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Las Mujeres de X’Oyep – TRONCOSO (RTF)

TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep. México: Conaculta; Cenart; Centro de la Imagen, 2013. (Colección Ensayos sobre Fotografía). Resenha de: ALCÂNTARA, Mauro Henrique Miranda. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 9, n. 2, jul.-dez., 2016.

Alberto Del Castillo Troncoso na obra Las Mujeres de X’Oyep, teve como principal objetivo realizar uma leitura histórica da fotografia tirada por Pedro Valtierra, na localidade de X’Oyep, no México, em 3 de janeiro de 1998. Região próxima ao cenário de uma chacina, ocasionada pela repressão do exército mexicano ao movimento zapatista. O evento ficou conhecido como La matanza de Acteal.

A prestigiada fotografia tirada por Valtierra, retrata o avanço de uma jovem e pequena mulher da etnia tzotzil, habitante de X’oyep, contra um militar armado com um fuzil AR-15, arma esta que, pela perspectiva da imagem, aparenta ser maior que a menina. O militar parece estar assustado com tal avanço. Ao fundo é possível ver outras mulheres e soldados, agitados, parecendo estarem também em confronto.

Essa fotografia, primeiramente publicada pelo Jornal La Jornada na manhã seguinte aos acontecimentos, posteriormente publicada em outros periódicos e revistas, tanto do México como de outros países, teve ampla repercussão e passou a ser ícone do movimento zapatista, e a partir daí um objeto aberto a disputas e interpretações. Ter ganho o prêmio de Jornalismo Rei da Espanha, potencializou o aspecto simbólico dessa imagem, e o seu poder de construção de um significado histórico.

Diante dessa repercussão, e das diversas leituras sobre essa fotografia, Alberto del Castillo Troncoso, enveredou-se na trajetória da produção, circulação, interpretação, significação e ressignificação dessa fotografia que se transformara em ícone de um período e de uma luta histórica.

Sua obra, portanto, busca apresentar uma leitura histórica dessa imagem, descrevendo a trajetória dos fotógrafos e jornalistas até o palco dos acontecimentos, realizando uma “leitura iconográfica” da fotografia, analisando o ponto de vista dos editores e a cobertura dos jornais, principalmente o La Jornada, da foto e do evento retratado por ela. Alberto del Castillo verificou também, os usos e recepções da imagem e a narrativa dos jornalistas, fotógrafos e editores envolvidos com a produção e publicação da fotografia.

O historiador mexicano utiliza-se de entrevistas realizadas com os envolvidos na trajetória da fotografia, para construção de sua obra. Importante frisar que os depoimentos recolhidos junto aos fotógrafos, jornalistas e outros envolvidos, são analisados e problematizados.

Além desse material, Troncoso utiliza de jornais e revistas que publicaram fotos sobre o episódio ou sobre os movimentos indígenas e zapatistas, para verificar a recepção e os usos dessa fotografia. Realiza também uma breve análise estética da fotografia protagonista e também de outras tiradas no evento ou em outros momentos. Por fim, Alberto de Castillo em uma atividade ao mesmo tempo de historiador e de antropólogo, vai até X’Oyep, e descreve o cenário que encontrou lá quinze anos depois, e a relação que os habitantes da localidade possuem com a famosa fotografia.

No primeiro capítulo da obra, La difusión del zapatismo y la masacre de Acteal, Alberto del Castillo Troncoso perfaz o caminho histórico para que a fotografia tirada por Pedro Valtierra pudesse ser produzida naquele lugar e data. Ele descreve, logo no início, que houvera um avanço do movimento zapatista na década de 1990, buscando conquistas sociais para os campesinos e para a cultura indígena. No entanto, essa movimentação gerou tensão entre as atividades zapatistas e o governo mexicano, resultando na militarização da região de atuação dos zapatistas.

O historiador insere diversas fotografias, manchetes e recortes de jornais, apresentando os diversos discursos e representações sobre essa situação vivida e vivenciada pelas comunidades indígenas no Estado de Chiapas. Utilizar essas fontes, foi uma forma encontrado por Troncoso para poder apresentar tanto o contexto histórico dos eventos presenciados pelos fotógrafos em X’Oyep, quanto apresentar as intencionalidades destes ao percorrerem árduos trajetos para cobrir jornalisticamente os acontecimentos.

Se o historiador tivesse apresentado uma contextualização historiográfica dos movimentos campesinos mexicanos na década de 1990, teria enriquecido a sua obra, favorecendo uma maior compreensão dos acontecimentos em janeiro de 1998 na localidade de X’Oyep.

