A 16ª edição da revista Temporalidades traz o dossiê “Linguagens, artes e política: interseções”, com a finalidade de contribuir para um profícuo debate acerca do tema e colocar em destaque propostas metodológicas e reflexões teóricas ligadas à arte e à política em interface com a história. A escrita da história está em constante movimento e se adaptando às “demandas” e transformações do seu tempo. A introdução de novos temas, novos objetos e o uso de novas fontes, permitiu aos historiadores a construção de novas metodologias de investigação histórica e novos métodos de produção do conhecimento. O alargamento do caráter interdisciplinar – ou a aproximação com outras áreas do saber – permitiu ao historiador aprimorar ainda mais a produção historiográfica. O presente dossiê, nessa perspectiva, coloca em destaque uma multiplicidade de análises e de fontes a “serviço” da escrita da história e amplia o entrecruzamento de temas, ideias e fronteiras. O dossiê apresenta, em suma, uma pluralidade de enfoques e diversidade de aparatos conceituais nos artigos que o integram.
O uso de diferentes linguagens como fonte histórica é o ponto de interseção entre os artigos que compõem o dossiê. A linguagem – um termo polissêmico, definido e discutido em vários campos do saber – pode ser compreendida como um conjunto específico e abrangente de signos que contem uma mensagem. Assim, podemos afirmar que as diversas formas de arte, que são manifestações de linguagens, como a literatura, o ensaio, a música, o cinema e as artes plásticas e performáticas transmitem, com linguagens que lhes são próprias, uma mensagem ou mensagens ao seu receptor, ao seu público ao seu intérprete.
A arte expressa diferentes manifestações – das mais clássicas às mais vanguardistas – e expressões culturais de uma época. Formas de arte como o teatro, a música, a literatura, o cinema, podem traduzir tanto situações comuns do cotidiano quanto relações de poder e dominação e formas de organização política e também ideias, resistências e contestações. Em grande medida, as diversas manifestações de arte são dotadas de um sentido político. São incontáveis na história os exemplos de manifestações políticas através da arte, o que torna perfeitamente legítimo que o historiador faça, em suas pesquisas e reflexões, relações entre arte e política.
Ao utilizar as linguagens artísticas como fonte e relaciona-las com a política, como demostram os artigos do dossiê, o historiador não pode se furtar da análise estética como também não se deve restringir a análise da arte somente à sua estrutura e forma, é necessário abranger outros aspectos que se articulam e se complementam, como, por exemplo, a análise contextual. As linguagens artísticas estão inseridas e são produzidas em determinados contextos sociais. Por isso, interessa, sobremaneira, ao historiador, compreender de forma mais abrangente a sociedade em que as linguagens foram criadas, seus valores, costumes e o papel de quem as produziu. Enfim, importa ao historiador conjugar a análise estética com a análise histórica.
O dossiê é formado por nove artigos e uma entrevista. No primeiro artigo, “Por uma história do conceito de ‘barroco’: entre a arte, a identidade e outras representações coloniais”, Bruce Souza Portes, a partir dos aportes teóricos da nova história cultural e da história dos conceitos, traça e reflete sobre a trajetória do conceito de barroco com o intuito de mostrar como o termo passa por transformações e variações semânticas de acordo com os usos e apropriações que se fazem dele ao longo do tempo. Com um recorte abrangente, que vai do século XVIII à contemporaneidade, o autor estabelece relações entre as transformações do conceito de barroco com importantes transformações sociais, políticas, culturais e econômicas operadas na Europa Ocidental e na América Latina, principalmente no Brasil e em Minas Gerais.
Com o artigo “A arte teatral do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, 1961-1964”, Carla Michele Ramos analisa, em estreito diálogo com a arte engajada e revolucionária, as atividades do setor teatral do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), e também as concepções da entidade sobre a função da arte e do papel político do teatro. A autora mostra que o CPC da UNE surge de um processo de renovação do teatro brasileiro e das contradições econômicas e políticas do período em análise. Além disso, reflete sobre o papel que a entidade desenvolve ao fomentar um amplo debate sobre a cultura nacional e a cultura popular que alimentam suas campanhas anti-imperialistas entre 1961 e 1964.
“Corpos que escrevem: vivências e práticas históricas a partir dos lugares textuais em Guimarães Rosa” é o título do artigo de Danilo Almeida Patrício, no qual analisa a obra Corpo de Baile (1956) de João Guimarães Rosa, colocando-a em diálogo com as entrevistas e correspondências do escritor mineiro. Trabalhando na interface da história com a literatura, o autor do artigo propõe uma chave interpretativa para a obra roseana: conceber a produção literária constituída de práticas históricas. A partir de então, Danilo Almeida Patrício reflete sobre as experiências dos sertões brasileiros por meio, principalmente, dos personagens “os pobres do mato”, sem deixar de dialogar com o contexto de escrita da obra Corpo de Baile.
