de colonialidades e agenciamentos de autoria de Clarissa Ulhoa, analisa os recipientes retratados em 50 obras do pintor francês, Jean Baptiste Debret, realizadas nos anos oitocentistas. Os objetos da análise foram discutidos no texto por meio do conceito de colonialidade, definido por Aníbal Quijano (2010) e de agência, por Lorand Matory (1999). A autora, ciente da influência dos discursos eurocêntricos na obra do artista, fundamentados nas lógicas ocidentais expressadas pela perspectiva cartesiana, “branca e cristã”, e ao mesmo, conhecedora do potencial da cultura material africana, Ulhoa utiliza-se dos aportes teóricos de agência para tratar da resistência dos africanos e seus descendentes manifestada nas materialidades retratadas nas telas de Debret. A materialidade analisada pela autora vem das representações dos recipientes, das vestimentas e dos próprios corpos dos negros escravizados. A autora percebe uma dicotomia na representação dos objetos, de um lado os retrata como demarcadores das colonialidades “do poder” e “do saber”, exibindo o aspecto deplorável do sistema escravista colonial e, de outro, evidencia os recipientes como materialidades ativas, marcadoras de identidade cultural, de oposição ao pensamento colonial em expansão. O artigo, por fim, tem a originalidade de se utilizar de representações oitocentistas para (re) ativar no leitor o pensamento crítico sobre a “faceta colonial da expansão capitalista e de seu projeto cultura” que se mantem ao longos dos anos (ASSIS, 2014, p. 613) e, dentre outros aspectos, atua na exclusão das heranças históricas e culturais dos povos africanos e supressão do projeto de humanidades dessas etnias. O artigo também expõe, a partir das representações, as estratégias e negociações cotidianas que permitiram a “existência física e simbólica” dos africanos e seus descendentes até os dias atuais.

O gênero como categoria de análise para pensar a continuidade das relações coloniais de poder foi o tema do artigo A garota carioca: colonialidade de gênero em imagens, redigido por Isabela Marques Fuchs. A autora baseia-se no conceito de colonialidade de gênero, proposto por Maria Lugones (2014) para refletir sobre o feminismo decolonial. Tem como objeto de estudo a representação imagética da garota carioca em um cartão-postal, considerado como materialidade histórica e cultural onde circula “um sistema de ideias e imagens de representação coletiva”. Os estudos decoloniais de gênero rechaçam a imposição binária da colonialidade (humanos / não-humanos ou mulher / homem) imposta ao longo dos anos e criada para treinar e domesticar o(a) colonizado(a), se fundamentando na premissa de dominação onde, segundo a autora, “o homem domina o corpo da mulher, colocando-a em eterno estado de sujeição e obediência”. Tais estudos também se fundamentam nas articulações das categorias corpo, sexo, gênero e raça que, para além da evidência biológica, propõem a ampliação e fluidez das posições de gênero onde as “concepções múltiplas ou duais, são reconhecidas e funcionam de modo assimétrico, mas não são hierárquicas e “nem sempre se reduzem a dois pares” (GOMES, 2018). Para firmar a continuidade das relações coloniais na contemporaneidade, a autora transita entre representações imagéticas do presente (cartão postal) e do passado (obra do século XVI, de Jan van der Straet, sobre o encontro de Vespúcio com uma indígena sem roupa). O texto discute sobre a representação do corpo da indígena como de outros corpos femininos presentes em diferentes suportes físicos e disponíveis em tecnológicas diversas, como uma manifestação do poder masculino. A autora, baseando-se em Mignollo (2017, p. 4) entende que o estereótipo da garota carioca, assim como das mulheres latino americanas, está relacionado com a própria América Latina que de forma perniciosa foi “inventada, mapeada, apropriada e explorada”.

