LTI: A linguagem do Terceiro Reich | Carlos Fonseca
“La hora era inusual…” É assim que Fonseca inicia sua narrativa, referindo–se à última noite de 13 prisioneiras, que horas depois seriam fuziladas pelo regime franquista (1939-1975), que há poucos meses – 28 de Março de 1939 -havia conquistado Madrid. Seu livro – Trece Rosas Rojas – La historia más conmovedora de La guerra civil – narra a história das treze jovens que foram presas e condenadas à morte por fuzilamento, ocorridas na madrugada de 5 de agosto do mesmo ano. Carlos Fonseca promove um diálogo entre inúmeros documentos do período com o forte desejo de conhecer mais uma das tragédias da perseguição promovida pelo ditador Franco. A morte do grupo de jovens, sendo sete delas menores, e as demais com pouco mais de vinte um anos que, devido a idade, foram chamadas de rosas, converteu-se em uma das piores tragédias da guerra civil espanhola.
O autor preocupa em ser fiel aos relatos históricos, no entanto procura conduzir o leitor à tentativa de tornar as treze jovens, não apenas personagens de um evento histórico, mas torná-las pessoas comuns que lutavam por uma causa, naquele momento, perdida. Procura também levar o leitor a ver em cada uma das jovens a filha dedicada, a mãe amorosa, a esposa, a namorada apaixonada, mas, ao mesmo tempo, mulheres que sabiam o que faziam e que lutavam da forma que podiam contra o regime ditador que se havia se instalado na Espanha. A história de vida de cada uma se mistura à história da defesa da Madrid sitiada, de uma Espanha dominada e depois de uma Madrid conquistada.
As trece Rosas Rojas, não é o primeiro livro do jornalista Carlos Fonseca; ele já dedicou outros livros a temas ligados à história recente da Espanha, publicados pela mesma Ediciones Temas de Hoy, de Madrid. Trece Rosas Rojas é uma publicação de 2007 que já se encontra na décima terceira edição. Diferente das demais publicações, esta teve grande repercussão e serviu de base para um filme que leva o mesmo nome, dirigido por Martínez Lázaro. Neste livro, Fonseca demonstra toda a sua desenvoltura para tratar de um tema que é tão caro aos espanhóis, a Guerra Civil Espanhola e o pós- guerra, mesmo após transcorridos mais de setenta anos. Ele procura, pela palavra escrita, restabelecer a dignidade, a honra das jovens que não puderam envelhecer e, ao mesmo tempo, mostra o peso do silêncio que permaneceu durante décadas sobre os inúmeros episódios do pós-guerra.
Fonseca conta a história baseado em inúmeros documentos aos quais teve acesso, em especial as cartas escritas pelas jovens militantes, jornais, fotos e inúmeras entrevistas que fez com sobreviventes. Mas faz também uso de descrições e percepções que são inteiramente suas, pois toma a liberdade e usa a sua imaginação para descrever situações e possíveis diálogos, como da narração do último diálogo entre as condenadas à espera do fuzilamento. Junto aos fatos esta a voz de Fonseca, expondo com detalhes o pós-guerra, a perseguição aos que militavam na JSU (organização criada em 1936, com a unificação dos movimentos de esquerda) ou em qualquer outra agremiação de esquerda, eram todos denominados de “Rojos”, o que por si só já se tornava um grande delito.
Fonseca apresenta detalhadamente uma Madrid exaurida pela guerra, expõe um cenário sufocante para os militantes de esquerda, como no caso dos jovens que militavam na JSU. Da mesma maneira, o autor apresenta cada uma das jovens, suas famílias, o trabalho de cada uma, o nível de envolvimento com a organização da estrutura dos partidos na clandestinidade, ou no que restou deles.
De acordo com o autor, o regime instalado empreendeu uma perseguição implacável a todos os militantes dessas agremiações. Algumas das jovens faziam parte da JSU, umas com maior grau de envolvimento, na tentativa de se organizarem na clandestinidade, outras com menor grau de envolvimento e, no caso de Blanca Brisac, com nenhum envolvimento.
