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Los Godos y La Cruz: Recaredo y la unidad de Spania | Santiago Castellanos

Santiago Castellanos é professor de História Antiga na Universidade de Leon. Seu doutorado em História foi feito pela Universidade de Salamanca e abordou o poder social em torno do homem santo no espaço do vale do Ebro no século VI. Desde então, vem se destacando como especialista em Antiguidade Tardia, produzindo livros e artigos, dentro e fora da Espanha.

O livro em questão, conforme explica o próprio autor, foi um desafio pessoal: produzir material que atendesse a um público maior, fora do espaço restrito da academia, que trouxesse novas abordagens e releituras historiográficas, simplificando a forma e a linguagem, sem perder a qualidade – em especial, desconstruindo mitos, reposicionando a velha ideia de assassinato do mundo romano e Dark Ages. É mostrar a imagem de transformação em vez de decadência. Primordialmente, substituir a noção étnica em que é envolta a época visigoda, descabida frente à análise histórica do momento.

A obra inicia com a indicação de como a organização visigótica fora uma importante referência na construção da Península Ibérica. Sobre como a unidade então alcançada fora exemplo, desde o discurso de Fernando, o Católico no século XVI até o quadro da conversão de Recaredo, pintado no século XIX.

Mas como estudar a transformação social envolta entre o estabelecimento dos visigodos e a coroação de Recaredo? Os documentos são parcos: mais próxima é a crônica de Juan de Bíclaro; mais distantes, mas não menos importantes, Gregório de Tours e Gregório Magno. Isidoro de Sevilha era muito jovem, mas sua História dos Godos é um documento de bastante relevância.

No primeiro capítulo, o autor busca em pistas diversas os visigodos, em meio ao Baixo Império Romano e Antiguidade Tardia. Suas pesquisas procuram o nome Flávio, utilizado por Recaredo no Concílio de 589, comum em várias dinastias imperiais, em especial na casa de Constantino.

O autor faz uma pertinente crítica à noção “biológica” dos estudos sobre o Império Romano (nascimento, desenvolvimento e morte). Para tanto, remodela a noção Augusto – Rômulo, no intuito de mostrar a constante volatilidade da política romana.

O modelo de principado é instável, mas consegue ser mantido até o século III. A partir de Diocleciano a transformação política foi definitivamente redesenhada com o modelo tetrárquico.

Sob este modelo as diferenças regionais romanas ficaram mais marcadas, com guerras civis e novos agentes na luta pelo poder. Entre 312 – 324 esse modelo vê surgir Constantino, que reúne militarmente o poder. Convertido ao cristianismo, nota-se um incremento da cristianização do Império. Daí a comparação buscada mais tarde sobre o papel de Recaredo.

O autor destaca o fato de o cristianismo não ser até então um religião monolítica, mas é a multiplicidade que garante sua inserção em espaços de discussão filosófica em centros helenísticos das principais cidades orientais.

Ao converter-se ao cristianismo, Constantino mistura um dos mais antigos cargos da elite romana (Pontifex Maximus) e o líder cristão. Para garantir sua ordem, convoca o primeiro concílio ecumênico. Uma de suas principais questões foi a solução da fórmula da Trindade. Seu principal efeito: constituir uma ortodoxia, ou, como tratado, um cristianismo niceno.

O autor discorre sobre as transformações do Império Tardio, destacando a mudança da estrutura fundiária, de grandes propriedades, para um modelo de Dominus e Potentes. Aborda a presença de autoridades locais que aumentam seu poder; aliás, uma forma importante de fortalecimento episcopal.

Mas quem eram o gens gothorum?

O autor inicia a procura por essa resposta conceituando a noção de “bárbaros” e sua presença histórica nos documentos antigos, como na Germânia de Tácito. Fica destacada a impossibilidade de uma História linear dos godos – Castellanos chega a fazer mea-culpa da parcialidade da análise, uma vez que as vozes que se tem são romanas e essas não sabiam bem ao que se referiam ao tratar de godos e francos.2

Os godos, especificamente, tem sua tradição cultural e política atrelada ao relato de Jordanes, grupo que vinha unido e coeso da Escandinávia, passando pela atual Polônia, até o Mar Negro. Fora a visão idealizada, a arqueologia não corrobora a ideia de coesão prévia, mas de contatos constantes. No entanto, Castellanos sinaliza uma aproximação a partir do século III da costa do Báltico até o Mar Negro.

