Manifestações religiosas no Brasil Contemporâneo  / Escritas / 2016

A Escritas: Revista do Curso de História da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Araguaína apresenta aos leitores, neste número, o Dossiê Manifestações religiosas no Brasil contemporâneo.

A cada decênio, os censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vêm apontando para uma tendência crescente: a pluralização religiosa em todo o Brasil. Embora o catolicismo continue como religião hegemônica, também não é homogênea, assim como os variados protestantismos, que vem conhecendo mudanças e redefinições importantes com o crescimento das igrejas neopentecostais. De acordo com o censo demográfico de 2010, os protestantes abarcam cerca de vinte e dois por cento da população e essa expansão numérica também tem se notabilizado por seus embates com outras religiosidades, notadamente as de matriz africana que, não raramente, sofrem a estigmatização de verem seus deuses, mitos e ritos imaginados e representados como malignos e associados à demonologia cristã. Há também que se notar o crescimento menor dos cultos orientais e do espiritismo. Se a constituição brasileira de 1988 define a neutralidade do estado em matéria de religião, a sociedade se apresenta como plurirreligiosa, onde variados grupos formam campos de força disputando adesões e buscando legitimidade social e política.

Nesse passo, o presente dossiê objetiva divulgar contribuições que problematizem a dinâmica das expressões religiosas que têm vicejado na sociedade brasileira, sua pluralidade, características e manifestações. Abrindo o dossiê, o artigo “Religião em declínio no Brasil? Um balanço socioantropológico sobre a mobilidade religiosa brasileira no início do século XXI como contraponto ao paradigma clássico da secularização”, escrito por Douglas Alessandro Souza Santos e José Lucas da Silva, faz uma análise da relação entre a mobilidade religiosa no Brasil do início do século XXI com as teorias da secularização e como essas questões têm influenciado na forma como os indivíduos vivenciam diferentes matrizes religiosas. O autor aborda se a secularização implica um fim da religião e chama a atenção para os cuidados teóricos e metodológicos que um estudioso da religião deve ter ao trabalhar com essas questões.

No artigo “A invisibilidade de crenças não cristãs na formação de professores de ensino religioso de Ouro Preto e Mariana”, Gláucio Antônio Santos, Marco Antônio Torres e Marcus Vinícius Fonseca discutem a ausência de professores habilitados para ministração da disciplina de Ensino Religioso nas cidades de Ouro Preto e Mariana. O caráter histórico das  duas cidades e a hegemonia do catolicismo, assim como a forte presença de igrejas católicas, são temas abordados pra se compreender a pouca visibilidade de crenças não cristãs nesse contexto. A partir da análise dos cursos de capacitação para professores dessa disciplina, os autores discutem a ausência de diversidade religiosa na proposta curricular do Ensino Religioso e a ausência de regulação do Estado sobre o assunto.

Em “Espaço e religião”, Jean Carlos Rodrigues e Miriam Mendes Costa analisam as características e os efeitos da implantação da Ordem Orionita no Norte de Goiás a partir da década de 1950. Destacam a importância que a Ordem teve para a formação de uma identidade religiosa cristã e o domínio político, religioso e simbólico na região. A seguir, o artigo de Manuela Lowenthal Ferreira, “Mercado e discurso na igreja neopentecostal Bola de Neve”, investiga a atuação da Igreja Bola de Neve no mercado religioso brasileiro. Para a autora, a Bola de Neve apresenta uma proposta inovadora nesse mercado com ofertas de bens de salvação para praticantes de esportes radicais e o uso de uma linguagem e imagens apropriadas ao público que pretende alcançar, especialmente jovens. Autora analisa então os serviços religiosos e as estratégias de marketing para situar a igreja no campo neopentecostal brasileiro.

O artigo “O pagamento de promessas na devoção popular a São Gonçalo em Campo Maior-PI” discute, a partir dessa análise de campo, a importância da devoção popular e das representações de fé no Brasil. Para isso, o autor começa problematizando a definição de cultura popular para compreender o rito da dança de São Gonçalo em Campo Maior, interior do Piauí, e sua relevância na cultura regional.

