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Luz, Câmera e História: práticas de ensino com o cinema | Rodrigo de Almeida Ferreira

Ao completar 125 anos, o cinema pode ser considerado como um bem consolidado campo do conhecimento humano. Reunindo ao mesmo tempo magia, técnica, crítica e deleite estético, os bens culturais constituídos mediante a arte cinematográfica, tornaram-se indústria a mobilizar profissionais e variados públicos, em suma, a ‘Sétima Arte’ consolidou-se como uma autêntica oficina de sonhos, a mobilizar gigantescas cifras orçamentárias e assistências contabilizadas aos milhões, no caso dos blockbusters, cenário ainda mais ampliado pelos modismos e produtos a estes vinculados.

Em todo caso, seja em uma portentosa produção hollywoodiana, ou mesmo, em um curta-metragem rodado com baixo orçamento, o cinema vem sendo considerado, há cerca de um século, como um excepcional subsídio a ser utilizado nos processos educativos. No caso específico da História, a obra assinada por Rodrigo de Almeida Ferreira tem como proposta pensar o ensino dessa disciplina, utilizando os filmes para estimular a educação do olhar a partir dos registros fílmicos proporcionados pelo cinema.

O autor é historiador e doutor em Educação, exercendo a docência na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, onde atua na área de Pesquisa e Práticas de Ensino de História. Suas publicações na imprensa universitária articulam temas como a História Pública, Cinema e História e Ensino de História.

Na obra que resenhamos, o autor realiza reflexões sobre o cinema, passando a pensá-las enquanto recursos para atividades nas escolas, universidades, ações extensivas, ou em qualquer oportunidade na qual a reflexão sobre os sentidos produzidos pela linguagem fílmica possam vir a contribuir para os processos de ensino e da aprendizagem da História. O livro é bem organizado em termos de divisão de capítulos, além de estruturado de forma conveniente a que o conhecimento que veicula venha a atingir o público para o qual foi destinado: os professores de História que desejam conhecimentos básicos para utilizar de forma fundamentada, filmes em suas atividades docentes. A linguagem utilizada é agradável, e o texto alinhado flui por toda a obra, em uma escrita simples e facilmente codificável. Rodrigo Ferreira é franco ao dialogar com o seu leitor, e esclarece que os conhecimentos que veicula têm por finalidade discutir as possibilidades metodológicas para o uso dos filmes em sala de aula, porém se abstém em apontar métodos rigorosos para a sua aplicação, o que por si só, já se constitui em grande mérito. Assim, assinala o autor, caberá a professoras e professores, em cumprimento às suas inalienáveis prerrogativas docentes, avaliar os recursos disponíveis e o público discente sobre o qual atendem e atuam, para traçar os roteiros que considerem de maior e melhor pertinências.

O livro foi estruturado em três capítulos, sendo o primeiro destinado a abordar a História do cinema e os primeiros acenos da arte cinematográfica com a Educação, bem como as inquirições entre a realidade que os produtos cinematográficos conteriam tendo em vista as exigências de verdade mantidas pelo estatuto do conhecimento histórico. Em conformidade com tais requisitos da parte dos cultores de Clio, o autor realiza um breve, porém esclarecedor excurso, em diálogo com autores que se tornaram referência na tensa relação entre a História e o Cinema, tais como Marc Ferro, Pierre Sorlin, Michèle Lagny ou Robert Rosenstone.

Ao longo do capítulo inicial o autor ainda traça, em curtos, porém elucidadores parágrafos, os momentos iniciais da história do cinema, contemplando as críticas dos intelectuais, mas também a requalificação da arte cinematográfica da qual o famoso ‘Manifesto das Sete Artes’, escrito pelo crítico italiano Ricciotto Canudo, em 1911, constitui marco fundacional desse novo status junto à intelectualidade. Da parte do público, ao que aparece registrado, o cinema alcançou sucessivos sucessos que parecem corresponder às inovações técnicas que foram sendo a ele incorporadas, tais como os cortes e montagens, a interpretação dos atores e a introdução do cinema sonoro.