A segunda temática versa sobre a cultura material histórica de natureza edificada enquanto lugares de memória e como paisagem, assim como bem patrimonial que requer ações preservacionistas. Entendendo a cultura material na sua ampla diversidade de suporte e, considerando igualmente o seu intrínseco aspecto intangível, apresentamos o artigo de Glenda C. Bittencourt Fernandes, denominado Cultura material e arqueologia no contemporâneo: o caso da Capela Pombo em Belém / Pará / Amazônia. O texto apresenta as histórias e materialidades da Capela Pombo, datada do século XVIII e considerada como o primeiro espaço religioso de caráter privado da cidade de Belém. A Capela de propriedade da família Pombo e, atualmente da Universidade Federal do Pará, representa um “lugar de memória” (NORA, 1993) da cidade de Belém, acionada constantemente por memórias individuais e coletivas que de forma ativa e dinâmica se interconectam. E, como tal, a Capela pode ser considerada como um fenômeno que envolve tanto a ordenação de vestígios materiais, como possibilita (re)leituras, a partir da socialização dos envolvidos. A autora (participante indireta da história da Capela) ao confidenciar sua relação pessoal e familiar com o objeto, aciona sua memória (individual) para transitar entre o passado, presente e o futuro da Capela Pombo. Ao mesmo tempo, num processo dialético, o texto busca a memória coletiva, plural para ressignificar sua percepção contemporânea sobre a edificação. Assim, Capela Pombo tem sua história redigida em documentos, mas a partir da sua materialidade outras histórias têm sido construídas ao longo de sua existência, assim como a própria materialidade tem sido transformada. Baseando-se em Costa (2010, p. 12) a autora percebe que “[…] mesmo estando com suas portas fechadas e parecendo invisibilizada ela tem o poder de “suporte de Informação” que estabelece com o sujeito uma “relação sensorial”.

Ainda nessa segunda temática, o artigo intitulado As transformações na paisagem: o mercado municipal da Cidade de Goiás, redigido por Marcelo Iury, Cristiane Loriza Dantas e Fernanda F. Cruvinel de Oliveira, apresenta a dinâmica da paisagem urbana da Cidade de Goiás, com foco no Mercado Municipal, edifício histórico, localizado às margens do Rio Vermelho e tombado em 1987. Segundo os autores, ao longo dos séculos XIX e XX o Mercado e suas adjacências sofreram várias transformações em sua estrutura física advindas de processos naturais, como enchentes do rio Vermelho, intensificadas por ações antrópicas, assim como modificações intencionais referentes à ampliação e / ou reestruturação do edifício. O artigo fundamentado no conceito de paisagem (Boado, 1991) e de lugar de memória (NORA, 1993), considera o mercado e suas adjacências como lugares de referências culturais da sociedade vilaboense do passado e da atualidade. A pesquisa embora tenha sido metodologicamente amparada por diversas fontes documentais, tem na materialidade compreendida pelo contexto do Mercado a base de identificação das transformações da paisagem daquele local.

Já os autores Mary Anne V. Silva e Ruber Paulo A. Rodrigues com o artigo Arte tumular e patrimônio: o cemitério Santana como expressão de cultura material na cidade de Goiânia, discorrem sobre a materialidade do cemitério Santana, localizado em Goiânia, Goiás, inaugurado em 1940 e patrimonializado no ano de 2000. O texto se orienta na perspectiva da cultura material e patrimônio, assim como está amparado nas discussões contemporâneas sobre espaços cemiteriais. A materialidade do cemitério Santana é considerada pelos autores como categoria de amplo potencial investigativo que atua para além da sua fisicalidade; a entende como categoria ativa e conectada a diversos segmentos, nela estão presentes momentos históricos culturais e religiosos específicos da sociedade goiana e nacional, assim como a sua materialidade em sentido amplo é também responsável por agenciar os sujeitos sociais. O texto além de expor a importância do acervo arquitetônico do cemitério, expresso principalmente pela art déco, também traz à discussão as problemáticas relacionadas às limitações das ações preservacionistas e de conservação dessa edificação histórica e cultural.

