La palabra y el puño: perfiles de la retórica nazista en el Mein Kampf de Adolfo Hitler – RAMÍREZ VIDAL (B-RED)

RAMÍREZ VIDAL, Gerardo. La palabra y el puño: perfiles de la retórica nazista en el Mein Kampf de Adolfo Hitler [A palavra e o punho: perfis da retórica nazista no Mein Kampf de Adolfo Hitler]. México D.F.: Instituto de Investigaciones Filológicas, Universidad Nacional Autónoma de México, 2013. 152 p. [Colección de Bolsillo; 40]. Resenha de: VITALE, Maria Alejandra. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.10 n.2 São Paulo May/Aug. 2015.

“Palabra y puño” [Palavra e punho] são dois signos que, no título da obra resenhada, funcionam como equivalentes e remetem, por isso, à concepção retórica da palavra como uma arma na vida político-social1, ao mesmo tempo em que sintetizam o vínculo indissolúvel que o discurso e a violência estabeleceram na retórica nazista. A dedicatória do livro é outro paratexto chave, permitindo compreender o interesse do autor em relação ao tema estudado e a sua pertinência para os leitores mexicanos, particularmente, e latino-americanos, em geral: “Àqueles que com coragem e perseverança têm lutado contra a ditadura priista”2. Gerardo Ramírez Vidal, doutor em Línguas Clássicas pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e pesquisador do Centro de Estudos Clássicos do Instituto de Pesquisas Filológicas da mencionada Universidade, não compara, claro, o PRI (Partido Revolucionário Institucional) com o regime nazista. A finalidade da dedicatória é orientar a leitura do seu livro para que os destinatários vinculem determinadas características daquilo que o autor denomina “retórica autoritária”, analisada em Mein Kampf, com a retórica do PRI, concebido, como é feito pelas organizações civis de esquerda do seu país, como uma ditadura. Esse compromisso de Ramírez Vidal com a realidade sociopolítica do seu tempo e com a atualidade da Retórica tem-se plasmado também em seu constante trabalho para constituir e consolidar associações de Retórica que reúnem acadêmicos da América Latina e da Ibero América. De fato, Ramírez Vidal assumiu o cargo de primeiro presidente da Associação Latino-america de Retórica e da Associação Mexicana de Retórica e atualmente preside a Organização Ibero-americana de Retórica.

Ramírez Vidal aborda Mein Kampf a partir de uma ideia muito atrativa: considera-a “un ars rhetorica sui generis“, i.e., um “manual” ou “tratado” prático de retórica “que poderia oferecer aos eventuais divulgadores do nazismo, e não só aos dirigentes da organização partidária, uma série de elementos técnicos que lhes permitiriam difundir, de modo eficaz, a ideologia do autor” (p.14)3. Fiel seguidor de Aristóteles, para quem a Retórica é amoral, servindo tanto para o bem quanto para o mal, nosso autor parte da questão sobre a eficiência do texto de Adolf Hitler e não de suposições axiológicas ou normativas.

O livro realiza uma rigorosa análise retórica de Mein Kampf, chamando a atenção os profundos conhecimentos que Ramírez Vidal possui sobre a Retórica. O autor explica as noções retóricas que usa, porém evita as citações eruditas, o que agiliza a leitura e constitui um indício de que o texto não se dirige apenas a especialistas na área. La palabra y el puño possui, de fato, uma função didática que se sustenta na proposta de que a Retórica possui um valor essencial na formação dos cidadãos e na vida cívica própria da democracia.

La palabra y el puño se compõe de uma Introdução, dois capítulos com subseções e as conclusões. A Introdução inclui o estado da arte, e nela Ramírez Vidal sintetiza os principais estudos prévios sobre as habilidades oratórias de Hitler e sobre Mein Kampf, expõe o eixo de sua leitura – o texto funcionou como um “manual prático” de retórica – e resume o conteúdo dos capítulos.

O capítulo 1, intitulado Mein Kampf, concentra-se, em sua primeira seção, nos aspectos de caráter macrorretórico (termo retirado de Livio Rossetti)4, isto é, a finalidade da obra, os destinatários e as circunstâncias do tempo e do espaço em que foi elaborada, aspectos a que Hitler se adequou de forma exitosa. A partir de abundante bibliografia clássica e atual, Ramírez Vidal refere-se, assim, às condições econômicas desfavoráveis da Alemanha após o Tratado de Versalhes, o Putsch de Münich dos dias 8 e 9 de novembro de 1923, à posterior prisão de Hitler – que implicou sua “conversão” ao “haver-se transformado no verdadeiro enviado que haveria de salvar a Alemanha” (p.28)5, à ascensão do Partido Nazista e à própria história de Mein Kampf. Texto em dois volumes, o primeiro foi escrito no presídio de Landsberg, em 1924; foi posteriormente corrigido e reescrito por diversas pessoas e publicado em 1925. O segundo volume foi escrito já fora da prisão e publicado em 1926; em 1930, publicou-se a obra pela primeira vez em um volume só.