Para Borges (1987, p. 10), o mais importante da autoria é a entonação; o mais importante de um livro é a voz do autor, a voz que chega até nós. Fonseca nos faz chegar os dois requisitos sugeridos por Borges, sua voz e sua entonação. Consegue falar por ele mesmo, ao mesmo tempo em que permite que cada uma das treze vozes silenciadas pela repressão e fuzilamento, sejam ouvidas. Sem embaralhar, sem superposição, porém com uma entonação que deixa aparecer cada um dos sentimentos experimentados por aqueles que vivenciaram os acontecimentos ocorridos em Madrid a partir de Março de 1939. Sentimentos estes de esperança, de medo, de dor pelo silêncio a que tantos foram submetidos. Para tanto, ele dividide seu texto em três partes: La Lucha, La Repressión, La Venganza respectivamente.
Na primeira parte, Fonseca se dedica a narrar como se iniciou a repressão e a tentativa de organização do Partido Comunista Espanhol e da Juventude Socialista, todos que lutaram em defesa da República e de Madri. Relata ainda as dificuldades da clandestinidade e de encontrar os companheiros e reorganizar a resistência; transcreve fragmentos das correspondências das prisioneiras com familiares, seus últimos momentos na capela da prisão, quando escutam o motor do carro que as conduziriam ao local da execução. Na segunda parte, descreve as várias técnicas e formas de investigação que a polícia colocou em prática para deter os que eram considerados suspeitos de lutar contra o regime de Franco, como o incentivo à delação por parte de vizinhos e até familiares. Já na terceira e última partes, o autor descreve a prisão de Ventas, onde as acusadas de cometer algum delito contra o regime ‘cavam submetidas a uma existência cruel e humilhante.
Todas as mulheres feitas prisioneiras eram levadas para Ventas. Ele relata que havia um número muito maior de prisioneiras do que a prisão poderia suportar. As celas para apenas uma prisioneira, após o início das perseguições, passaram a comportar onze. Faltava ainda água, alimentos e espaço para as prisioneiras. No local não havia o mínimo de condições de higiene. Abundavam apenas dor e tristeza. Ao final da terceira parte, ele retoma o tema com que iniciou o livro. Na verdade ele conclui, descrevendo as prisioneiras ao serem transportadas da prisão para o cemitério del Este, onde todos condenados ao fuzilamento eram executados, em linha, junto a uma parede do cemitério, o que facilitava o enterro em uma vala comum que já ‘cava preparada.
O livro é acompanhado de um anexo com documentos, especialmente correspondências de algumas das condenadas, além da ata do conselho de guerra e da transcrição da sentença que as condenou a morte. O autor, diante de tais documentos e entrevistas com sobreviventes da prisão de Ventas, seleciona e ordena os acontecimentos, sempre construindo os diálogos e descrevendo os fatos ocorridos de forma intimista, levando o leitor a conhecer detalhes da vida de cada uma das jovens, suas escolhas, seus pais e parentes próximos, de modo a criar no leitor uma empatia por elas, pelas suas decisões de manterem a luta organizada na clandestinidade. Mas isto não quer dizer que o oposto ocorra quando ele descreve os perseguidores, chefes de polícia ou vizinhos delatores. Ele toma o cuidado para que não se criem rancores ou revanchismo na história que narra. Ao que parece, Fonseca (p. 300) teria ouvido o pedido que Blanca Brisac, uma das treze jovens, fez ao seu filho, na última carta que escreveu da prisão: “Sólo te pido que seas muy Bueno, muy Bueno siempre… que no guardes nunca rencor los que dieron muerte a tus padres, eso nunca”.
