International Recognition. A Historical and Political Perspective | Warren Pezé, Daniel R. Rojas

Mao Tsé-Tung e Henry Kissinger se cumprimentando sorridentes ilustram a capa do interessante e provocativo livro International recognition: a historical and political perspective, organizado por Warren Pezé e Daniel R. Rojas. A histórica fotografia registrou o momento em que o governo dos EUA, em plena Guerra Fria, reconheceu o governo comunista da China e estabeleceu relações diplomáticas. Esta escolha editorial sistematiza as principais questões levantadas pela obra: como se dão os esforços de um novo país, ou de um novo regime, para se inserir no sistema internacional? Como se dá o processo de reconhecimento pelos outros atores internacionais? Sob quais condições? Como este processo se alterou ao longo do tempo? Quais características de longa duração podem ser observadas?

O livro resulta de projeto de pesquisa sobre “ordens ameaçadas”, sediado na Universidade de Tübingen, na Alemanha. Organizados em ordem cronológica, os dez capítulos oferecem análises bastante originais sobre os esforços de povos para ser reconhecidos como atores políticos, independentes, autônomos ou soberanos, e suas dificuldades, sucessos e fracassos ao longo do tempo.

O subtítulo do livro expressa o entendimento de seus autores: os reconhecimentos são atos políticos, antes de jurídicos. Este é seu eixo central e demonstra posicionamento do grupo em um longo debate no campo das Relações Internacionais entre juristas e politólogos. Para o primeiro grupo, reconhecimentos de novas unidades políticas foram sistematizados no Direito Internacional na referencial Convenção Montevidéu, de 1933: um Estado é caracterizado por população, território e governo próprios. Já para o segundo grupo, estes três fatores não são suficientes, já que os reconhecimentos são atos políticos de outros Estados condicionados a seus próprios referenciais e interesses, variantes de acordo com cada época. Deste entendimento, é proposta a análise de outra variável a estes processos: a legitimidade.

Diante de uma chave analítica qualitativa, o livro ainda ampliou sua ousadia, ao trazer também análises de situações não enquadradas no modelo de Estado moderno – aquele materializado na Convenção de Montevidéu. Pelo contrário, o livro contempla reconhecimentos políticos na Antiguidade e na Idade Média em três capítulos. Estes três primeiros textos oferecem reflexões interessantes para a proposta do livro. As análises das negociações entre judeus e romanos no século II a.C. demonstram como o reconhecimento da autonomia de Jerusalém era importante para os primeiros saírem da influência do Império Selêucida, enquanto aos segundos possibilitava passo importante em sua construção enquanto entidade política de destaque. Aquele ato diplomático foi a expressão de negociações, interesses e do reconhecimento da legitimidade de Jerusalém para a região, bem como da ascensão romana.

Os dois capítulos seguintes demonstram as articulações entre as conexões internas e externas do reinado de Carlos Magno e como a religião se tornou fator central na construção da variável estudada pelo livro: a legitimidade. No caso da construção do governo carolíngio, Christoph Galle demonstra como a disputa pela proteção do papado com o Império Bizantino e como as articulações contra os muçulmanos de Córdoba proporcionaram a força política que já havia sido alcançada pela força das armas. Já a análise de Warren Pezé sobre a fragmentação política no século IX apresenta como a religião permaneceu central nas disputas e nas negociações diplomáticas da construção dos novos reinos.

Apenas um capítulo do livro é destinado à Idade Moderna, mas ele se centra sobre o evento que é considerado pela leitura tradicional da História das Relações Internacionais como um dos marcos fundadores do sistema internacional: o Congresso de Paz de Vestfália (1648)3. A análise proposta por Anuschka Tischer é muito interessante e relevante aos pesquisadores, já que apresenta as diferentes estratégias adotadas por unidades políticas que pretendiam ter suas independências reconhecidas naquela grande conferência diplomática de encerramento da Guerra dos Trinta Anos.

A concentração de representantes dos mais distintos poderes europeus proporcionou espaço único para distintos movimentos de grupos periféricos. Sua análise demonstra diferentes caminhos para construção de legitimidade nas negociações políticas em torno do reconhecimento de independências.