Ramírez Vidal retoma o termo kairós, momento oportuno que propicia ou determina uma ação. Em relação a Mein Kampf, o primeiro momento oportuno foi o prestígio conquistado por Hitler devido ao seu encarceramento e à publicação desta obra e o segundo, a falência alemã devida à grande depressão de 1930 e 1933, que fez de Hilter “um dirigente nacional e um mito da direita alemã” (p.34)6.

A segunda parte do capítulo 1 expõe o acesso à obra (accessus ad operam), extremamente fundamental para demarcar a finalidade (telos, finis). A finalidade de Mein Kampf é oferecer aos seguidores do movimento nacional-socialista uma série de princípios fundamentais que deveriam adotar em seu trabalho propagandístico. Para atingir essa meta, Hitler recorre ao procedimento denominado paradigma, porque os seguidores entenderiam, pelo exemplo de sua própria vida, os objetivos do movimento e o seu desenvolvimento para poder realizar uma difusão adequada. No que se refere à natureza da obra (quid), Ramírez Vidal considera-a um “tratado”, no sentido mais amplo do conceito, mesmo que esteja marcado por subjetividade, o que não é próprio desse gênero. É um “tratado retórico” porque “expõe, de maneira mais ou menos sistemática, completa e com fins didáticos, uma série de ensinamentos sobre a forma como se deve construir um texto oral ou escrito de natureza política para a propagação eficaz da ideologia nacional-socialista” (p.42-43)7.

O capítulo 2, Elementos de retórica nazista, é o mais extenso e possui quatro subseções. A primeira trata da figura do orador com base na ideia principal de que uma retórica autoritária, seja de direita ou de esquerda, se funda no ditador, aquele que articula o discurso. Ramírez Vidal considera, aplicadas a Hitler, as habilidades que se deve ter para ser um excelente orador e que são mencionadas em Mein Kampf: naturais, práticas e técnicas ou teóricas. Sobre as primeiras, destaca, como traço positivo, a sua voz, “uma voz de barítono, que sabia modular desde o piano ao fortissimo8 e suas mãos, “bem formadas e expressivas” (p.51)9, apesar de seu físico e baixa estatura constituírem deficiências naturais. Em relação a fatores práticos, Hitler apreciou a retórica do prefeito de Viena, Karl Lueger – antissemita declarado -, tomou como modelo outro conhecido antissemita, o pensador austríaco Georg von Schoenerer (1842-1921) e exercitou-se com o grupo de propagandistas do segundo regimento de infantaria do Reichswehr (nome das Forças Armadas Alemãs). No que tange às competências teóricas, como agente antibolchevique Hitler fez cursos de oratória organizados pelo Departamento de Informação e, em 1919, participou de cursos de formação na Universidade de Münich. Ramírez Vidal comenta a bibliografia dos livros que Hitler leu, tema sobre o qual não há consenso, mas aponta para o fato de que a sua eloquência parece refletir os 38 estratagemas da dialética erística contida na obra Dialektik, de A. Schopenhauer, em especial o último estratagema, que se refere à forma de denegrir o adversário. Ao concluir a subseção, Ramírez Vidal reflete sobre a relação entre técnicas erísticas e a violência física. Entre outras características da retórica de Hitler, inclui a defesa de ponto de vista próprio sem atentar aos argumentos do adversário; a busca de que sua vontade se paralise; a simbiose unidirecional do orador para com o seu auditório, de quem não admite réplicas, e o ataque como melhor meio de defesa. Com exemplos concretos, Ramírez Vidal, explica muitos dos sucessos de Hitler com base na aliança entre “palabra” e “puño”. De fato, a sentença de Mein Kampf “A coação só se rompe mediante a coação e o terror com o terror” (p.72-73)10 vincula-se com o ataque aos adversários em lutas de rua, a sabotagem e as técnicas de interrupção nas assembleias e a promoção de enfrentamentos para converter o Partido Nacional-Socialista Operário Alemão em notícia.