O artigo A casa do grito: o poder do museu casa e da mediação cultural no processo de elaboração da memória, de autoria de Luciano Araujo Monteiro, também trata de uma edificação histórica, patrimonializada na década de 1970 e situada no Parque da Independência, em São Paulo. A Casa do Grito foi investigada, dentre outros aportes, a partir de sua materialidade o que possibilitou tratá-la, para além de sua relevância histórica, sendo também considerada como um “lugar de memória”, de cultura, de arte e que conserva uma técnica construtiva tradicional. A Casa do Grito foi implementada como espaço museológico e, segundo o autor, os trabalhos de restaurações e escavações arqueológicas permitiram identificar o uso doméstico e, ao mesmo tempo público dessa edificação em seus tempos históricos; é considerada na atualidade como um símbolo nacional, constituído por memórias sociais de caráter coletivo, as quais têm ao longo dos tempos emitido diversas significações ao local.

Para finalizar essa temática, temos o artigo Conjunto arquitetônico do Carmo do Recife: estudo da documentação do arquivo central do IPHAN, redigido por Ricardo de Aguiar Pacheco que apresenta uma reflexão crítica sobre o papel das políticas públicas e seus atrelamentos a segmentos de outra natureza, como o valor histórico e cultural presentes nas materialidades históricas tombadas pelo IPHAN. O conjunto arquitetônico é composto pela Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo do Recife, localizados no centro histórico da capital pernambucana e tombado pelo IPHAN como bem cultural em 1938. O autor ao investigar a documentação arquivada sobre tais edificações constatou que o reconhecimento patrimonial daqueles bens foi justificado a partir dos significados culturais atribuídos a essas edificações. O artigo está embasado em reflexões atualizadas sobre as políticas públicas, assim como, na relevância das memórias sociais (coletivas), construídas ao longo do tempo para legitimar o processo de reconhecimento ou tombamento dos objetos culturais como bens patrimoniais.

Por fim, fechamos o dossiê com artigo referente à terceira temática, intitulado Diagnose tecno-funcional de amostragem lítica datada do início do Holoceno médio no Sítio arqueológico GO-JA-01: características da estrutura de lascamento em presença, redigido por Marcos Paulo M. Ramos e Sibeli A. Viana. O artigo trata de um tema emblemático para a ocupação humana sulamericana em tempos pretéritos, a saber, os registros arqueológicos de período referente ao Holoceno médio (entre cerca de 8.000 anos a 4.000 anos antes do presente). Este horizonte ocupacional está encapsulado entre ocupações mais remotas (Holoceno antigo), detentoras de esquemas producionais de ferramentas líticas bem conhecidos na literatura e ocupação mais recente (Holoceno recente) de grupos ceramistas, igualmente bem investigados pela literatura. A materialidade dos objetos do período intermediário (Holoceno médio) foi tomada pelas pesquisas anteriores à década de 2000 como “simplista”, segundo os autores do artigo isso foi decorrente principalmente da ‘ausência’ de instrumentos morfologicamente bem definidos. A partir da materialidade lítica do sítio arqueológico GO-JA-01, localizado da região sudoeste do Brasil, os autores com base em estudos em ‘antropologia das técnicas’ (BOËDA, 2013), buscaram apreender sutilezas da alteridade humana em tempos pretéritos presentes nos esquemas técnicos de produção de ferramentas daquele sítio. O artigo também apresenta com acuidade as bases teóricas e metodológicas utilizadas, o que colabora com o fortalecimento das pesquisas, tendo em vista serem reduzidas as publicações em língua portuguesa sobre a abordagem empregada.

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Sibeli A. Viana – Professora efetiva do Programa de Pós-Graduação em História e de Graduação em Arqueologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Líder do Grupo de Pesquisa em Patrimônio Cultural. Coord. do Núcleo de Arqueologia da PUC Goiás / IGPA. Vice-presidente da Comissão Povoamento Americano / UISPP E-mail: sibeli@pucgoias.edu.br


VIANA, Sibeli A.; COSTA, Diogo Menezes. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.12, n.1, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Itamar Freitas

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