Amiano Marcelino quando trata dos Gothi, fala de Turingios e Greutungos. Contudo, os gothis ganham notoriedade com a vitória sobre Valente em 378, e dali por diante, pululam a referência sobre sua presença no Império.

A monarquia visigoda se consolida no século V. Jordanes fala da dinastia dos Baltos, porém será com Alarico que os indícios de gens e articulação com um chefe aparecem de maneira clara. As buscas de Cassiodoro e Jordanes, assim como de autores da etnogênese, foram exageradas e tem um olhar para a causa mais legitimador que histórico. A religião entre os godos nos séculos IV – V está atrelada, ainda, às deidades tradicionais. Há, no entanto, relatos de cristianismo desde o século III.

Eis que surge o notório bispo Ufila, consagrado em Nicéia. Era, porém, partidário da versão ariana. Para fazer notar a força de sua pregação, traduziu a bíblia do grego ao gótico, inventado por ele mesmo. Associado a importantes lideranças godas do século IV, como Fritigerno, vencedor de Valente, conseguiu grande disseminação do arianismo entre os visigodos.

Após a morte de Valente na batalha de Adrianópolis, Teodósio ascende ao poder. Sua política com os godos é a de recuperar os foedos, transformando esses godos em foederati. Os serviços militares passam a estar à disposição dos romanos, mas a circulação de godos não se restringe a região federada; passa, inclusive, pelo famoso cerco de Roma, em 410.

Castellanos, no intuito de registrar a intensa relação de romanos e godos, separa a noção de Bárbaros, para os grupos que aceleraram a sua entrada no limes em princípios do século V. Na Hispania, um exército romano desmobilizado não resistiu à chegada de novos grupos. A força romana foi liderada por Walia e os visigodos, exilando suevos na Gallaecia, vândalos para África, e aniquilando os demais. O prêmio, a ocupação da Aquitania e Narbona, fundando o reino visigodo de Tolosa.

Neste período, a liderança foi de Teodorico I, morto na batalha em que francos e visigodos venceram os hunos. A aliança com romanos, apesar de fragilizada, durou até Eurico chegar ao poder em 466. Castellanos destaca que o reino visigodo buscava uma estabilidade nos moldes romanos, com valorização de costumes, leis e diplomacia próximos ao modelo romano.

O capítulo dois versa sobre a transição do reino de Tolosa e a monarquia Toledana, usando para compreensão a ascensão da família de Leovigildo. O autor faz um breve histórico sobre a origem franca da monarquia, sinalizando princípios da lei sálica e a relação pessoal entre as lideranças francas. Mostra a relação dos francos e a elite eclesiástica, representada pelos bispos de Tour e a conversão pública de Clóvis.

A vitória dos francos em 506 na batalha de Vouillé foi considerada um grande desastre para os visigodos. Saíram da batalha sem rei (Alarico II morreu), o que, segundo o autor, afetou o psicológico coletivo do grupo.

Gelelaico, o novo monarca, refugia-se além dos Pirineus, na cidade de Barcelona, deixando Narbona na mão dos senhores godos da região. Teodorico, rei ostrogodo, senhor de Ravena, intercede em nome do neto, Amalarico – filho de Alarico II –, que reforça os exércitos visigodos em Narbona. Envia tropas que marcham sobre Barcelona, matam Gesaleico, o trono é entregue a Amalarico, e o tutor é o próprio Teodorico.

Os olhos de Teodorico na Hispania eram voltados para Teudis, que Procópio afirma ter grande exército à sua disposição e assim ajuda a consolidar o domínio godo na Península Ibérica. Com a morte de Teodorico, Amalarico se torna monarca de fato. Buscando aproximação com os antigos algozes, se casa com Clotilde, princesa franca, que fontes contam ter sofrido constantes humilhações e acabou por reforçar a tensão franco-visigótica.