A segunda seção do capítulo 2 é dedicada a Inventio. Nela, Ramírez Vidal inclui três pontos principais. Um deles se refere aos locais de onde são retirados os argumentos, classificando-os, a partir disso, em lógicos (relativos ao assunto), éticos (relativos ao orador) e emocionais (relativos ao destinatário). Nesse sentido, nosso autor destaca que na retórica democrática a ordem de importância dos argumentos é lógicos-éticos-patéticos enquanto na retórica autoritária a ordem é éticos-patéticos-lógicos11. Outro ponto se constitui na classe e na estrutura dos argumentos, isto é, os entimemas e os paradigmas. Em Mein Kampf, Hitler mesmo se apresenta como o paradigma por excelência do orador nacional-socialista; em relação aos entimemas, Ramirez Vidal, fundamentando-se em TheUses of Argument, de S. Toulmin, destaca que a grande falácia da argumentação nazista é a ausência de garantias para sustentar as leis de passagem. O último ponto é a distinção entre lugares comuns e lugares próprios, que correspondem àquilo que Hitler denomina “ideias básicas” ou “amplos pontos de vista”. Estes são formulados nos seis primeiros capítulos de Mein Kampf e constituem os dogmas da argumentação totalitária, como a superioridade ariana, o ódio contra o judeu, a necessidade da intolerância, o treino físico como meio de preservação da raça, o antiparlamentarismo, entre outros.

Ramírez Vidal concentra-se no primeiro desses pontos. Dessa forma, descreve alguns argumentos lógicos usados em Mein Kampf, como o fim e os meios. Entretanto, dado que a retórica autoritária não pondera sobre esse tipo de argumento, a análise se detém nos argumentos éticos e patéticos, adequados para Hitler diante de uma massa que é percebida, de modo explícito, como incapaz de compreensão e de memória. Toda a primeira parte de Mein Kampf procura construir uma imagem eficaz de Hiltler, um êthos do homem superior, apelando a tópicos do gênero epidítico que sustentam um autoelogio, como a raça, a cultura ou a história pessoal. Ramírez Vidal recupera a bibliografia mencionada nas leituras que Hitler fez sobre a psicologia das massas e identifica estratégias que tendem a gerar emoções no auditório (em especial ódio, temor, angústia, asco e seus contrários), como a dramatização da história universal ou o emprego de certas expressões que designam uma conspiração internacional ou o enriquecimento dos judeus.

A terceira seção do capítulo 2 aborda a Elocução. Ramírez Vidal atribui a Hiltler o estilo humilde ou baixo e faz questão de recomendar o emprego de palavras comuns e correntes, apresentando modelos de uso para que seus seguidores imitem e ensinem aos outros. Em relação às virtudes elocutivas (correção, clareza, adequação e ornato), Hitler privilegia a clareza e a adequação, sem preocupar-se com a correção. Ramírez Vidal destaca, no ornato, o uso de personificações e alegorias; prioriza, principalmente, a análise das figuras retóricas do símile, a metáfora, a hipérbole, a antítese e o uso de provérbios ou expressões proverbiais. Esses recursos não provam nada no sentido de argumentos lógicos, porém geram emoção e se articulam com estereótipos ou mitos, o que lhes dá grande força persuasiva. A força desses elementos microrretóricos dependeu do modo como Hitler adequou e aproveitou os elementos macrorretóricos, particularmente o contexto em que escreveu Mein Kampf e no qual ele foi recebido.

A última seção do capítulo 2 é dedicada a Actio, aludido por Hitler em Mein Kampf, quando menciona os mecanismos verbais que seguia. Além disso, Hitler estabelece com clareza a diferencia entre o discurso oral e o escrito, valorizando o primeiro sobre o segundo por ter esse alto poder de produzir, por razões psicológicas, mudanças realmente significativas. Ademais, considera que o discurso oral permite uma ampla adequação aos ânimos do público, atingindo grande parte das massas, sendo o texto propagandístico escrito, em geral, somente lido pelos simpatizantes do partido.

As conclusões de La palabra y el puño explicitam a finalidade que Ramírez Vidal atribui a seu livro: “o conhecimento dos processos discursivos a que recorrem os líderes dos regimes autoritários tem o fim prático de encontrar antídotos que façam frente aos mecanismos da ditadura” (p.141)12. Recapitula, dessa forma, as características da retórica autoritária: aproveita condições sociais e econômicas desfavoráveis, complementa-se com a violência física, parte de dogmas incontestáveis estabelecidos por um indivíduo que se diz iluminado, prioriza argumentos emocionais que apoiam o culto à pessoa e tendem a gerar medo ou pânico, usa uma linguagem de caráter polar, sentencioso e hiperbólico, que cria estereótipos desmerecendo o adversário, e recorre a uma Actio com gesticulações, tom patético e atitude inflamada, chamejante embravecida. Como contrapartida, é caracterizada a retórica democrática.