No capítulo seguinte, Crónica de un registro fotográfico, Alberto del Castillo descreve o contexto imediato da produção fotográfica encabeçada por Pedro Valtierra. Descreve minuciosamente a região de X’Oyep, inclusive, apresentando um mapa para que o leitor se situe geograficamente. Assim como no capítulo anterior, várias fotografias são utilizadas para representar o ambiente encontrado e representado pelos jornalistas na localidade. Outra estratégia utilizada por Troncoso para narrar sobre a trajetória da famosa fotografia tirada por Pedro Valtierra, apresenta-se nesse capítulo: os relatos orais.

Através dos relatos dos jornalistas Juan Balboa e Pedro Valtierra, o historiador descreve o período anterior a chegada deles na localidade de X’Oyep, as atividades que eles estavam realizando até então, como foi o envio deles para a região, a dificuldade do caminho, os preparativos, as surpresas, os temores e até mesmo o papel que eles tiveram direta ou indiretamente no palco dos acontecimentos.

Ao final do capítulo, Alberto del Castillo descreve o que ele chama de algumas “pistas” para realizar a leitura das imagens. Sinteticamente, ele argumenta que vários fatores precisam ser levados em conta para compreender/entender o resultado do trabalho dos jornalistas: a dificuldade encontrada para a realização das fotos; o currículo profissional do Pedro Valtierra facilitou para que ele pudesse estar à frente dos acontecimentos, antes de outros meios de comunicação; a reciprocidade entre os jornalistas e os indígenas, pois estes tinham interesse em verem suas demandas circulando na imprensa, para pressionar o governo, e Valtierra tinha interesse na exclusividade, ou ao menos, no pioneirismo jornalístico dos eventos; e por fim, a presença dos jornalistas que inibiu as ações dos militares na localidade.1 O capítulo “Del revelado a la edición periodística” descreve o processo da revelação das fotografias, ou melhor, da fotografia, tirada por Valtierra e sua publicação no La Jornada. No entanto, não se trata de mera descrição do processo de revelação, escolha, envio, recebimento na edição do jornal, sua publicação e circulação. Troncoso, no final do capítulo, deixa claro que: A publicação da foto na primeira página do diário não se limita na tradução em imagens de uma informação jornalística, e sim na contribuição da construção de um relato que gerou o início de uma iconografia sempre sujeita a debate.2 Para o historiador mexicano, o processo pelo qual passou a imagem, desde a sua tirada até a sua publicação, apresentou uma interpretação dos fatos ocorridos na localidade de X’Oyep. E por isso, essa mesma imagem foi objeto de reinterpretações e ressignificações, tanto pela imprensa, quanto pelos atores envolvidos diretamente: os indígenas e até mesmo o governo mexicano.

Neste capítulo Alberto del Castillo realiza análises estéticas, tanto da foto, quanto dos negativos de Pedro Valtierra. Ele verifica que os negativos apresentam uma narrativa dos acontecimentos, apresentando-os de forma serial, quase em movimento. Também se atém na análise da fotografia mais famosa, escolhida para estampar a capa do jornal La Jornada no dia posterior ao evento ocorrido em X’Oyep. Ele detecta que a experiência profissional do fotógrafo, o favoreceu para capturar o melhor ângulo e melhor perspectiva da situação vivenciada na localidade. A análise sobre os negativos, permitiu Troncoso afirmar essa perspectiva. Porém, mais uma vez, o historiador reafirma que essa mesma experiência do fotógrafo o favoreceu a capturar tal imagem, por provocar diferentes reações, tanto dos militares, quanto dos indígenas, como também “peso para que a divulgação jornalística da imagem se realizasse nas melhores condições possíveis e contribuiu de maneira substancial para a construção de uma plataforma midiática para a foto”.3 O capítulo seguinte, Historia de un ícono, é destinado a apresentar a mudança da fotografia, de uma imagem reproduzida na capa de jornais e revistas, para a sua transformação em um ícone, sendo reinterpretada diversas vezes e representando muito mais que um momento vivido, experimentado, mas tomando dimensões históricas e memorialísticas sobre o episódio vivenciado em X’Oyep. A fotografia tomou dimensão de um ícone, que para Troncoso, se tornou no mais importante “da luta indígena e do movimento zapatista”.4 A imagem ganhou reconhecimento internacional, ao ser prestigiada com o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha, promovido pela Agência EFE e Agência Espanhola de Cooperação Internacional.