Em 531 francos e visigodos voltam a se enfrentar em Narbona. Outra derrota dos visigodos e por estarem mais uma vez sem rei, migram, além de sofrerem com o aumento da pressão dos francos nas fronteiras dos Pirineos. A monarquia neste momento é difícil de situar, pois são muitas lideranças dispersas. Nota-se um fortalecimento somente quando os francos são contidos na cidade de Zaragoza, até retomarem pontos importantes em Narbona.

O sistema monárquico visigodo é por aclamação e este processo gera uma intensa disputa entre Agila e Atanagildo, que dá a entender que existe uma fragilidade institucional. Seus problemas ficam ainda maiores com a empreitada de Justiniano no Império Romano do Oriente e seu Renovatio Imperii.

O domínio de Atanagildo passou pelo norte da África, vencendo vândalos, batalhas vitoriosas contra os ostrogodos e a ocupação do sul da Península Ibérica com centro em Córdoba. A presença bizantina significava uma nova força no palco Ocidental, quando Atanagildo vence Agila e institui a capital do reino na cidade de Toledo – cria-se uma nova geopolítica no reino visigodo.

É com Atanagildo que se nota a figura de uma corte, em especial a influência das rainhas na política local. O casamento de Gosvinta, princesa franca e mãe de rainhas francas, e a presença dos bizantinos são fatores importantes na aproximação das cortes ocidentais.

A morte de Atanagildo traz novas eleições ao reino; Liuva I de Narbona é eleito. Resolve manter-se na região mais rica, e divide o trono com seu irmão, Leovigildo, que assume o reino visigodo de Toledo, no ano de 569. Santiago Castellanos sublinha que a decisão de Liuva foi uma manobra política importante, pois afirma um tradicional modelo romano e trabalha com duas frentes para aplacar a complexa aristocracia visigoda.

Em busca de legitimidade, Leovigildo se casa com a viúva de Atanagildo, Gosvinta, algo que diminuía o efeito de “outsider” que tinha frente à aristocracia peninsular. A segunda medida importante é empreender uma série de campanhas militares: atacou o sul bizantino, tendo, à frente, seu filho Hermenegildo; no norte, Recaredo liderava grupos diversos.

Com a morte de Liuva, Leovigildo elevou ao trono seus filhos Hermenegildo e Recaredo. Esta não foi a única maneira de buscar características imperiais. Leovigildo começa a aparecer nas audiências com trajes monárquicos e joias em roupagem imperial. Além disso, foi o primeiro monarca godo a cunhar moedas com sua efígie e a fundar cidades.

O fim do reinado de Leovigildo, no entanto, é marcado por importante guerra conta seu filho Hermenegildo, vencido em 584. Em 585 ainda viu a definitiva vitória sobre rei suevo. Recaredo vencerá Gontrão nas Galias Narborenses.

O capítulo três é dedicado às relações de poder presentes na luta entre Hermenegildo e Leovigildo. Castellanos exalta que só é possível compreender o projeto político de Recaredo a partir dos agentes envolvidos nesta guerra “muito além de civil”. O autor se propõe a analisar o quão complexo foi o contexto dessas disputas, pois se tem notícias de Roma, Arlés, Toledo, Tour e Sevilha.

Na sua explicação, o autor aborda o papel da diplomacia na disputa. Gosvinta, rainha goda, era mãe de Galsvinta, que foi assassinada na Nêustria por uma das amantes do monarca Chilperico, Brunequilda ou Fredegunda, importante rainha franca da Austrásia. Uma das filhas da segunda, Ingunda, católica, foi dada em casamento a Hermenegildo.

Ingunda, segundo relatos de Biclaro e Gregório, não aceita converter-se ao arianismo, gerando uma reação violenta da avó Gosvinta. Essa relação, mais que uma disputa doméstica, revela as disputas entre a corte austrasiana e a organização visigótica.

A utilização dos magnatas godos, em especial mais ao sul, foi foco de resistência frente à expansão de Leovigildo. Hermenegildo tinha a política do pai, legitimidade adquirida com o casamento e uma “conexão com Austrásia”. Quando finalmente converter-se do arianismo ao cristianismo católico, aproxima-se da aristocracia hispano-eclesiástica. O rompimento de Hermenegildo tem uma série de elementos próximos à política de Leovigildo: a autoproclamação, cunhagem de moedas, busca de acordos políticos além- reino.