Ramírez Vidal faz questão de enfatizar que a formação retórica do cidadão é essencial na vida democrática; somente sua educação cívica e o respeito às leis podem evitar que a retórica autoritária se expanda. De alguma forma promove aquilo que Ph-J. Salazar13 denomina “alfabetização retórica”, que ajuda a evitar que a democracia se transforme em uma manipulação de opiniões.

Frente a Mein Kampf, protótipo da retórica usada para o mal, o livro de Ramírez Vidal é uma maravilhosa aposta na retórica empregada para o bem; se a obra de Hitler se constituiu um manual para que seus seguidores difundissem o nacional-socialismo, La palabra y el puño sobressai como um valioso manual de análise retórico, modelo para trabalhos futuros, que aspira a contribuir com a democracia e a justiça no México, desejo que se prolonga para toda a América Latina.

Tradução para o português por Gabriel Jiménez Aguilar – aguilar.jgabriel@gmail.com

1Sobre esse assunto, veja LÓPEZ EIRE, A. La naturaleza retórica del lenguaje, Logo. Revista de Retórica y Teoría de la Comunicación 8/9, 2005, p.5-254.

2Texto no original: “A quienes con valentía y perseverancia han luchado en contra de la dictadura priista”. Priista: pertencente ao Partido Revolucionário Institucional (PRI), partido político do México que manteve o poder político de maneira hegemônica entre 1929 e 1989.

3Texto no original: “que podría ofrecer a los eventuales divulgadores del nazismo, y no solo a los dirigentes de la organización partidista, una serie de elementos técnicos que les permitiría a ellos mismos difundir de manera eficaz la ideología del autor”.

4Neste sentido, pode-se vincular a noção de aspectos macrorretóricos com a noção de Intellectio (CHICO RICO, F. La Intellectio. Notas sobre una sexta operación retórica. Estudios de Literatura 14, 1989, p.47-55). A Intellectio é considerada – junto com a Inventio, Dispositio, Elocutio, Actio e Memoria – a sexta operação retórica, que consiste no conhecimento panorâmico e orientador da causa; implica a consideração inter-relacionada dos componentes do processo comunicativo constituídos pelo texto, seu produtor, seu receptor e o contexto comunicativo geral em que ambos se encontram situados. Sobre a macrorretórica, ver ROSSETTI, L. Estrategias macro-retóricas: el “formateo” del acontecimiento comunicativo. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2009.

5Texto no original: “se había transformado en el verdadero enviado que habría de salvar a Alemania”.

6Texto no original: “un dirigente nacional y en un mito de la derecha alemana”.

7Texto no original: “expone de manera más o menos sistemática, completa y con fines didácticos una serie de enseñanzas de cómo debe construirse un texto oral o escrito de naturaleza política para la propagación eficaz de la ideología nacionalsocialista”.

8Texto no original: “una voz de barítono, que sabía modular desde el piano al fortissimo“.

9Texto no original: “bien formadas y expresivas”.

10Texto no original: “La coacción sólo se rompe mediante la coacción y el terror con el terror”.

11No marco da análise do discurso sustentado sobre dados descritivos da linguística textual, Adam e Herman (ADAM, J-M. y HERMAN, Th., Reformulation, répétition et style périodique dans l’appel du 18 juin 1940, Semen, 12, Répétition, altération, reformulation dans les textes et discours, 2000 [en línea], puesto en línea el 4 de mayo de 2007. URL: http://semen.revues.org/document1862.html) advertiram a respeito de algo semelhante, nesse caso contrastando o “Llamamiento del 18 de junio” [Chamamento de 18 de junho] do general De Gaulle com o discurso feito pelo Marechal Pétain um dia antes, o 17 de junho de 1940. Esses autores diferenciam a argumentação, que está baseada no êthos, o pathos e o logos como três polos complementares, da manipulação, que abandona o polo do logos e se concentra no êthos e no pathos. De Gaulle argumenta; Pétain, como Hitler, manipula.

12Texto no original: “El conocimiento de los procesos discursivos a los que recurren los líderes de los regímenes autoritarios tiene el fin práctico de encontrar antídotos que contrarrestren los mecanismos de la dictadura”.

13Tomar el poder por la palabra. Elementos de fabricación de la retórica electoral, Rétor 2 (2), 2012, p.260-263.

María Alejandra Vitale – Universidade de Buenos Aires, UBA, Buenos Aires, Argentina; vitaleale@fibertel.com.ar.

Itamar Freitas

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Itamar Freitas

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