Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2012
A 13ª edição da Revista da ANPHLAC traz o dossiê “Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX” com um rico e variado conjunto de 10 artigos e uma resenha de pesquisadores brasileiros e estrangeiros.
As relações entre intelectuais, nações e identidades na América Ibérica nos séculos XIX e XX vêm sendo sistematicamente revisitadas, nos últimos anos, a partir de novas “leituras do passado” e de abordagens comparadas sobre as diversas experiências históricas de construção dos Estados e nações no continente americano. Neste sentido o Dossiê nº 13 apresenta-se como um espaço plural de debate e troca entre pesquisadores que trabalham com diferentes enfoques e experiências nacionais acerca do tema.
A leitura dos textos certamente possibilitará ao leitor uma reflexão sobre a América Ibérica que aproxima a História Política das Histórias Intelectual, Cultural, Social e das Ideias, bem como de uma perspectiva interdisciplinar na qual a História dialoga com a Ciência Política, a Literatura, a Linguística, a Filosofia da Linguagem, a Antropologia, etc. Tais aproximações têm se mostrado de fundamental importância para o desenvolvimento crescente dos estudos sobre intelectuais que, como sabemos, desempenharam um papel decisivo não só no domínio das ideias, da literatura e da arte, mas também da história política na América Ibérica neste período.
O primeiro artigo de Libertad Borges Bittencourt “O paradoxo da tradição pátria na escritura hispano-americana do século XIX” examina alguns ensaios das Obras completas de Francisco Bilbao Barquin e tópicos da obra clássica de Justo Sierra, Evolución política del pueblo mexicano, a partir de uma perspectiva conjunta e comparativa das ideias desses autores sobre as suas respectivas nações, o Chile e o México. Para a autora os textos de Bilbao e Justo Sierra conformam “leituras canônicas”, que não apenas buscavam dialogar com as experiências vivenciadas desde as independências, na primeira metade do século XIX, mas projetavam um novo cenário para a América, a partir dos contextos díspares vividos por estas jovens nações.
O artigo de Cleide de Lima Chaves “Entre Montevidéu e Rio de Janeiro: redes de conhecimento médico e epidemias na segunda metade do século XIX” analisa as mudanças das relações político-sanitárias entre duas capitais latino-americanas – Rio de Janeiro e Montevidéu – na segunda metade do século XIX, em função da busca por mão de obra imigrante e do enfrentamento de doenças epidêmicas, como o cólera asiático e a febre amarela. O trabalho demonstra que havia circulação de notícias e de conhecimento entre os profissionais da saúde das duas cidades, e também evidencia como os médicos uruguaios produziram discursos legitimadores das políticas imigrantistas e buscavam estabelecer medidas de combate às epidemias, acusando o Brasil de ser transmissor de doenças.
Os dois artigos seguintes tratam de importantes intelectuais argentinos e de sua atuação política por meio de seus escritos. Sheila Lopes Leal Gonçalves em “A “república” narrada e teatralizada: análise da obra teatral de Juan Bautista Alberdi (1839)” investiga de que maneira Juan Bautista Alberdi (1810 – 1884) opera o conceito de “república” em seus textos literários, especialmente na peça de teatro La Revolución de Mayo: cronica dramática, escrita em 1839. A autora demonstra como Alberdi trabalhava com uma fronteira bastante tênue entre literatura e política, fazendo de suas peças verdadeiros combates ao governo de Juan Manuel de Rosas. São tratadas as especificidades do gênero teatral, através da análise de sua relevância para a sociedade bonaerense, da primeira metade do oitocentos. O artigo de Victoria Baratta “La oposición a la Guerra del Paraguay en Buenos Aires. Un análisis de las representaciones de la nación argentina en el periódico La América (1866)” discute como a Guerra do Paraguai (1864-1870) foi um acontecimento chave para a consolidação do estado nacional argentino provocando fortes resistências tanto a nivel material como simbólico. Para isso trabalha com o periódico La América no qual foram publicados artigos de intelectuais como Juan Bautista Alberdi e Carlos Guido y Spano. Ainda trabalhando com um periódico como fonte principal, Paula da Silva Ramos em seu artigo “Brasil americano: Estados Unidos e Argentina como exemplos para o Brasil monárquico” analisa o discurso do jornal A Província de São Paulo em relação aos Estados Unidos e à Argentina e suas propostas quanto à inserção brasileira no continente americano, entre os anos de 1875 e 1889.