Com a derrota de Hermenegildo e a posterior conversão de Recaredo, a conversão de Hermenegildo sumiu das documentações visigóticas. Seus dados aparecem em fontes indiretas, como em Gregório Magno, que exalta essa conversão.

O autor salienta a inserção do mundo visigótico nas relações mediterrâneas. Essas movimentações peninsulares vinham sendo acompanhadas atentamente pelo episcopado romano. Sem Justiniano, a expansão perde força. Os Lombardos chegam ao norte da Península Itálica. Bizâncio promete enviar tropas em apoio a Hermenegildo, homens que nunca chegaram. Leovigildo neutraliza o apoio franco com o acordo de casamento com a Nêustria. Depois de finalmente vencida a cidade de Mérida e com o exílio dos bispos, a revolta chegava próximo ao fim.

Em 586, Recaredo passa a ser o único monarca visigodo, aclamado e sem contestação. Será? Os capítulos quatro e cinco, interligados em seu sentido, tratam do governo e sua linha política para dialogar com a complexa estrutura aristocrática visigótica, culminando no III Concílio de Toledo.

Ainda sob a forte égide das guerras travadas e a desconfiança dos Dominus visigodos e Senatores hispano-romanos, Recaredo, no entanto, aposta em uma via de negociação: Gosvinta é acolhida na casa real; Masona, antigo bispo de Mérida, é reconduzido ao seu posto, e Leandro de Sevilha torna-se metropolitano do reino.

Por fim, tal como seu pai, convoca o Concílio em 589, mas, dessa vez, com a proposta de unificação religiosa pelo cristianismo niceno. As negociações são iniciadas em 587, com a proposta de manutenção do poder em troca da abjuração.

Neste processo, Recaredo teve de enfrentar resistências locais e negociar com seus vizinhos. Enfrentou, com isso, revoltas pontuais de bispos arianos que não aceitaram abjurar o arianismo. Nas regiões de Narbona, Toledo e Mérida, teve que exilar membros da aristocracia. Privilégios foram rediscutidos para tanto, e o III Concílio de Toledo é um híbrido de questões teológicas e políticas da formação proposta por Recaredo.

A complexidade da organização visigoda é o grande desafio enfrentado pelo monarca. Em todo o reino, o que se nota é uma série de poderes fáticos, poderes locais, sejam de caráter econômico, político, legislativo e eclesiástico.

As terras da Hispania pós-império são marcadas pelo domínio de grandes proprietários, magnatas, alguns com a alcunha de Senatores, inclusive com poder efetivo em grandes faixas de população.

A dinâmica econômica era de muitas trocas locais e pequenas, mas importantes, trocas de artigos luxuosos, que dependiam ainda do mediterrâneo ou das antigas estradas romanas. Esse modelo é anterior aos visigodos – destacado por Castellanos como um sistema pouco mudado com a presença dos godos na península.

As villae são integradas ao domínio ao sistema dos magnatas presentes em Narbona e no reino de Tolosa, tornando a sua liderança uma mistura de domini e potentes. Sua influência e administração giravam em torno dos pequenos núcleos urbanos que compunham a região, como se fossem prerrogativas do controle de faixas de campo.

Os domini no período de Recaredo, segundo documentação arqueológica, vinham em um crescente domínio de terras, tornando-se dominus maiores, pressupondo-se a idéia de um domínio central. O autor chama atenção para como núcleos hispano-romanos e visigodos ganham notoriedade em seu território de domínio, sendo, de fato, o único poder legítimo na região.

Os centros de característica urbanas mantiveram parte do sistema romano de cobrança. Estava sob seu controle a cobrança de impostos, os privilégios jurídicos e o trabalho com servos e escravos. Propriedades que oscilavam entre a pequena produção e espaços de importantes monoculturas tornaram-se centros da preocupação do monarca. Não à toa, leis e concílios versam sobre sua organização, no âmbito religioso ou laico.

