A publicação do livro Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980) é resultado do trabalho desenvolvido no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Modernidade (NEPHEM), composto por membros e pesquisadores convidados da linha de pesquisa em História e Historiografia da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. A produção do livro contou com o apoio do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contemplado em edital específico pelo projeto homônimo.
Trata-se de uma publicação que está muito bem situada no âmbito da produção de História da Educação brasileira, trazendo em seu conteúdo o resultado da pesquisa histórica sobre algumas especificidades do contexto paranaense, caracterizadas pelas trajetórias de ao menos seis intelectuais que estiveram à frente de projetos educacionais ao longo do século XX: Lysimaco Ferreira da Costa (1883-1941), Raul Rodrigues Gomes (1889- 1975), Erasmo Pilotto (1910-1992), Pórcia Guimarães (1918-1997), Ivany Moreira (1928- 2008) e Eurico Back (1923-1997). O livro de 205 páginas conta com a apresentação de Libânia Nacif Xavier, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o título “A educação paranaense nos quadros de um projeto de modernidade”. Além da introdução assinada pelos organizadores, o livro compõe-se de cinco capítulos, os quais serão mencionados a seguir.
O primeiro capítulo tem autoria de Dulce Regina Baggio e é intitulado “Raul Gomes e o Dia do Professor: ações na imprensa em favor da valorização da profissão docente”. A autora introduz o tema da profissionalização docente e ressalta o papel das entidades representativas diante dos interesses do corpo docente brasileiro. Em diálogo com a bibliografia específica, aponta para alguns vestígios existentes a respeito das origens da data comemorativa do Dia do Professor. Segue abordando a importância da imprensa como instrumento de defesa, o qual denominou como culto e dignificação da profissão docente. É neste momento que Dulce Osinski apresenta ao leitor alguns dos discursos de Raul Gomes, um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicados no jornal A República e compilados na obra A instrução pública no Paraná, em 1914. Também traz à tona textos do intelectual publicados em outros jornais do Paraná e Santa Catarina na década de 1920. A autora reconhece, na figura de Raul Gomes, um intelectual que se utilizou da imprensa para difundir discursos em defesa do corpo docente, propondo a criação do Dia do Professor como um marco para a categoria.
O segundo capítulo, por sua vez, é de autoria de Carlos Eduardo Vieira e Leziany Silveira Daniel, sob o título “Lysimaco Ferreira da Costa e a formação de professores no Paraná na década de 1920/1945”, e propõe-se a discutir o projeto de reforma do programa de professores normalistas, que foi apresentado pelo referido intelectual entre os anos de 1920 e 1924. Os autores ainda se propõem a organizar o texto em dois momentos: o primeiro, destacando as posições ocupadas por Lysimaco da Costa no contexto educacional, e o segundo, destacando suas ideias a respeito da referida reforma. Carlos Vieira e Leziany Daniel introduzem o tema lembrando das reformas educacionais que, de maneira geral, marcaram o contexto educacional da década de 1920 para, a seguir, destacar alguns pontos que consideram importantes na trajetória do intelectual. Os autores apresentam ao leitor alguns fragmentos de discursos de época, estabelecendo, na sequência, uma comparação entre os quadros do Plano do Curso Normal de 1915 e o Plano de estudos do Curso Geral de 1922. Concluem o capítulo com reflexões a respeito da contribuição de Lysimaco da Costa à educação secundária paranaense, em específico à formação de normalistas.
O livro segue com o terceiro capítulo intitulado “Erasmo Pilotto: reflexões acerca da formação de professores e da teoria da educação”, de autoria de Carlos Eduardo Vieira, que destaca, de imediato, algumas singularidades relativas ao reconhecimento do intelectual que caracteriza seu objeto de estudo. Para o autor, Erasmo Pilotto foi um intelectual diferenciado, pois “revelou uma nítida intenção de interpretar, sistematizar e, sobretudo, produzir teoria pedagógica” (p. 79), mas também esteve em sintonia em outros aspectos com os demais intelectuais do campo da educação de sua época. Com o subtítulo “Do normalista ao pedagogo”, o texto segue destacando alguns momentos importantes da trajetória profissional de Erasmo Pilotto. Posteriormente, dá-se destaque à produção bibliográfica e aos diálogos estabelecidos pelo intelectual que lhe caracterizavam como detentor de um saber filosófico vasto, o que se percebe pelo mapeamento de conteúdos de outros escritores presentes na sua produção. O texto culmina na obra Temas de educação do nosso tempo: teleologia pedagógica, de 1954, abordando de forma detalhada questões de fôlego sobre características de problemas e métodos e sobre estilo e estrutura presentes no livro de Pilotto.