Segue-se um conjunto de quatro artigos que versam sobre as ideias de dois intelectuais nucleares da chamada Geração de 98: José Enrique Rodó e José Martí. Regiane Gouveia em “Nuestra” América: identidade e juventude nos escritos de Martí e Rodó” examina como José Martí e José Enrique Rodó apresentaram o conceito de “América” e “juventude” para produzir seus discursos e marcar uma diferenciação em relação aos Estados Unidos. Também mostra como a modernização no continente, em fins do século XIX e início do XX, contribuiu para a aproximação dos intelectuais neste período. Lucas Machado dos Santos no texto “Educação Popular e Modernidade na América Latina. Um debate a partir das crônicas martianas de Nova York” discute a relação entre o ideário político de José Martí e sua proposta de uma educação popular para a América Latina no âmbito da História Intelectual. O autor parte da hipótese de que o discurso de Martí sobre educação fortalece uma tendência de diálogo e crítica ao pensamento positivista, que vigorava naquele momento dentro do contexto de ideias latino-americano.
A indagação em torno da identidade da América Latina e o problema do desenvolvimento do continente têm sido questões centrais no pensamento latino-americano, informando representações, discursos e práticas de diversos atores político-sociais ao longo dos séculos XIX e XX. Este é o foco principal dos artigos de Inés Achával Becú e Ricardo Amarante Turatti. Inés Achával Becú em “Dos proyectos identitarios para América Latina: José Enrique Rodó (1871-1917) y Nimio de Anquín (1896-1979)” ressalta os traços de continuidade presentes nas posturas identitárias desde princípios do século XX, realizando uma aproximação de tipo comparativo entre dois intelectuais que marcaram duas épocas do pensamento latino-americano e que assentaram as bases para desenvolvimentos posteriores: o uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917), e sua obra Ariel (1900), e o filósofo argentino Nimio de Anquín (1896-1979), e seu livro Mito y Política (1955). O texto de Ricardo Amarante Turatti “José Enrique Rodó, a “Geração Hispano-Americana de 98” e o projeto para uma identidade americana” estuda os projetos para a constituição de uma identidade americana elaborados pelos participantes do movimento literário conhecido como “Geração Hispano-Americana de 98”, parte do modernismo hispano-americano, especialmente o uruguaio José Enrique Rodó, autor do ensaio Ariel, publicado em 1900.
Fechando o conjunto de artigos do dossiê, Oscar de Jesús Saldarriaga Vélez e Juan Manuel Dávila Dávila elaboram em seu texto “EL “GIRO EXPERIMENTAL” DE LOS SABERES SOBRE LO SOCIAL EN COLOMBIA, 1840-1903” uma interessante reflexão sobre as bases epistêmicas e epistemológicas dos saberes científicos sobre o social na Colômbia. Este nível de análise traz à luz, para além de seus conteúdos concretos ou de seus métodos específicos, o tipo de regime de verdade ou de ordem científica que governou a conformação dos ditos saberes; e rastreia as lógicas profundas que explicam as transformações e as aparentes irregularidades ou contradições que se deram nos cânones ou “classificação das ciências” tal como se foram institucionalizando no sistema educativo colombiano desde fins do século XVIII até o inicio do século XX. Para tal utilizam a hipótese de arqueologia das ciências humanas de Michel Foucault, assinalando dois regimes epistêmicos hegemônicos neste período: o das ciências racionais (ou ciências da medida e da ordem) e o das ciências experimentais (ou ciências empírico-trascendentais).
Por fim, esse número conta ainda com a ótima resenha de Affonso Celso Thomaz Pereira sobre o livro Un desierto para la nación. La escritura del vacío de Fermín A. Rodríguez. Buenos Aires: Eterna Cadencia, 2010.
Agradecemos a todos os colaboradores, autores e pareceristas que contribuíram com esse número e também à cuidadosa revisão dos textos feita por Dayse Mary Ventura Arosa.
O presente número é mais uma contribuição à divulgação de pesquisas em História das Américas no Brasil. Cumpre, assim, a finalidade primeira da Revista e de nossa associação, a ANPHLAC, de estimular a circulação de um rico conhecimento histórico que vem sendo produzido sobre o continente americano.
Organizadores
Maria Elisa Noronha de Sá – Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ.
Fernando Luiz Vale Castro – Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Referências desta apresentação
SÁ, Maria Elisa Noronha de; CASTRO, Fernando Luiz Vale. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 13, p. 5-8, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]