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Maria Graham: Uma inglesa na independência do Brasil | Denise Porto

Fazer uma resenha é um ato de amor. De crença, de prazer.

É ler um trabalho ou um livro e jogar seus sonhos para um monte de sentimentos, de imagens, boas e ruins.

É imaginar-se em um outro local.

E essa crença me acompanha no trabalho de Denise G. Porto quando nele descreve a inglesa que aqui viveu na cidade colonial, observando e sentindo as ruas com o cotidiano da cidade, conhecendo ricos e pobres, vivendo na floresta ou vivendo no palácio da Quinta da Boa Vista. Um prazer também quando tomamos conhecimento quanto aos documentos oficiais sobre a Guerra da independência no Nordeste, principalmente na Bahia e Maranhão.

Este trabalho revela uma pesquisa primorosa de documentos inéditos sobre as atividades da conhecida escritora e estrangeira MARIA GRAHAM na “construção de uma narrativa historiográfica sobre o Brasil Oitocentista – 1821-1825”.

E nos dá oportunidade, também, de conhecer essa figura de pesquisadora ímpar, a Denise Maria Couto Gomes Porto, mestre e doutoranda do Programa de Pós-graduação em História do Brasil, sob a orientação de Mary Del Priore, na Universidade Salgado de Oliveira. Extremamente dedicada, envolvida a fundo naquilo que faz e de uma extrema seriedade. E não será fácil mostrar ao leitor, que se debruça sobre este trabalho, a importância da obra e os aspectos mais interessantes. Tentaremos fazer aqui uma síntese do que Denise nos revelou.

Apresentado como dissertação de mestrado do Programa de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira a professora trouxe uma contribuição importantíssima aos estudos sobre o Rio de Janeiro, a voz da mulher e o Brasil Oitocentista, escravidão, as crises políticas e a vida palaciana no Brasil recém-independente. O mestrado em História da UNIVERSO tem tido a oportunidade de revelar diversos estudos das formas de viver (escrava e livre) além de preocupar-se, também com a história regional. Mas os mestrandos da USO, liderados pela figura magnífica da doutora Mary Del Priore, levantam acervos existentes em seus municípios, criam diálogos e constroem reflexões sobre mulheres na escrita de si, e na subjetividade de suas vidas. O trabalho de Denise constituiu-se em um profundo resgate histórico de documentação específica, usando as fontes primarias e estudos sobre Graham (intelectual do século XIX) e sua vida no Brasil de 1821 a 1825.

O importante testemunho das desigualdades sociais como motivo do atraso econômico e cultural do Brasil ali estão estudados e refletidos. Fala da época em relação a costumes, psicologia da vida política no Brasil, e à vida na corte.

Graham nos mostra a mentalidade iluminista e liberal da vanguarda intelectual feminina Oitocentista europeia. As narrativas da escritora refletem as influências ideológicas que a inspiraram. Mas o que mais nos fascina nessa dissertação – tese é a percepção do que é a escrita de si de um diário e principalmente de uma mulher.

Muitas vezes nos apaixonamos lendo as descrições da alma feminina por Denise, através da percepção de um Michel Foucault, de Mary Del Priore e Natal Wachtel. Ela conseguiu compor um texto redacional muito interessante.

O estudo alarga fronteiras, acrescenta novas informações e desnuda questões específicas relativas a Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro em suas crises nos primeiros anos dos Oitocentos.

A autora divide seu trabalho em três partes bem distintas: na primeira parte, interpreta a crise nas províncias de Pernambuco, Bahia e no próprio Rio; na segunda faz a conexão entre a voz subjetiva do seu universo privado e do olhar político sobre a vida pública. É uma parte EXCELENTE. Na terceira parte, também magnífica!!!! interpreta os diálogos diplomáticos e intrigas palacianas, as tensões e rupturas na sua vida.

Denise interpreta e escreve sobre os arranjos políticos e sobre a Confederação do Equador. E aí está uma nova análise.

Usando também Evaldo Cabral de Mello Denise percebeu o pensamento de Cochrane sobre a contestação pernambucana com os quais Graham concordava e declarava: “nada me será mais agradável do que assumir o papel de mediador para impedir as perseguições, a efusão de sangue e a destruição” (MELLO, R.IHGB, 221, p. 17).

Mas quem era Maria Graham?

A sua obra Little Arthur’s History of England (London, John Murray, 1835) foi o maior sucesso da autora, alcançando mais de 70 edições, com edição atualizada em 1937, com mais de 800 mil cópias.

