ORLANDI, Eni P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas: Pontes, 5. ed., 2007. ALMEIDA, Risonete Lima de. A leitura no ensino fundamental: um gesto simbólico situado no entremeio dos sentidos. Revista FACED, Salvador, n. 20, p. 125-126, jul./dez. 2011.
O ensino de língua portuguesa na escola fundamental deve legitimar a prática da leitura e promover inovações a partir do que diz Orlandi em considerações reveladoras de nova concepção de língua e de ensino. O que se torna possível quando situa a língua como um texto que circula na instituição escolar, constituído histórico-socialmente e que permite produção de sentidos diversos.
A idéia de língua aqui situada, doravante texto, nos remete ao ensino que busca transpor a simples idéia de inteligibilidade do sujeito que o situa apenas no sistema formal, para a ideia de compreensão como condições sine qua non de produção de sentido. Compreender é, pois, “[…] explicitar os processos de significação que trabalham o texto”. (p. 88) Neste sentido, rechaça-se a concepção de interpretação que restringe aos sentidos que simulam alguns livros didáticos e práticas de ensino da língua. Defende-se a interpretação vista como gesto simbólico – a compreensão, ato que representa, que projeta sentidos através de seus mecanismos de funcionamento.
Ao gesto simbólico é dada a característica de ampla dimensão, pois o privilégio da interpretação pressupõe o sujeito e a sociedade como um todo, o que inclui suas instituições (a escola, o aluno, o professor, a família etc.). Pressupõe também os diferentes mecanismos interpretativos na relação com as diversas linguagens, nas distintas posições dos sujeitos. Sujeito histórico, social, descentrado de sua origem porque ele próprio é um lugar de significação.
Portanto, o ensino da língua portuguesa não deve ser mediado apenas pelo texto escrito. A ideia de sentidos leva a pensar os diferentes gestos de interpretação, possível apenas a partir das variadas formas de linguagem e, geralmente, de distintas materialidades (música, imagens, pintura, projeção fílmica, escrita etc.) que significam. Assim o é porque o gesto carrega a incompletude que liga língua e historia na produção de sentidos. Os sentidos não se fecham, não são evidentes em uma única dimensão.
O ensino, assim, solicita o caráter multidimensional do espaço simbólico em que o texto se insere e exige daquele que ensina e aprende o saber que “[…] há uma necessidade que rege um texto e que vem da relação com a exterioridade”. (p. 15) Ao professor cabe permitir que se desloquem os sentidos, que se desconstru¬am o já aparente, o já dito, que permitam o equivoco, pois este avança em direção a uma outra significação. Isto porque o texto não é sistema que disponibiliza sentido próprio a partir de propriedades intrínsecas.
Nessa perspectiva o lugar de conhecimento é diferente daquele da interdisciplinaridade. É o lugar do entremeio, onde linguagem e exterioridade constitutiva são indissociáveis porque prevalece a noção de discurso e que não separa linguagem e sociedade na história. Lugar onde o linguístico não é propriedade da linguística, pois os sentidos do texto não combinam com o reducionismo teórico. Se assim não o fosse os professores da educação infantil e das séries iniciais estariam excluídos do gesto simbólico quando trabalham práticas de leitura.
Situar-se no entremeio, no efeito de sentidos entre locutores, é condição de leitura. A interpretação e a legibilidade são garantidas a partir da conjugação necessária da língua com a história – o discurso, produzindo a impressão da realidade. Assim sendo, não se fala em ensinar conteúdos, em relação termo-a-termo entre pensamento/linguagem/mundo (conteudismo), mas de fato – observação de como o texto, na condição de objeto simbólico, funciona. Assim dito, o texto é o fato de linguagem e “[…] os estudos que não tratam da textualidade não alcançam a relação com a memória da língua”. (p. 58)
Ao aluno deve ser dada a oportunidade de se situar como autor dos sentidos que perpassam o ensino e a aprendizagem do texto, o que significa a oportunidade de revelar que o seu dizer historiciza, que o seu discurso é interpretável, de representar e se representar, de ser reconhecido como produtor de um evento interpretativo. Porque ele, sujeito ativo, determina a constituição dos sentidos, embora este processo escape ao seu controle con¬ciente e às suas intenções, como falha necessária.
Risonete Lima de Almeida – Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Linguagem – GELING/UFBA; Supervisora do Curso de Especialização em Educação Infantil – MEC/SEB/UFBA; Professora da UNEB – Departamento de Letras – Campus II.
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