O capítulo prossegue com um breve histórico voltado à consolidação do cinema ao longo do século XX, com especial atenção para os anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, momento assinalado como de consolidação da influência e penetração do cinema norte-americano em âmbito mundial, não obstante movimentos como o neorrealismo italiano e a nouvelle vague surjam. No cenário nacional é criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) surgido ainda durante a Ditadura do Estado Novo (1937-1945). Sob as vistas do INCE, surge e se afirma o movimento de vanguarda intelectual do cinema brasileiro, batizado sob o nome de ‘Cinema Novo’. Após o Golpe de 1964, que instaura a Ditadura civil-militar, é criado o Instituto Nacional do Cinema (1966), e por fim, a Empresa Brasileira de Filmes (EMBRAFILME), no ano de 1969.

O segundo capítulo trata das possibilidades metodológicas para a análise fílmica. Nessa secção do livro Rodrigo Ferreira oferece ao seu leitor um substancioso repositório, com vistas a provê-lo com recursos metodológicos considerados indispensáveis para que os professores atuem com a necessária segurança em seus intentos educacionais. Assim, são discutidos, de maneira bastante didática, gêneros fílmicos como o drama, a comédia, a aventura e o suspense, mas também as estruturas ficcional, documentária e educativa que estão contidas nas obras cinematográficas.

O capítulo acaba sendo bastante enriquecido pelas análises que o autor realiza, na finalidade de exemplificar ícones cinematográficos como Fahrenheit 451; Capitalismo: uma história de amor; ou ainda, para passar em revista a estrutura educativa mobilizada desde os tempos do Estado Novo, ao focalizar o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), até a era da Internet. Pródigo em aspectos formativos, o capítulo ainda oferece as categorias que gravitam em torno do chamado cinema-história, analisando e exemplificando alguns filmes classificados como de ambientação histórica; de projeção histórica; com fundamentação histórica; de reportação histórica; além dos documentários e docudramas, o que muito contribui para localizar o leitor em escolhas nas suas futuras práticas docentes. Encerrando o capítulo, ainda são oferecidos os elementos da linguagem fílmica, de importância fundamental a que o professor realize a decupagem necessária para a apropriação do cinema-história em seu trabalho.

No terceiro e último capítulo a proposta foi oferecer um amplo rol de atividades a serem desenvolvidas mediante o diálogo entre a História e o Cinema. O capítulo conta com a coautoria da professora Juniele Rabêlo de Almeida, doutora em História, e docente no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. As reflexões desse derradeiro capítulo podem ser identificadas sob cinco vetores, a saber: 1. O processo de produção do filme, entendido como elemento analítico externo válido na contribuição da discussão entre Educação e História; 2. A elaboração de fichas de análise com vistas ao uso no processo de ensino e aprendizagem com filmes; 3. A construção de um blog no intuito de mobilizar a temática cinema e História; 4. Considerações acerca do uso de filmes na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA); e, 5. Ideias para pensar a História pelo cinema, mediante uma reflexão destinada à produção de um filme.

Como podemos perceber, metas ambiciosas, porém tornadas exequíveis pela maneira didática pela qual os subsídios são apresentados. O primeiro dos vetores acima citados oferece os elementos para a análise fílmica em sala de aula. Há nele um roteiro valioso onde cinco perspectivas passam a balizar as reflexões que envolvem o filme em sua relação com a História, tais como a contextualização do tema, a contextualização da produção, os aspectos que envolveram a produção, do ponto de vista financeiro, a repercussão da obra fílmica ou ainda, a narrativa fílmica. Ainda são ofertadas ao leitor preciosas dicas para que, nas atividades que envolvam cinema e história, não venha a ocorrer ainda que de forma inadvertida, a tentação de se ‘reconstruir’ o filme, o que seria um grave equívoco, quando na realidade o que se deve fazer é descrevê-lo, para que depois, se consiga interpretá-lo.