Publicado em diversas línguas teve somente uma edição em português, graças à tradução e publicação do punho do acadêmico piauiense Bugyja Britto, em 1941/1943, com o título História da Inglaterra do pequeno Rei Arthur (BRITTO, 1989). Ela havia feito essa História da Inglaterra pensando em como ensinar a D. Maria da Glória, a futura aluna, filha de D. Pedro I, a história do seu país.

Graham nascera de um pai erudito inglês, estudou literatura, arte, desenho, filosofia e história natural, adepta das ideias do liberalismo político tipicamente britânico.

Denise mostra que, quando a escritora chegou ao Brasil, em 1821, a bordo da fragata inglesa Doris, já era conhecida na Inglaterra por ter publicado com sucesso três diários de viagem e um livro de memórias2.

Foi o tempo em que a observação “do mundo natural, o registro das cenas cotidianas e as experiências testemunhadas in situ seduziram gerações de escritoras e viajantes homens e mulheres”.

O corpus documental se compõe dos textos de Graham e os livros de outros autores que a conheceram e com ela conviveram.

Utiliza Lacombe em seu Correspondência de Maria Graham e a Imperatriz Dona Leopoldina, (B. Horizonte, 1997), e de autoria de Maria Graham, O Diário de uma viagem ao Brasil, (B. Horizonte, 1990) e algo do Diário de mi residência em Chile (Madri, 1964).

Seria difícil tentar valorizar o que Denise escreveu sobre Graham. Mas a sua segunda parte é apaixonante.

Denise recompõe o Diário pela análise da sua escrita. Denise sente em Graham a mulher, a política, a escritora. Denise percebe a mulher intelectual do Oitocentos e cito o belíssimo trecho:

Ninguém diga que está muito infeliz para receber qualquer consolo. Eu por exemplo, estou sozinha, viúva, em terra estranha, minha saúde está fraca e meus nervos irritados, não tenho riqueza nem posição, sou forçada a receber favores dolorosos e chocantes com os meus hábitos e preconceitos antigos e topo muitas vezes com a impertinência dos que pretendem aproveitar-se de minha situação solitária… (Diário de uma viagem ao Brasil, p. 363, citado por Denise à p. 103).

Ao citar as transformações urbanas do Rio, Denise usa com carinho Cotidiano, Permanências e Rupturas no Rio de Janeiro, de Mary Del Priore.

Em seu livro Denise mostra a extrema crueldade da vida de Graham no Rio, mas seus infortúnios são diminuídos pela sua fala: “Agradeço a Deus que me deu um temperamento que sente estranhamente os agravos, mas, ao mesmo tempo, dotou-me com igual capacidade para a alegria” (p. 103).

Outra característica do texto de Denise é saber utilizar a fala de Graham cotejando-a com os estudos de Rodolfo Garcia, Marc Ferrez, Gustavo Barroso, dentre outros.

Além da construção de um belíssimo texto Denise mostra que Graham nos brinda com figuras. São aquarelas, desenhos, esboços, que enriquecem a narrativa.

Denise usa, esquadrinha, reflete, recompõe várias obras, além do Diário de uma viagem ao Brasil, o Escorço biográfico de Dom Pedro I com uma notícia do Brasil e do Rio de Janeiro, encontrados nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio (1938).

Estamos a Universidade Salgado de Oliveira, através do seu Programa de Mestrado, e todos os professores de História que trabalham com essa época e, também, com a escravidão, presenteados pela significativa contribuição que esta dissertação vem nos fornecer.

Nota

2 Ao longo de sua vida publicou o total de dezessete obras, entre livros de viagem, História, arte, botânica e infantil. O Journal of a Voyage to Brasil and Residence there during part of the years 1821, 1822, 1823, publicado em London, por John Murray, 1824 é um dos livros de viagem e memórias descrevendo os países que esteve com o marido almirante Thomas Graham, como o livro sobre o Chile, “Journal of a Residence in Chile during the year 1822, editado em 1824 e 1825, Voyage of H.M.SBlonde to the Sandwichn Islands e ainda, Espanha, França, Índia. Esse livro sobre a viagem ao Brasil só foi traduzido em 1990 pela Editora Itatiaia.


Resenhista

Miridan Britto Falci – Professora doutora da UFRJ. Pós-doutora pela /EHESC. Paris. Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro (IHGRJ).


Referências desta Resenha

PORTO, Denise. Maria Graham: Uma inglesa na independência do Brasil. Rio de Janeiro: CRV, 2020. Resenha de: FALCI, Miridan Britto. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano 28, n.28, p. 257-260, 2021. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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