Leituras de Áfricas: epistemologias, ancestralidades, corporiedades e processos educativos em tempos pandêmicos | Perspectivas e Diálogos: Revista de História Social e Práticas de Ensino | 2021
2021 foi um ano de muitos enfrentamentos. Até o momento, 619.065 mil pessoas morreram de COVID-19. Um número assustador e motivo de indignação em qualquer país. O Brasil, no entanto, não se configura como qualquer país. Todo e qualquer indicador social necessita ser atravessado pela questão étnica e de gênero para se atingir as camadas mais profundas da realidade e o problema ser desnudado.
Estudo realizado pela Rede de Pesquisa Solidária (Jornal da USP, 2021) apontou que as desigualdades raciais e de gênero aumentam a mortalidade da COVID-19 no mesmo grupo ocupacional, sendo que as mulheres negras morrem mais que homens negros, homens brancos e mulheres brancas na base do mercado de trabalho.
As agências oficiais confirmam esses dados e mostram que, na faixa etária de 0 a 69 anos, pessoas pretas e pardas morreram mais de COVID-19 que pessoas brancas (Agência IBGE, 2021). Desconsiderando a ocupação, as informações registradas no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, registram que os homens negros e pardos morreram mais de COVID-19, sendo 28,7% a mais que homens brancos.
Outro fator de enfrentamento no ano que se finda e que impactou diariamente a vida de centenas de famílias e a nossa dignidade enquanto nação consistiu na violência contra a juventude. Segundo o Atlas da Violência (IPEA, 2021), a principal causa de morte dos jovens no Brasil é a violência. A Bahia apresenta a segunda maior taxa de homicídios de jovens no Brasil. Nosso estado também ocupa lugar de destaque em relação à violência contra a mulher. Estamos entre os sete estados da federação que apresentam as piores taxas de homicídio de mulheres.
Esses dados, no entanto, atravessados pela questão étnica, tornam-se reveladores do racismo estrutural em que a população do Brasil, e em especial da Bahia, está submetida. O estudo do IPEA apontou que para o Brasil a taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior em relação a pessoas não negras. A Bahia apresenta a quarta pior taxa de homicídio de negros, sendo que 94% das pessoas assassinadas no ano de 2019 eram pretas ou pardas.
O caso dos assassinatos dos oito ciganos, membros de uma mesma família, em Vitória da Conquista, sugere o enraizamento do racismo institucional dentro do Estado e a violência policial como uma ferramenta de eliminação de corpos indesejados.
A desigualdade social, étnica e de gênero vivenciada há décadas pela população brasileira, exposta flagrantemente pela pandemia e acentuada diante da ausência de políticas públicas por parte do governo federal desde 2017, impeliram o COLETIVO LEITURAS DE ÁFRICAS a tornar 2021 um ano NEGRO.
Entre maio e dezembro, realizamos 15 lives com temáticas provocantes e reflexivas sobre questões (não) enfrentadas pela sociedade. Foram 75 pessoas, de diferentes instituições e grupos de pesquisa envolvidos diretamente na transmissão de resultados de investigações envolvendo memória, patrimônio, intelectualidade, literatura, maçonaria, estética, afrofuturismo, advocacia, capoeira, livro didático, corporeidade, filosofia, inclusão, infâncias e teatro. O debate foi garantido com cerca de 3.000 mil visualizações e muitas interrogações via chat.
O dossiê Leituras de Áfricas: epistemologias, ancestralidades, corporiedades e processos educativos em tempos pandêmicos proposto para encerrar a edição de 2021 da Revista do NHIPE reúne oito textos que representam parte do debate realizado ao longo do ano nessas quinze lives. São artigos potentes, que lançam para a discussão temas pouco abordados.