O quarto capítulo de “Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980)”, por sua vez, é de autoria de Marcus Levy Bencostta e Américo Agostinho Rodrigues Walger. Sob o título “Pórcia Guimarães Alves: reminiscências, itinerários e cenas de uma intelectual nos campos da Psicologia e da Educação”, o texto apresenta, em sua primeira parte, algumas das principais experiências da trajetória profissional da educadora curitibana. Entre elas, a sua participação na primeira turma do Curso de Pedagogia do antigo Instituto Superior de Educação, onde mais tarde viria a atuar como assistente e posteriormente como professora – logo após a federalização da Universidade do Paraná, na década de 1950. Após, na segunda parte, traçar um breve panorama do cenário educacional da época, os autores apresentam, na terceira e na quarta parte, a relação de Pórcia Alves com algumas tendências filosófico-pedagógicas que teriam influenciado sua atuação docente, decorrente da consulta a seus manuscritos. Concluem os autores que “alguns aspectos de sua prática intelectual estiveram relacionados com o debate escolanovista e marcados por conceitos e vertentes da Psicometria” (p. 141).
O texto “Ivany Moreira: a arte na educação do indivíduo e da coletividade” compõe o quinto capítulo do livro, tendo a autoria de Ricardo Carneiro Antonio, que destaca a atuação da artista paranaense entre os anos de 1961 a 1971, especialmente no momento em que esteve à frente do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura do estado do Paraná. Ricardo Antonio destaca o papel de Ivany Moreira na criação das chamadas “escolinhas de arte”, conceito que remete a espaços educativos que se tornaram populares no Brasil ainda em meados da década de 1940, conforme indica o autor. O texto segue apresentando alguns momentos importantes que marcaram a inserção da artista no Departamento de Cultura e sua relação com a Casa de Alfredo Andersen. Na sequência, destaca a proposição do Curso de Artes Plástica na Educação (CAPE), “proposto com o objetivo de especializar professoras normalistas para dirigir escolinhas de arte que seriam instaladas em grupos escolares do estado” (p. 161). Encerram o texto a menção feita à Divisão de Atividades Culturais na Educação (DACE) e ao projeto Arte na Educação, políticas que contaram com a participação de Ivany Moreira à frente de suas iniciativas, visando, essencialmente, traçar estratégias para levar a sensibilidade da prática artística para um público amplo.
Por fim, o sexto capítulo tem autoria de Suzete de Paula Bornatto e denomina-se “Eurico Back: ensino de língua portuguesa e integração social”, que situa o intelectual, de imediato, como “um dos primeiros professores de Linguística do Brasil e coautor de uma nova gramática do português” (p. 175). O texto se desenvolve com base em três fontes, sendo a primeira uma explanação, nos termos da autora, sobre o ensino da linguagem (editado entre 1971 e 1978); a segunda um artigo do intelectual publicado na revista Tempo Brasileiro, em 1978; e a terceira uma análise de Eurico Back publicada no jornal O Estado do Paraná, também em 1978. Suzete Bornatto destaca alguns momentos que teriam marcado a formação e a atuação do intelectual, em especial na Universidade Federal do Paraná, mas também em outras instituições brasileiras. As proposições do intelectual, no que diz respeito aos estudos da linguagem, difundem-se no complexo contexto da ditatura civil-militar e são marcadas por um excesso de teorias e metodologias para a prática de leitura.
Nesses termos, o livro Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980) apresenta-se ao público leitor como uma excelente opção para quem busca conhecimento sobre a história da educação brasileira, notadamente a partir de exemplos que partem de experiências de educadores e intelectuais que atuaram, em diferentes momentos, de forma efetiva em diferentes instituições do estado paranaense. Disponível para compra no site da Editora da Universidade Federal do Paraná1 , o livro ainda conta, na sua capa, com o capricho da arte produzida por uma das autoras/organizadoras, Dulce Osinski. Trata-se, portanto, de uma obra essencial tanto para especialistas da pesquisa em História da Educação quanto para iniciantes, leitores interessados pela temática e demais simpatizantes da boa e fluente escrita acadêmica
Nota
1. Disponível em: http://www.editora.ufpr.br/portal/livros/intelectuais-modernidade-e-formacao-de-professoresno-parana-1910-1980. Acesso em 18 ago. 2016.
Resenhista
Cláudio de Sá Machado Junior – Doutor em História. Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná, com atuação no Programa de Pós-Graduação em Educação e no Programa de Pós-Graduação em História. Coordenador do Grupo de Trabalho de História da Educação da ANPUH. E-mail: claudiojunior@ufpr.br
Referências desta Resenha
VIEIRA, Carlos Eduardo; OSINSKI, Dulce Regina Baggio; BENCOSTTA, Marcus Levy (Orgs.). Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980). Curitiba: Editora UFPR, 2015. Resenha de: MACHADO JUNIOR, Cláudio de Sá. Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.5, n.15, p. 252-256, jan./jul. 2016. Acessar publicação original [DR]
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