Outras questões de suma importância surgem ao longo dessa parte do trabalho, o que se revela muito oportuno, pois costumam assaltar aqueles que se aventuram no desafio de trazer o cinema para a sala de aula. Uma delas, muito comum, caso venham a ser cometidos equívocos, pode contribuir para engrossar as críticas de um mal resolvido senso comum da parte daqueles que se indispõem contra as inovações no ambiente escolar. Trata-se da compreensão que se o filme dialoga com a História, não cabe a este, substituí-la. Afinal de contas, caberá sempre a máxima: um filme sempre será um filme. Outra questão a se frisar é que os filmes são produtos artísticos, aos quais fica permitido o diálogo com a História, porém se deve deixar bem claro que não caberá aos historiadores tratar os cineastas sob a rubrica de parceiros ignorantes a serem corrigidos pelos cultores de Clio, tornados sob tal discurso, em baluartes da verdade pelo exercício da ciência histórica. Dessa forma, não se deve incorrer em uma hierarquização dos saberes, pois uma das funções precípuas ao uso do cinema na sala de aula é encantar os “…alunos e, consequentemente, estimulá-los a verem abordagens distintas sobre temas históricos por meio de filmes.” (p.115).

Pela fala que perpassa reiteradamente o belo trabalho que nos é oferecido pelo autor de “Luz, câmera e História”, talvez possamos inferir que essa fascinação que o cinema proporciona no alunado possa vir a resultar em resistências e juízos de valor da parte daqueles que não desejam uma espécie daquilo que consideram intrusão no circuito da Educação, por ação dos que se permitem propor, como os cineastas, de forma algo ousada, conforme sabemos, a desestruturação de imagens solidificadas construídas por instituições e homens de Estado. Ora, o compromisso que a arte cinematográfica mantém com seus espectadores ocorre fundamentalmente na dimensão estética da consciência histórica, e pode naturalmente resvalar para a carnavalização ou mesmo para o achincalhe. Assim, cabe entender que se a dimensão do poder costuma tentar por vários meios postos à sua disposição, tais como regulamentações, editais de financiamentos oficiais direcionados aos seus interesses, ou mesmo, no limite, à censura, a dimensão da verdade por sua vez é território para a ciência da História.

Dessa forma, passa a caber aos professores que desejam transitar pelo território que imbrica o cinema à História, identificar e levar para a pauta dos seus debates, antes, durante e no pós-filme, questões que intentem separar e identificar aquilo que se apresenta como caricatura, supressões ou mera ficção a envolver personagens, inversões hierárquicas, cronológicas ou mesmo anacronismos que se refiram a eventos históricos.

As atividades que auxiliam o processo ensino aprendizagem também ocupam lugar de destaque nesse livro: fichas para análise fílmica (sinóptica, contextualização e reflexão) de elevado valor para servir como roteiro de análise do professor, passam a ser sugeridas com riqueza de detalhes. Além disso, há a sugestão para que no ambiente de tecnologias da informação e comunicação (TICs), seja implementado um blog, iniciativa que possui a vantagem da simplicidade para a criação e manutenção. Nesse sentido o autor encoraja seus leitores ofertando uma riqueza ímpar de detalhes para a materialização dessa opção, bem como da sua posterior operacionalização.

Destaque deve ser dado ainda para o uso de filmes na Educação de Jovens e Adultos (EJA), contexto que envolve parâmetros que devem respeitar o campo de estudos da Andragogia. O público reunido nesta modalidade de ensino costuma reunir interesses distintos daqueles dos alunos de uma faixa etária em maior conformidade ao grau de escolarização, situação essa que passa a possibilitar certos comportamentos que acabaram introjetados, de forma meio paradoxal, pelas experiências algo traumáticas desse alunado, sejam estas propriamente escolares ou ainda, por força da exclusão social sofrida.