Embora o livro verse sobre a vida de mulheres na guerra civil espanhola, em nenhum momento o autor procura fazer dele um libelo sobre gênero ou se preocupa em explicar a grande presença feminina nos partidos de esquerda. Ele dedica pouco tempo em explicar a situação das mulheres na Espanha, relata a baixa escolaridade da grande maioria ou o analfabetismo total de uma parcela delas, o que não era impedimento, principalmente às mais jovens, de participarem politicamente, principalmente na Juventude Socialista e Juventude comunista. Ressalta também o ódio que o chamado Movimento Nacional, liderado por Franco, pregava contra as “Rojas” ou mulheres que haviam participado do chamado “del bando republicano’’; havia um grande número de propaganda franquista contra as mulheres militantes para ressaltar este aspecto do regime contra a participação das mulheres:
… un papel transgresor e inaceptable para um régimen que exaltaba la sumisión de la mujer y su papel como “reposo del guerrero” El odio contra ellas era aún mayor que contra los hombres, y también el castigo. La prensa afín se encargaba de despreciar su imagen, la de la miliciana que había tomado un ri=e para ir al frente, y la de la que había permanecido en la retaguardia. (p.112)
Embora a propaganda tenha sido intensamente contrária à participação feminina, ela não deixou de ocorrer; muitos dos líderes da resistência a Franco tinham ido para o exílio ou sido presos. Coube então às jovens mulheres militantes a organização da resistência em Madri. Como também lhes coube o sofrimento da perseguição e o encarceramento. Para Fonseca, as mulheres se tornaram grandes vítimas, sendo presas por qualquer motivo, como pelo simples fato de se fazer uma visita a um pai ou irmão preso. Isto já as tornava suspeitas. O que é inescapável do texto de Fonseca é o tratamento igual em crueldade e a indisposição para perdoar as mulheres, pois estas tiveram o mesmo tratamento que os homens militantes, independente da idade ou do grau de envolvimento na organização política. Até o fuzilamento das treze jovens, descreve Fonseca, apenas uma mulher havia sido fuzilada e, depois delas, inúmeras. Foi esta a forma encontrada para amedrontar as participações em atividades políticas e acabar com qualquer tipo de resistência ao regime.
Ao olhar para a Espanha do pós-guerra, Fonseca foi capaz de ver além da dor e de trazer a história de vida das treze rosas rojas ao conhecimento dos espanhóis. Revelou ainda o nome de cada uma das rosas: Carmen Barrero Aguado, 20 anos, costureira; Martina Barroso García, 24 anos, costureira; Branca Brisac Vázquez 29 anos, pianista; Pilar Bueno Ibáñez ,27 anos, costureira; Julia Conesa Conesa 19 anos, costureira; Adelina García Casilias 19 anos; Elena Gil Olaya 20 anos; Virtudes González García 18 anos, costureira; Ana López Gallego 21 anos, costureira; Joaquina López LaKte 23 anos;Dionisia Manzanero Salas 20 anos, costureira; Vitória Muñoz García 18 anos; Luisa Rodríguez de la Fuente 18 anos, sastra.
Interessa observar que Fonseca, como jornalista, recupera acontecimentos dramáticos da história espanhola, unindo os acontecimentos históricos, sem dispensar fontes documentais, numa narrativa literária, tornando, assim, uma leitura inspiradora para historiadores e não historiadores, pois além de útil, é uma obra que se lê com prazer. Porém nem tudo foi revelado sobre a Guerra Civil Espanhola. Tem-se a sensação de que ainda há muito por se revelar.
Referência
BORGES, Jorge Luiz. Cinco visões pessoais. Brasilia: Editora Universidade de Brasília, 1987.
Resenhista
Cláudia Graziela Ferreira Lemes – Mestre em História. Professora Assistente na Universidade Federal de Goiás/Campus de Jataí. E-mail: claudiahisto@yahoo.com.br
Referências desta Resenha
FONSECA, Carlos. Trece Rosas Rojas – La historia más conmovedora de la guerra civil. Madrid: Ediciones Temas de Hoy, S.A., 2007. Colección: Historia Viva. Resenha de: LEMES, Cláudia Graziela Ferreira. História Revista. Goiânia, v.16, n.1, p. 285-289, jan./jun.2011. Acessar publicação original [DR]
KLEMPERER Victor (Aut), LTI: A linguagem do Terceiro Reich (T), Contraponto (E), SERPA Elio Cantalício (Res), ASSUNÇÃO Marcello Felisberto Morais (Res), História Revista (HRr), Terceiro Reich, Linguagem
Resenhistas
Elio Cantalício Serpa – Doutor em História Social. Professor Associado I. Faculdade de História/UFG. Pesquisador CNPq. E-mail: ecserpa@gmail.com
Marcello Felisberto Morais Assunção – Graduando em História pela Universidade Federal de Goiás/Bolsista PIBIC. E-mail: marcellofma@gmail.com
Referências desta Resenha
KLEMPERER, Victor. LTI: A linguagem do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. Resenha de: SERPA, Elio Cantalício; ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais. História Revista. Goiânia, v.16, n.1, p. 291-295, jan./jun.2011. Acesso apenas pelo link original [DR]