Neste quadro, as cidades tinham dois grandes poderes, como revelam as vidas de santo escritas no reino visigodo: dos bispos, em que seus centos eram as basílicas, e os magnatas, na casa do dominus. Nesse aspecto de organização das cidades, Castellanos enfatiza que a arqueologia tem sido fundamental para a compreensão do papel das cidades visigóticas, uma vez que tem sido trazidos à tona novos e importantes prédios aparentemente com funções públicas, com base em tradicionais modelos romanos, e parte da tentativa estabelecer a ideia de um poder central.

A hipótese do autor é que a articulação feita por Recaredo entre esses poderes locais, em um pacto que teve como centro o III Concílio de Toledo, foi a busca de um interlocutor reconhecido pelos dominus e magnatas que, ao mesmo tempo, garante a legitimidade do poder eclesiástico, impedindo a aparição de outros interlocutores, combatendo igrejas particulares, judeus e formas que a igreja trata como paganismos.

O capítulo seis trata da forma como o reino pode ser convertido, realçando que não é só um ato de fé, mas um importante acordo político-cultural.

Ao se direcionar a estrutura da Eclésia católica, Castellanos ressalta que os combates teológicos que fizeram parte da construção da religião e no reino não foram diferentes. O histórico clerical peninsular fala de famílias episcopais, que disputaram espaços importantes e domínio de sedes. A tensão entre arianismo x nicenos, ou como usa o autor, católicos, era o coração destas disputas. Esse aspecto reforça uma das características da igreja peninsular: a intelectualidade.

O desafio de Recaredo era justamente por fim a este histórico de combates teológicos, travados muitas vezes em praça pública. Mais que isso, suplantar a desconfiança de que o sucessor da política de Leovigildo fosse um governo marcado pela perseguição e conversão forçada de católicos. Castellanos demonstra que a visão de grande perseguidor precisa ser relativizada, pois houve acordos com os católicos da Nêustria e a conservação de Igrejas Católicas e áreas recém vencidas pelos godos, como na Galiza e Narbona. A primeira voz de legitimidade parte de Tours, afirmando a conversão de Leovigildo no leito de morte e o papel de Leandro de Sevilha em conduzir a conversão do seu filho e de todo reino.

Em maio de 589, tem início o Concílio de Toledo. Mais que um ato isolado, é a celebração de um pacto com o conjunto aristocrático. Era a conversão pública e a integração da gens gothorum. O monarca abre o Concílio, como os imperadores romanos. O poder do rei é afirmado diante de bispos e magnatas: ser rei significa ganhar uma explicação divinizada. Sem mencionar os convertidos suevos, Recaredo afirma-se como criador de uma nova época.

Depois do tomus régio, inicia-se a abjuração do arianismo pelos bispos que o seguiam, que por essa profissão de fé, o rei se afirma como chefe legítimo político e religioso. As decisões do Concílio ganham peso de lei nas ordens do monarca. Após suas determinações, Leandro de Sevilha é encarregado de fechar com uma densa homilia.

Leandro era um bispo importante do sul peninsular, com relações com o mundo romano e bizantino. Fora um dos articuladores da revolta de Hermenegildo e do acordo com Recaredo. Sua homilia marca um posicionamento de altivez eclesiástica frente ao reino godo, pois reconhece o poder do monarca, assim como legitima sua existência. Recaredo usa Leandro em suas relações com o papa Gregório Magno, como revela a carta final do Concílio: um comunicado do rei ao papa sobre a vitória da fé nicena no reino visigodo e o retorno de Gregório ao mesmo monarca exaltando-o por seu interlocutor, Leandro de Sevilha.

Observa-se nos capítulos finais do livro que, por querer reforçar aspectos diferenciados do III Concílio, o autor acaba repetindo elementos presentes no restante da obra. Dessa forma, opta-se por salientar somente as que apresentam traços até então pouco explorados.

Em primeiro lugar, a continuidade da política pós-concílio. São celebrados mais seis em todo o reino visigodo, em sua maioria reafirmando as decisões conciliares, e principalmente constituindo uma coordenação eclesiástica. Nesse sentido, foi fortalecida a necessidade da educação e interação dos clérigos, incentivando a troca de cartas.

O reinado de Recaredo proporcionou um período de consolidação da organização eclesiástica, sem, no entanto, deixar de criar instrumentos de controle desta ação. Nomeação de cargos, funções, delimitação das propriedades e do número de servos da Igreja passam a ser assunto do monarca.

