Mesmo tendo um papel ainda secundário nos debates de relações internacionais, o estudo sobre ética e moralidade nunca deixou de ter um lugar importante nesse campo do conhecimento. Desde as obras mais clássicas – em que se destacam os capítulos XV e XVI da obra seminal de Hans Morgenthau, Política entre as Nações – até a contemporaneidade com os estudos de Eric Patterson, há uma permanente preocupação em se discutir os limitantes morais e éticos do exercício do poder dentro do sistema internacional.
Diante desse contexto, a obra de Mark Amstutz renova sua análise acerca da temática com uma rica sistematização para os acadêmicos interessados em se aprofundar em torno dos conceitos e especificidades da ética internacional. Ainda que a primeira edição da obra tenha sido publicada em 1999, a quarta edição do autor traz contribuições inéditas ao propor uma discussão sobre temáticas contemporâneas recheadas de consistentes estudos de caso, tais como sobre as implicações do 11 de setembro, a invasão do Iraque e a proteção de civis no conflito líbio.
Estruturado em doze capítulos, o livro apresenta na sua primeira parte os conceitos centrais em torno da ética e as relações internacionais. Dos capítulos 1 a 4, destacam-se as limitações éticas na tomada de decisão em política externa, assim como as correntes predominantes dentro da filosofia política que desembocam no debate em torno do comunitarismo e o cosmopolitismo no direito internacional. Mais do que defender uma corrente em particular, o autor se preocupa em delinear a importância do estudo das implicações éticas das decisões internacionais e como se transfere valores de justiça e moralidade para a arena diplomática.
Perante um campo em que prevalece a corrente realista e suas subdivisões, Amstutz se mostra crítico a linha desse paradigma que pressupõe que não há constrangimentos morais diante do exercício do poder político. Em defesa de uma linha liberal, em que os valores da moralidade permeiam as arenas em que a tomada de decisão se efetiva, fica clara o posicionamento do autor em defesa de uma perspectiva normativa que enfraqueça posturas unilaterais e/ou que violem os direitos humanos.
Ainda, Amstutz considera desde o início que um dos maiores desafios à promoção de um mundo baseado em valores mais justos seria o pluralismo cultural. A concepção de que os valores culturais devam ser respeitados a qualquer custo são para ele uma “convicção cínica” (p.16) que ameaça o direito à vida e a proteção de civis perante arbitrariedades estatais.
Os pressupostos acima, somados à sistematização analítica das correntes de pensamento dentro da filosofia política e relações internacionais, chamam o leitor a uma reflexão importante sobre o papel das virtudes e moralidade na arena diplomática em diferentes temáticas abordadas na segunda parte da obra (capítulos 5 a 12), que vão do terrorismo às instituições jurídicas internacionais, sem deixar de passar pela questão do meio-ambiente e as relações de comércio.
Contudo, uma das fragilidades da obra está na maneira pouco aprofundada que trata alguns conjuntos de valores importantes no debate atual. Destaca-se entre essas fragilidades duas questões: o tratamento conceitual da religião islâmica e a abordagem antiterrorismo dos Estados Unidos no pós 11 de setembro. No primeiro caso, simplifica-se muitas vezes o Islã como uma religião belicista par excellance, na qual mesmo um conceito já profundamente conhecido nas ciências humanas como a jihad é tratado superficialmente. No caso, a jihad é apresentada (p.140) tão somente como uma visão do Al-Quran que promove a guerra, o que perpetua uma visão equivocada que negligencia o outro entendimento predominante da jihad como uma luta interna do fiel muçulmano contra o seu ego. Segundo, é comum que a altamente contestada doutrina unilateral dos Estados Unidos na ‘Guerra ao Terror’ seja apresentada, mas fragilmente questionada, algo paradoxal em um livro que aborda a ética nas relações internacionais contemporâneas.
Não obstante as questões acima apontadas, não há como não reconhecer que a obra contribui para um debate de fundamental importância para a análise crítica dos desafios que se impõem ao analista internacional do século XXI. Como já apontado por outros especialistas nesse debate como Mervyn Frost e Alex Bellamy, um analista internacional não se pode furtar a discutir além da realidade apresentada pelo jogo de poder e questionar eticamente o dever ser de um mundo que ainda apresenta inúmeras injustiças desde seus sistemas de governança até a promoção da justiça. Ainda que algumas inconsistências possam permear o que Mark Amstutz apresenta, o fato dele apresentar essa discussão ética de maneira ampla e sistematizada é de grande valia para todos aqueles pesquisadores em busca de discutir as complexidades morais de um mundo em constante transformação.
Resenhista
Marcos Alan Shaikhzadeh Vahdat Ferreira – Docente do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: marcosalan@gmail.com
Referências desta Resenha
AMSTUTZ, Mark R. International Ethics: concepts, theories, and cases. Rowman & Littlefield Publishers, 2013. Resenha de: FERREIRA, Marcos Alan Shaikhzadeh Vahdat. Meridiano 47, v.14, n.138, p.45-46, jul./ago. 2013. Acessar publicação original [DR]
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