Analisar o pensamento autoritário entre os militares durante a década de 1930 por meio da revista A Defesa Nacional, criada em 1913, é o desafio proposto pelos autores Fernanda de Santos Nascimento e Antônio Manoel Elíbio Júnior no artigo “A revista A Defesa Nacional: o autoritarismo, os intelectuais e os militares no Governo Vargas (1930-1937)”. O objetivo central do artigo é refletir sobre como a revista se constitui em importante espaço e veículo de discussão de assuntos militares e políticos destinados à oficialidade do Exército brasileiro no período de 1930 a 1937. Os autores mostram como muitos dos textos publicados na revista expressam críticas ao liberalismo e ao comunismo e defendem ideias autoritárias e centralizadoras.
No artigo “Gloriosa conquista ou cruel destruição? A Grande Guerra (1914-1918) representada em cartões-postais alemães e franceses”, Marco Antonio Stancik analisa as representações iconográficas de temáticas associadas à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) veiculadas por cartões-postais produzidos na Alemanha e França durante o conflito. Os postais são analisados como portadores de memórias e recordações que não deixam no esquecimento acontecimentos da Grande Guerra. De conteúdo fortemente patriótico e belicoso, os cartões-postais produzidos no período, segundo o autor, nos colocam “em contato com pequenos fragmentos dos imaginários coletivos que orientavam a construção daquelas formas de representação de si, bem como do inimigo – fosse ele alemão ou francês –; do grande conflito”.
Os aspectos da experiência estética do simbolismo na literatura brasileira de fins do século XIX são analisados no artigo “A experiência estética e política da geração simbolista no Brasil finissecular”, de Mariana Albuquerque Gomes. A autora, a partir de reflexões sobre a modernidade, mostra o diálogo da geração finissecular no Brasil com o simbolismo e analisa aspectos da configuração da modernidade por meio das relações entre estética e política e entre cultura e poder. Considerando as especificidades do caso brasileiro, a autora apresenta uma reflexão sobre a modernidade por meio de narrativas literárias e os espaços de sociabilidade nos quais estavam inseridos os literatos e “reconstitui”, do ponto de vista dos espaços de produção cultural, parte da “dinâmica social e histórica oitocentista”.
A autora Priscilla Perrud Silva, no artigo “‘É chegada a hora de escrever e cantar, talvez, as derradeiras noites de luar: leituras sobre a Corrida Espacial na canção brasileira,” traz uma reflexão sobre o potencial da produção musical como fonte para a pesquisa histórica e, consequentemente, contribui para alargar a discussão teórico-metodológica sobre o assunto. O objetivo central do artigo é analisar como alguns artistas e compositores brasileiros representam a Corrida Espacial, no contexto de Guerra Fria, em suas canções.
No artigo “Letras, suor e cerveja: o literato na prosa de Arthur Engrácio”, Vinicius Alves do Amaral analisa a obra do escritor Arthur Engrácio, um importante representante da literatura amazonense. Reflete em especial sobre os contos e os ensaios produzidos nas décadas de 1970 e 1980, nos quais o escritor denuncia “a precária condição do universo artístico em Manaus” e apresenta propostas possíveis para mudar tal cenário. Além disso, analisa a trajetória intelectual de Arthur Engrácio, marcada por ambiguidades, e o insere no movimento de renovação artística regional conhecido como Clube da Madrugada.
O dossiê ainda abre espaço para receber com grande satisfação a entrevista realizada com a argentina, radicada no México, Liliana Weinberg. Ensaísta, crítica literária e editora, ela atua como pesquisadora vinculada à Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Sua produção vincula-se, em grande medida, à teoria do ensaio e ao estudo dos gêneros discursivos em sua relação com a história da cultura e a história intelectual. É autora de destacados livros dedicados ao ensaio, assim como de numerosos artigos sobre as temáticas acima apontadas. A entrevista girou em torno de sua produção ensaística e de suas pesquisas e de como ela compreende as relações entre arte e produção do conhecimento, entre ensaio e ficção e entre literatura e história, e também sobre a importância da história intelectual.
Para finalizar, agradecemos a todos os que colaboraram com a viabilização do dossiê e salientamos que nosso intuito foi o de despertar inquietações para além das fórmulas já consagradas de pensar as interações entre história, arte e política. Esperamos que a leitura dos textos que compõem a presente edição possibilite reflexões enriquecedoras para a construção de novos conhecimentos e a ampliação dos debates sobre o tema.
Adriane Vidal Costa – Professora Adjunta do Departamento de História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais.
COSTA, Adriane Vidal. Apresentação. Temporalidades. Belo Horizonte, v.7, n.1, Jan./abr. 2015. Acessar publicação original [DR]
Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…
Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…
Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…
This website uses cookies.