Para parcela desse público estudantil, uma aula que não esteja centrada em conteúdos escritos que tenham partido do conhecimento do professor, poderá se configurar como algo não válido em termos acadêmicos. Assim, nos orienta o autor, “… é preciso, então, compreender as percepções de educação entre o estudante-trabalhador da EJA, para pensar estratégias que os mobilizem a refletir sobre outros caminhos de aprendizagem.” (p. 155). Ainda em relação a essa modalidade de ensino, caberia, seguimos o autor, valorizar a realidade do aluno enquanto elemento motivador no seu processo educativo, sendo então sugerido o estudo por eixos temáticos, ao invés da opção por conteúdos específicos e cronológicos. Assim, fica sugerido pelo autor, o tema das relações de trabalho, assunto que costuma ser próximo da realidade da maioria da turma, sejam adolescentes ou alunos mais velhos.

Uma mídia de massa como o cinema não poderá ser simplesmente desprezada ou tratada como mero acessório figurativo a endossar velhas práticas de ensino, ou ainda, corroborar aquilo que é veiculado pelos livros didáticos de História. Afinal, vivemos em uma era mediada pela cibercultura, com acesso à mídias interativas que popularizaram a informação e o conhecimento em níveis inauditos em toda a história da humanidade.

Aproveitar dessas facilidades oferecidas pelo contexto de uma época que se convencionou denominar por ‘era da informação’ não poderá corresponder a qualquer impulso voluntarista que intente a agregar às aulas de história ao amplo leque de possibilidades oferecidos pelo cinema, sem uma adequada preparação que capacite os docentes. Tal iniciativa se revelaria intempestiva e de resultados inexpressivos, o que acarretaria possivelmente na perda de uma alvissareira possibilidade educativa a ser explorada no ensino da História.

Nesse sentido, por todas as questões que viemos pontuando ao longo da presente resenha, os conhecimentos alinhados na forma de livro didático por Rodrigo de Almeida Ferreira constituem em louvável esforço merecedor de ampla divulgação, não somente pelo oferecimento de valiosos contributos de natureza teórico-metodológica para aqueles que se propõe a tornar suas aulas de História mais lúdicas, epistemologicamente producentes, e por tudo isso, mais interessantes do ponto de vista acadêmico, mas também por espelhar a relação que sempre deverá haver entre o ensino, a pesquisa e a extensão universitária, enquanto forma de diálogo que assim se espera, deva ser mantida e reforçada entre o conhecimento acadêmico das Universidades e a Cultura escolar, não como oferecimento de um conhecimento pelo alto, empurrado ou imposto de forma algo hierárquica, mas enquanto materialização de um diálogo entre o local que se apresenta como território privilegiado de excelência nas pesquisas e o espaço de sua validação efetiva, mas que ao mesmo tempo, também é agente de saberes e cultura próprias, e que constitui, ao fim e ao cabo, em uma das razões de existência da pesquisa universitária, seja em termos de retorno do investimento, mas sobretudo no objetivo de alcançar o público escolar.


Resenhista

Antonio Carlos Figueiredo Costa – Doutor em História (UFMG). Professor de História na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), tendo ingressado por concurso de provas e títulos. Líder do Grupo de Pesquisas José Carlos Mariátegui e autor de livros, capítulos e artigos na imprensa universitária. Link para o Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1285407435165636. e-mail: antonio.costa@uemg.br.

Referências desta resenha


FERREIRA, Rodrigo de Almeida. Luz, Câmera e História: práticas de ensino com o cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2018, 187 p. Resenha de: COSTA, Antonio Carlos Figueiredo. Horizontes Históricos. São Cristóvão, v.3, n.1, 2021. Acessar publicação original. [IF]

Itamar Freitas

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