Abrindo o Dossiê, Érica de Souza Oliveira, em Carolina de Jesus, intelectualorgânica e preta, apresenta o discurso transgressor sobre a realidade das mulheres negras da intelectual Carolina de Jesus e convida o(a) leitor(a) para pensar as possibilidades de trajetórias que insurgem via literatura. Depois, em Línguas clássicas: é possível afirmar sua existência no Brasil?, Ricardo Tupiniquim Ramos estimula um debate acerca da caracterização clássica das línguas faladas em diferentes partes do mundo e afirma, com base em critérios sociolinguísticos, que as línguas litúrgicas do Candomblé no Brasil são clássicas. O terceiro artigo, de autoria de Lorena Oliveira Tavares, Da representação à autorepresentação de corpos ciganos na literatura, analisa a partir da obra “El aliento negro de los romaníes”, de Jorge Nedich, a representação dos povos romà como uma forma de invisibilização e afirmação identitária. No quarto artigo, Jaqueline Santana Nascimento e Louise Prado Alfonso, em Reconhecimento e certificação de comunidades quilombolas: possibilidades e contribuições da arqueologia, oferecem ao(à) leitora informações essenciais sobre a atuação dos/as profissionais da arqueologia junto às comunidades quilombolas para se alcançar a certificação e reconhecimento à Fundação Cultural Palmares e, consequentemente, a conquista de direitos e serviços essenciais. No quinto artigo, Invisibilização e estereotipia: representações dos povos indígenas no livro didático e na formação do professor de história, as autoras Valdeiza Teixeira Castro e Luciana Oliveira Correia abordam as representações dos povos indígenas nos livros didáticos e a ausência de um currículo formativo na Licenciatura em História que prepare os futuros professores. Em Notas sobre branquitude, privilégios e negação do racismo, sexto artigo, Laisla Suelen Miranda Rocha e João Francisco dos Santos abordam a branquitude brasileira e como a falta de racialização do grupo branca contribui para a manutenção de privilégios. Graciela Castro Matos e Antonieta Miguel assinam o sétimo artigo, intitulado Intelectuais negros na República; ascensão social a partir da profissão docente (1889-1930), que apresenta a trajetória de Alfredo José da Silva, Raquel Pereira e Francisco José Santana, que buscaram na formação do magistério a possibilidade de ascender socialmente e atuar como intelectuais nas localidades que lecionavam. Por fim, o último artigo, Francolino Neto: “o Ilustre Filho” e intelectual negro do sul baiano, de autoria de João José dos Santos e Fabrícia dos Santos Dantas, oferece ao (à) leitor (a) a biografia de outro professor negro, Francolino Neto, da Universidade Estadual de Santa Cruz e intelectual atuante nos espaços de poder.
Boa leitura e ótimas reflexões!!!
Organizadores
Antonieta Miguel – Pós-doutoranda no Programa em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas – UFRB. Doutora em Educação pelo programa Educação e Contemporaneidade PPGEduC/UNEB. Possui graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (1991) especialização em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e mestrado em História pela Universidade Federal da Bahia (2000). Professora assistente da Universidade do Estado da Bahia – Campus VI, atuando como docente na graduação, Mestrado Profissional em Ensino, Linguagem e Sociedade – PPGELS e no Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória/UNEB; Líder do Grupo de Pesquisa Memória da Educação na Bahia UNEB/CNPQ.
Marise Santana
Ricardo Tupiniquim Ramos – Doutor (2008) e Mestre (1999) em Letras e Linguística pela UFBA. Licenciado em Letras Vernáculas com Inglês pela UCSal (1997). Professor-Assistente da UNEB. Sócio do IGHBA. Vice-Diretor de Publicações do CiFEFiL. Militante indígena e apoiador das causas negra, cigana, palestina, feminista e LGBTQIA+. Poeta, contista, cronista.
Referências desta apresentação
MIGUEL, Antonieta; SANTANA, Marise; RAMOS, Ricardo Tupiniquim. Apresentação. Perspectivas e Diálogos: Revista de História Social e Práticas de Ensino, v. 2, n. 8, p. 11-13, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]