A pandemia decorrente da covid-19, doença causada por vírus, impactou nossas rotinas, que precisaram ser redimensionadas para viver o momento complexo e desafiador. Tivemos que ficar em isolamento social, o que nos desafiou a trabalhar em home office e, além disso, adaptar-nos ou mesmo conhecer os artefatos tecnológicos propostos pela internet. A comunicação científica ganhou protagonismo em um momento em que foi preciso informar a todos como se mover dentro desse novo mundo.
Nesse quadro brevemente descrito, a divulgação científica feita por cientistas e divulgadores é a ação que maior realce oferece à comunicação de ciência. Ela passa a ocupar mais espaços nas plataformas digitais por meio das redes sociais, em especial Instagram, Facebook, YouTube e Twitter e, ainda, os podcasts , que ganharam mais produtores e ouvintes. De acordo com Lemos (2021) , um dos mais relevantes fenômenos atuais é a plataformização, que apresenta uma miríade de artefatos e age a partir de viabilidades. Além da internet, a divulgação de ciência esteve presente na mídia massiva, como é o caso de TV, rádio e jornais.
É nesse contexto que o olhar perscrutador de Catarina Chagas e Luisa Massarani nos apresenta a obra que colocamos em tela. Trata-se de um manual que aborda desde a história da divulgação científica no Brasil até os procedimentos de como produzi-la na contemporaneidade, em meio à cultura do digital em rede. As autoras esclarecem que essa obra é resultado de trabalho iniciado em 2018 por meio da oferta de um curso sobre divulgação científica on-line com duas apresentações: em um primeiro momento apenas para os pós-graduandos da Fiocruz e, em um segundo momento, em versão simplificada aberta a todo público interessado.
Observo que a obra foi pensada dentro de uma dinâmica de teoria e prática, já que, com o curso, as autoras conseguiram mapear formas de sensibilizar os interessados para pensar a divulgação científica e fazê-la acontecer. Porto, Oliveira e Rosa (2018) defendem que a divulgação científica é uma forma de democratizar o conhecimento, por utilizar uma linguagem mais acessível à sociedade do que a do estudo científico. Por conseguinte, as autoras oferecem, no decorrer do livro, dispositivos funcionais para ações mais seguras de divulgação científica. A obra está dividida em quatro capítulos estruturados de forma sequencial, nos quais temos contato direto com reflexões e práticas de divulgação de ciência.
Em “Reflexões sobre a divulgação científica”, somos convidados a acompanhar um itinerário da divulgação científica na contemporaneidade, que destaca sua importância não apenas como um modo de nos informarmos sobre questões científicas, mas igualmente como uma forma de retroalimentação da ciência, para que ela se mantenha presente no Brasil. Chagas e Massarani enfatizam a importância da responsabilidade social dos cientistas em assegurar a interlocução com a sociedade. O que me chama atenção nessa parte do livro é a apresentação de um percurso histórico breve e múltiplo, com dados relevantes sobre a temática e menções aos principais nomes que ajudaram a construir essas ações nos âmbitos internacional e nacional, mas sobretudo no Brasil.
Outro ganho para o leitor é a parte que se direciona a aspectos práticos, pois a obra é construída em torno de ações de como fazer divulgação científica. Esclarece como trabalhar a divulgação científica visando aos diversos públicos e às suas singularidades, distinguindo a linguagem científica da linguagem jornalística. Como exemplo, as autoras enfatizam a necessidade de conhecer o público, e não apenas o idealizar. Reconhecer como direcionar o tema da ciência para cada público específico é de grande importância, e o livro demarca bem esse aspecto. Também indica a relevância da mídia como potencializadora da disseminação de notícias sobre ciência. Toda a exposição dessa parte é marcada pelo uso de linguagem didática e clara.
Em relação aos “Projetos de divulgação científica”, contamos com elementos bem diretivos para elaboração de textos e para a utilização dos artefatos tecnológicos disponíveis nas mais diversas plataformas digitais. Uma vez mais as autoras reforçam a importância de se escrever a divulgação científica de acordo com o público a ser atingido e o suporte utilizado. Novamente, a obra nos apresenta componentes essenciais dentro da diversidade das ações de divulgação científica, de seus espaços e de suas possibilidades. Dessa forma, a execução de um projeto de divulgação científica converte-se em um processo mais seguro e voltado para seu real propósito, que é transmitir o conhecimento científico com um discurso mais objetivo e dirigido a público previamente selecionado.
Em “Tópicos para a elaboração de projetos”, são elencados os elementos indispensáveis para a elaboração de um projeto de divulgação científica. A partir do uso de um tema, as autoras apresentam informações que esclarecem como abordar os mais diversos públicos, disponibilizando cinco passos a serem seguidos, além de pontuar claramente cada processo e tópico que a abordagem pretendida envolve.
As autoras apresentam um modo de fazer divulgação científica com mais propriedade e exatidão, com objetividade direcionada ao público escolhido. Esse tipo de divulgação não apenas informa, mas conduz a reflexões e, possivelmente, ao tão desejado engajamento do público com as questões científicas.
Vivemos em um século no qual os benefícios promovidos pela ciência impregnam nosso cotidiano, o que, todavia, nem todos sabem ou conhecem devidamente e traz sérias consequências para a população menos informada sobre descobertas e conquistas científicas. O livro aqui comentado nos permite observar como é importante não apenas informar sobre a ciência, mas também estimular a sociedade a engajar-se com o fazer científico.
Manual de sobrevivência para divulgar ciência e saúde se caracteriza como um guia imprescindível para o iniciante que deseja se aprofundar no assunto, para quem trabalha com o tema e, ainda, para cientistas e jornalistas. Ou seja, para qualquer profissional interessado em saber mais sobre divulgação científica. O texto distingue a forma como apresenta as múltiplas informações, de maneira leve e em linguagem clara e didática. O livro demarca uma nova maneira de se fazer divulgação científica, com profissionalismo, aspecto muito bem trabalhado na obra. Enfim, esse material, neste momento da nossa história, se revela como uma espécie de “estrada de tijolos amarelos”; isto é, a perspectiva apresentada pelo livro é relevante para todos que trabalham com divulgação científica.
Referências
CHAGAS, Catarina; MASSARANI, Luisa. Manual de sobrevivência para divulgar ciência e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020.
LEMOS, André. A tecnologia é um vírus: pandemia e cultura digital. Porto Alegre: Sulinas, 2021.
PORTO, Cristiane; OLIVEIRA, Kaio Eduardo; ROSA, Flavia. Produção e difusão de ciência na cibercultura: narrativas em múltiplos olhares. Ilhéus: Editus, 2018.
Resenhista
Cristiane de Magalhães Porto – Universidade Tiradentes Aracaju – SE. Orcid.org/0000-0001-5622-030X E-mail: crismporto@gmail.com
Referências desta Resenha
CHAGAS, Catarina; MASSARANI, Luisa. Manual de sobrevivência para divulgar ciência e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020. Resenha de: PORTO, Cristiane de Magalhães. Na “estrada dos tijolos amarelos” da divulgação científica. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.29, n.1, jan./mar. 2022. Acessar publicação original [DR]
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