Enquanto o governo de facto da Confederação Suíça conseguiu a renúncia à soberania por parte do Sacro Império Romano Germânico mesmo sem ter feito parte daquela guerra, os representantes de dois beligerantes tiveram grande dificuldade. A República dos Países Baixos concluía naquele momento sua guerra de independência contra a Espanha e teve seus diplomatas logo aceitos na conferência, enquanto os portugueses, em luta contra o mesmo monarca, tiveram que se fazer representar pelos franceses e não tiveram suas reivindicações atendidas. Logo, tornaram-se governantes de facto, mas não de direito, de Portugal. O terceiro caso, da Catalunha também contra o rei espanhol, foi de fracasso absoluto. Os três exemplos são centrais na análise proposta pelo livro, pois demonstram como o reconhecimento de uma independência pelos outros participantes do sistema internacional não é uma consequência imediata, e nem garantida, do controle efetivo sobre território e população. Mais do que isso, é resultado da construção de legitimidade por parte do novo governo e de sua inserção e articulação internacional.

Os casos holandês e português ainda foram analisados em outros capítulos do livro, já que são casos emblemáticos de independências através da guerra, mas marcados por uma lógica clássica europeia: um novo ente político somente era reconhecido por outros após a renúncia dos direitos de soberania por seu antigo detentor – no caso, o rei da Espanha.

Se os reconhecimentos das independências no século XVII estavam relacionadas ao entendimento tradicional europeu sobre soberania, as das ex-colônias da mesma Espanha, no início do século XIX, seguiram um caminho distinto. A interessante análise proposta por Daniel E. Rojas em seu capítulo parte do diálogo com a historiografia das transformações nos sentidos de política, em especial com o clássico Modernidad e independencias de François-Xavier Guerra4, e as pesquisas associadas ao projeto Iberconceptos5, para indicar uma profunda transformação a partir dos reconhecimentos das independências latino-americanas. Como ele argumenta, as mudanças no sentido do poder, das linguagens políticas e da soberania, aparecem nos esforços dos novos países para conseguir sua inserção internacional sem a renúncia do direito de soberania por parte do monarca espanhol, mas sim a partir da defesa da legitimidade dos novos governos através da soberania popular. Ao conseguirem sucesso em seus pleitos, aqueles revolucionários latino-americanos também revolucionaram o conceito de soberania e as bases para os reconhecimentos no Direito Internacional de matriz europeia. Como o capítulo demonstra muito bem, estas vitórias políticas foram o resultado de muita ação diplomática e dos interesses britânicos e estadunidenses, que acabaram por reconhecer os governos de facto, oferecendo resistência aos projetos conservadores da Santa Aliança.

Foi o governo dos EUA quem estabeleceu uma ruptura com este padrão, ao não reconhecer o novo governo estabelecido após a Revolução Bolchevique. Este é o tema do capítulo de Georg Schild e sua análise é bastante relevante para questionar outro cânone da História das Relações Internacionais: a defesa da autodeterminação dos povos pelo presidente estadunidense Woodrow Wilson. Ao analisar a atuação da diplomacia daquele país e a argumentação daquele político para ir contra o novo governo, o capítulo reforça a tese central do livro: a associação entre construção de legitimidade e reconhecimento de governos, e os interesses políticos envolvidos em tal procedimento.

Dois capítulos exploram os tempos da Guerra Fria. O primeiro, sobre a Índia, país que, enquanto ainda colônia, já tinha representação diplomática em organizações internacionais como a Liga das Nações. Depois de independente, o país asiático manteve missão militar na Alemanha e foi confrontada com a difícil decisão sobre qual Alemanha reconhecer. A opção final, pela República Federal, reflete a herança da cultura política britânica em sua chancelaria e os interesses políticos na atração de investimentos ocidentais para sua modernização e industrialização. O outro caso analisado é o do reconhecimento da independência da Romênia pela França. Como demonstra Pierre Bouillon, aquela movimentação fora dos padrões fixos do período reflete as preocupações e interesses dos políticos de ambos os países de se afastar da rigidez e das obrigações dos blocos.

O livro possui um claro debate com a chamada Escola Inglesa das Relações Internacionais. Ao analisar, na longa duração, como unidades políticas procuraram se colocar no sistema internacional e suas estratégias para negociar autonomias e independências com seus pares, os autores do livro expressam um determinado entendimento das relações internacionais. E este é o de que o sistema internacional é, nas palavras de Hedley Bull, uma sociedade anárquica6, em que os Estados se relacionam de acordo com seus próprios interesses, sem uma autoridade superior, mas também que estas relações são regidas por regras, ordens e instituições aceitas entre todos seus integrantes. É a partir desta concepção teórica que é possível entender os reconhecimentos como fruto de controvérsias, ambiguidades e interesses, não como consequências diretas do preenchimento de pré-requisitos. Analisar o fenômeno, desde as interações entre judeus e romanos até a Índia recém-independente, significa entender, em diálogo com Adam Watson, ter havido uma expansão da sociedade internacional de molde europeu ocidental7. Como bem definiu Daniel Högger no capítulo de fechamento e conclusão, a partir deste tipo de análise é possível estudar as adaptações dos reconhecimentos e definir padrões para estes processos internacionais.