Dois artigos se dedicam de modo especial às religiões de matriz africana e indígena e os processos de criminalização e preconceitos de suas práticas religiosas e culturais. “Cosmogonia africana: a resistência das religiões africanas na contemporaneidade” apresentado por Solange Aparecida do Nascimento e Pedro Rodolpho Jungers Abib marca o lugar das religiões de matriz africana como espaços privilegiados na manutenção da cosmogonia africana em solo brasileiro. Isso se mostra importante frente à cruzada neoevangélica contemporânea por constituírem espaços legítimos na permanência de uma outra percepção sobre o mundo, sociedade e ser humano nas relações ecosocioculturais. Ainda dentro da discussão sobre espaços e práticas de resistência Lucielma Lobato Silva apresenta em “Pajé, aqui? Não: um estudo das mudanças e permanências dos cultos de pajelança nas ilhas de Abaetetuba-PA” as mudanças e permanências dos rituais de pajelança na região paraense citada. Seja ainda realizada pelos velhos pajés sacacas ou por ex-pajés convertidos ao protestantismo a prática da cura com elementos tradicionalmente indígenas ou negros ainda fazem parte do cotidiano das regiões amazônicas.

Alexsânder Nakaóka Elias em “O budismo Honmon Butsuryu-shu e o Buda primordial” traça histórica e mitologicamente as origens budismo e a chegada do mesmo no Brasil. Diferencia não somente budismo de imigração e de conversão, como também apresenta ao leitor, a partir de literatura especializada e entrevistas realizadas com devotos, a corrente budista Honmon Butsuryu-shu.

Em “Um verdadeiro arrastão de fé: a peregrinação ao santuário de Santa Luzia na Diocese de Estância”, Magno Francisco de Jesus Santos faz uma discussão acerca das características da peregrinação em uma diocese localizada na região sul de Sergipe, o Santuário de Santa Luzia do Itanhy, criada em 2011. O autor historiciza as manifestações católicas em Sergipe para situar a peregrinação ao Santuário de Santa Luzia em um contexto marcado por uma forte identidade cultural católica e devocional.

Fechando a sessão do dossiê, Renan Antônio Silva escreve sobre a relação da igreja mórmon com a sexualidade de seus jovens no artigo “Análise do paradigma sexual entre os adolescentes mórmons no Brasil: quando o amor entra em conflito com o pecado”. O autor parte da abordagem de Foucault sobre as relações de poder e o corpo para discutir a austeridade que a igreja mórmon impõe a seus membros a respeito de relacionamentos amorosos. O autor problematiza o papel dos fiéis nesses contextos, como indivíduos que não apenas recebem uma doutrina, mas também participam de sua elaboração na escala do micropoder. Renan fornece elementos para pensar as ambiguidades da repressão sexual em determinado campo religioso e as relações de força que perpassam as relações individuais nesse processo.

A seguir temos cinco artigos livres que completam essa edição. O primeiro deles “Crise de 1929 e Aliança Liberal: rumos da economia brasileira na segunda década do século XX e a mobilização política para as eleições de 1930”, de José Eliomar Filho, faz uma análise das questões econômicas e políticas do centro-sul do país que influenciaram no surgimento da Aliança Liberal na crise de 1929 e no surgimento da figura de Getúlio Vargas no cenário nacional.

Márcio Jesus Ferreira Sônego no artigo “O pensamento autoritário de Oliveira Viana” apresenta o empenho de Oliveira Viana em realizar análises revisionistas e contestadoras sobre a produção historiográfica brasileira no início do século XX. O autor não se restringe somente a Viana; outros autores do mesmo período também foram analisados sob o mesmo prisma. No terceiro artigo livre, Pablo Michel Magalhães apresenta reflexões sobre as memórias particulares em torno das navegações no Rio São Francisco, entre as décadas de 1940 e 1970, enfocando a problemática dos lugares de memória.

No quarto artigo livre, Edson Santos Junior propõe-se a observar o materialismo histórico indicado por Karl Marx e o posicionamento intelectual de Walter Benjamin no que respeita à elaboração sobre os termos da história, diante dos quais a tese nove, do texto o conceito da História (Paris, 1940), é neste caso fonte referencial. Para encerrar, José João Neves Barbosa Vicente e Maria Félix Lopes da Rocha apresentam em “Reflexão sobre racismo” a importância de se discutir abertamente os problemas sociais que o racismo traz para a sociedade. Os autores ainda buscam mostrar que somente através de um intenso e contínuo diálogo seria possível combater esse mal.

Esperamos, assim, que a leitura desta edição contribua para a compreensão das diversas e múltiplas manifestações religiosas no Brasil contemporâneo. Que essa compreensão possa contribuir para que a intolerância religiosa crescente no país seja pontualmente combatida em diversas instâncias sociais.

Bertone Souza – Professor Doutor.

Sariza Oliveira Caetano Venâncio – Professora Mestre.

Organizadores do Dossiê

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