Nesse conjunto, não havia espaço para resistência. Bispos arianos que não aceitaram o novo modelo foram perseguidos, judeus passaram a ter sobre si leis mais rigorosas, além das fases de perseguição. Paganismos citadinos foram condenados e os campesinos passaram a ser um objetivo constante de pregação e conversão.

Outro elemento importante é a “política externa” de Recaredo em relação a Francos e Bizantinos. Primeiramente, recupera toda a dinastia merovíngia desde Clóvis e suas relações de casamento com a corte visigoda, sinalizando a multiplicidade que representa falarmos em reino Franco.

A crise do reinado de Recaredo se dá pelo seu casamento com a princesa da Nêustria, filha de Fredegunda, responsável pela morte da filha da rainha Gosvinta, Galsvinta. O casamento nunca chegou a acontecer – depois de humilhada com a morte de seu pai Chilperico, foi devolvida antes das bodas e rompe com a Nêustria.

Há tentativa de novas bodas, desta vez com Clodosvinda, unindo a Burgundia e a Austrásia, com aval e o dote de Brunequilda. O casamento é acertado; no entanto, as bodas também nunca acontecem, por conta de novas batalhas em Narbona. A única esposa conhecida de Recaredo é a nobre goda Badoo.

Seguindo a mesma fórmula, o autor faz um breve histórico sobre o Império Bizantino no século VII, retomando as relações com Gregório Magno e as influências bizantinas citadas nos demais capítulos.

A guisa de considerações finais, sigo a mesma linha de Castellanos ao construir a resenha desta obra, disponibilizando de maneira simples, porém sem abrir mão das linhas historiográficas mais recentes, os aspectos relacionados à transição entre a organização romana e o reino visigodo.

A obra apresenta um volume de dados e informações dos mais ricos, o que também se torna um dos seus pecados, pois na tentativa de tornar a obra mais palatável, o autor se perde em elementos de alcova, de dificílima abordagem em seu viés político e que mais parecem vãs tentativas de transformar a obra em algo interessante ao leitor não-acadêmico. Tal qual é sua justificativa inicial de buscar em Fernando, o Católico o indício do quão importante foi o reino visigodo para a compreensão da Spania, quiçá Espanha. Seu trabalho histórico e o cuidado na apresentação da obra superam estes argumentos tão frágeis.

Castellanos oferece uma obra que dialoga com as linhas arqueológicas, um viés teórico raro entre os autores que lidam com o período na Espanha, e uma fluência na construção do seu texto que o transforma em leitura obrigatória a qualquer pessoa que goste de história e queira compreender os elementos da passagem entre Antiguidade e Idade Média. Esse viés político está claramente inserido em uma esfera da chamada Nova História Política, em que o tempo todo são realçadas as relações e disputas pelo poder em seus diversos espaços, culturais, econômicos e sociais.

É também singular a preocupação de retirar o isolamento o reino visigodo em sua análise da conversão de Recaredo, sublinhando como a arquitetura política que culmina no III Concílio de Toledo é muito mais compreensível, se posta ao lado dos contextos sociopolíticos de Galias, Península Itálica e Constantinopla.

Um bom livro, rico, de autor bem informado, atuante e que nos dá a clara noção do quão complexo é o estudo da normatização dos reinos no século VI e VII.

Nota

2 A adoção do termo germano, por exemplo, considerado solução para a leitura destes povos, tem atualmente um certo tom de decepção. Foi fruto de uma construção do séc. XIX e XX, que buscavam a ideia de um magma germânico se espalhando pela Europa do século I – VI. O conceito de germano foi muito menos utilizado na Antiguidade Tardia do que posteriormente. De fato, são grupos que serão identificados como godos ou francos e a idéia de gens gothorum, por exemplo, vem da organização, coesão e identidade política.


Resenhista

Rodrigo Rainha – Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: grandehistoria@bol.com.br


Referências desta Resenha

CASTELLANOS, Santiago. Los Godos y La Cruz: Recaredo y la unidad de Spania. Madrid: Alianza, 2007. Resenha de: RAINHA, Rodrigo. Signum- Revista da ABREM, v. 12, n. 1, p.176-184, 2011. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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