Novas entrevistas são apresentadas neste capítulo. Elas são utilizadas para apresentar as diferentes representações que foram realizadas da mesma imagem. Troncoso analisa também a publicação da fotografia em outros periódicos e constatou que de principal ícone de luta dos indígenas e do movimento zapatista, essa imagem ganhou até mesmo a interpretação de ser uma “prova documental da legitimidade do Estado e da tolerância e equanimidade do exército mexicano”.5 O historiador descreve que a foto passou a ser a síntese de um momento histórico vivido no México, sendo interpretada de diferentes maneiras, ou melhor, da maneira que os atores tinham interesse em interpretá-la. Mas o mais importante, ela não podia ser negligenciada, esquecida, pois se transformou em um ícone importante do momento vivido. Ela foi lida e relida no México e no mundo. Além da constatação da luta indígena, ou da prova da tolerância do exército, a imagem foi representada como a defesa da preservação ambiental, por parte dos indígenas e também interpretada como o avanço neoliberal, que acaba por não valorizar ou assegurar os direitos políticos, culturais e sociais dos habitantes da localidade. Até mesmo o subcomandante Marcos, líder do campesinato no México, apresenta uma interpretação da fotografia: ela seria a síntese do movimento zapatista. Como escreve Alberto del Castillo, essa imagem resulta em uma “rede de leituras e interpretações” quase infinita.6 No derradeiro capítulo, X’Oyep, a 15 años de distancia, Alberto del Castillo Troncoso, viaja até a localidade de X’Oyep e vai em busca de compreender as consequências das lutas travadas no momento em que foi tirada a famosa foto. Desde o início o historiador detectou a dificuldade de chegar até o local. Ainda hoje, de difícil acesso.

Ao chegar, constatou a árdua e pobre realidade dos poucos habitantes que ainda residem ali. Em X’Oyep, Troncoso entrevistou Antonio López, testemunhos dos conflitos entre o exército e a população indígena em janeiro de 1998. Apesar de frutífera, o que mais chamou atenção do historiador, foi um desenho que ele encontrou em uma pequena casa. Tratava-se da representação em um desenho de conotações infantis, da famosa fotografia tirada por Valtierra: A minha frente estava uma pintura, realizada com traços aparentemente infantis, que reproduzia, de maneira muito próxima, a famosa fotografia de Valtierra, embora tenha inserido elementos procedentes, talvez, do relato de Balboa, como a presença de um helicóptero no centro, e outros, sem dúvida, fruto da imaginação do próprio autor da obra, como um grupo de abelhas sobrevoando a cena e um monumento com uma cruz, representando talvez as almas de Acteal, e finalmente, na margem inferior direita e muito pouco visível, um grupo de zapatistas enfunados em suas casamatas e escondendo-se na selva. Ao lado, em uma pequena folha, se informava sobre os nomes do acampamento e as comunidades formadas pelas 1190 pessoas deslocadas que haviam vivido em X’Oyep.7 O espanto do historiador foi grande com essa representação. Neste momento ele constatou que a fotografia havia se transformado em um ícone, podemos afirmar, que um ícone mítico, que representa um período grandioso, vivenciado e vencido, e sempre relembrado, tal qual no desenho, como um momento único. Troncoso descreve que a fotografia se transformou, nessa localidade, em um ex-voto, uma fábula popular, com conotações mágico-religiosas.8 Por fim, Alberto del Castillo apresenta a importância da fotografia como documento histórico. Melhor seria dizer, que pare ele, as fotografias possuem uma grafia histórica, tão autêntica e carregada de valores e símbolos, como a escrita. O percurso que o historiador mexicano faz nesse livro, nos demonstra essa importância. Ele apresenta o quão importante é a fotografia para história, mas não somente suas características estéticas ou suas condições de produção, mas tudo que a envolve desde a chegada do fotógrafo no local até a circulação e representações que perfaz a trajetória de uma fotografia.

Por se tratar de um ensaio, como o próprio Troncoso descreve, não há maiores informações historiográficas sobre o episódio vivido em X’Oyep. Portanto, pensamos que essa obra possuí uma importante contribuição para os historiadores, se tomada como um exemplar riquíssimo em informações e metodologias, para se pesquisar e investigar a fotografia como documento histórico. Talvez essa seja a maior contribuição deixada por Alberto del Castillo Troncoso. E ainda podemos ler e compreender melhor a vida dos indígenas e dos campesinos no México e a suas históricas e importantes lutas.

Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep. México

1 TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep. México: Conaculta; Cenart; Centro de la Imagen, 2013. (Colección Ensayos sobre Fotografía).

2 Ibidem, p. 83. Todos os fragmentos citados diretamente da obra foram traduzidos para o português, livremente.

3 TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep, Op. cit., p. 79.

4 Ibidem, p. 85.

5 Ibidem, p. 89

6 Ibidem, p. 101.

7 TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep , Op. cit ., p. 108.

8 Ibidem.

Mauro Henrique Miranda de Alcântara – Mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Professor do Instituto Federal de Rondônia. Correspondência: Rod. RO 399, km 5, Zona Rural Colorado do Oeste – Rondônia – Brasil. Caixa Postal 51. CEP: 76993-000 E-mail : alcantara.mauro@gmail.com.

Itamar Freitas

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