Este olhar específico sobre as relações internacionais permitiu aos autores propor uma tipologia de situações que levam a reconhecimentos de novas entidades políticas: ascensão de superpotência (Império Carolíngio, URSS), fragmentação de um império (Carolíngio, independências latino-americanas, Alemanha pós-guerra), e autonomistas tentando sair de uma unidade política maior (reino judeu, independências de Holanda, Portugal e Romênia). A partir deste entendimento, uma série de instigantes questões foram levantadas e sugerem caminhos para muitas pesquisas: de que forma o sistema internacional reage a movimentos de expansão ou fragmentação, de autonomia e independência? Estes movimentos ameaçam a “ordem”, como propõe o grande eixo da pesquisa? Como ocorre a tomada de decisão de reconhecer aquelas novas unidades?

É preciso também reconhecer os méritos dos organizadores ao procurar contemplar temas e problemas do chamado Sul Global, demonstrando não apenas os esforços destas regiões para ingressar na sociedade internacional, mas como suas ações e resultados transformaram esta mesma sociedade. Este esforço, no entanto, enfrenta a dificuldade linguística: este é um livro multilíngue (inglês, francês e alemão) que demanda domínio específico para pesquisadores fora do eixo europeu. Dentro dos próprios capítulos há citações em outros idiomas, o que também não facilita a leitura.

Ler este interessante International Recognition nos permite acompanhar a construção de um sistema de relações internacionais baseado em princípios muito específicos, característicos da Europa Ocidental, mas que ao fim acabou por ser hegemônico no mundo e construir uma sociedade internacional. Neste processo, os países latino-americanos se esforçaram para demonstrar comungar dos mesmos princípios, ordens e instituições europeias para ser aceitos, assim como depois a Índia. Esta é uma história das relações internacionais, da política internacional e também da vitória europeia sobre o globo.


Notas

3 Sobre os usos de Vestfália na construção da área de Relações Internacionais: MAINKA, Peter Johann. O Congresso de Paz de Vestfália (1643-1648): convocação, negociações, resultados. História Unisinos, São Leopoldo, v. 25, n. 3, p. 460-472, 2021; OSIANDER, Peter. Sovereignty, International Relations, and the Westphalian Mith. International Organization, Cambridge, v. 55, n. 2, p. 251-287, 2001.

4 GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: ensayos sobre las revoluciones hispánicas. Madri: Mafre, 1992.

5 FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Historia conceptual en el Atlántico Ibérico: lenguajes, tiempos, revoluciones. Madri: Fondo de Cultura Económica, 2021.

6 BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem na política mundial. Brasília: EdUnB, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

7 WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional: uma análise histórica comparativa. Brasília: EdUnB, 2004.


Referências

BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem na política mundial. Brasília: EdUnB, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Historia conceptual en el Atlántico Ibérico: lenguajes, tiempos, revoluciones. Madri: Fondo de Cultura Económica, 2021.

GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: ensayos sobre las revoluciones hispánicas. Madri: Mafre, 1992.

MAINKA, Peter Johann. O Congresso de Paz de Vestfália (1643-1648): convocação, negociações, resultados. História Unisinos, São Leopoldo, v. 25, n. 3, p. 460-472, 2021. DOI: https://doi.org/10.4013/hist.2021.253.06

OSIANDER, Peter. Sovereignty, International Relations, and the Westphalian Mith. International Organization, Cambridge, v. 55, n. 2, p. 251-287, 2001. DOI: https://doi.org/10.1162/00208180151140577

WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional: uma análise histórica comparativa. Brasília: EdUnB, 2004.


Resenhista

Gabriel Passetti – Professor de História das Relações Internacionais na UFF (Niterói, Brasil). Coordenador do LAHPIS – Laboratório de História da Política Internacional Sul-americana. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq e bolsista JCNE Faperj. E-mail: gabrielpassetti@id.uff.br https://orcid.org/0000-0001-8311-5396


Referências desta Resenha

PEZÉ, Warren; ROJAS, Daniel R. (Orgs.). International Recognition. A Historical and Political Perspective. Tübingen: Bedrohte Ordnungen 16; Mohr Siebeck, 2022. Resenha de: PASSETTI, Gabriel. Reconhecer e ser reconhecido: estados independentes e novos governos e seus esforços para inserção na sociedade internacional. Almanack. Guarulhos, n. 32, er00822, 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

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