“A organização burocrática situa-o, protege-o, melancoliza-o e inspira-o”.1
Foi utilizando essas palavras que Carlos Drummond de Andrade justificou a relação entre os intelectuais e o Estado. Atuar no funcionalismo público, além de ser um resguardo financeiro, na concepção de Drummond, eliminaria os cuidados imediatos e não abriria perspectivas “de ócio absoluto”. Ainda que concordássemos com as assertivas do poeta, já é sabido que o relacionamento entre os homens de ideias e o aparelho estatal foi e continua sendo complexo. Muitos consideram essa relação como cooptação, outros apenas como um jogo de interesses, mas o fato é que ela movimenta pesquisadores do passado e da atualidade.
No âmbito dessas questões, novamente a Revista Escrita da História (REH) se apresenta como sendo um canal de discussões por meio do qual são expostos trabalhos acadêmicos oriundos de análises e pesquisas que têm por objetivo refletir acerca do “fazer científico” da História. O segundo dossiê do periódico tem a intenção de promover o debate a respeito da relação intelectuais e Estado, destacando novas perspectivas sobre o tema que nesta edição tem em comum a atuação dos intelectuais-funcionários na promoção da edição de livros, ou seja, o processo de monumentalização da História e da memória através de suas publicações.
Embora tenham a ação editorial como uma questão comum, os artigos que compõem o Dossiê “Intelectuais e Estado brasileiro” têm suas particularidades. Sendo assim, abrimos nosso segundo número com a ampliação de perspectivas comparativas, pois no artigo de Nuno Medeiros, da Universidade Nova de Lisboa, o autor explicita, para o caso de um exemplo do outro lado do Atlântico, a duplicidade de maneiras pelas quais o governo português atuou quando da publicação de livros durante o regime do Estado Novo. O pesquisador apresenta de que forma a ditadura impôs regras que cercearam a edição de livros e, ao mesmo tempo, incentivou uma “literatura oficial” do próprio Estado.
No âmbito brasileiro, André de Lemos Freixo, professor da Universidade Federal de Ouro Preto, apresenta-nos um artigo realizado a partir dos trabalhos do intelectual José Honório Rodrigues na publicação da coleção “Documentos Históricos” da Biblioteca Nacional entre os anos 1946-1953. A indagação do professor procura abranger a produção de memória dos intelectuais enquanto agentes em instituições de preservação e difusão cultural. Para isso adota as reflexões de Paul Ricœur, Jan e Aleida Assmann e de alguns representantes que considera como uma “terceira onda” de estudos da memória.
Com uma reflexão também sobre a memória, a doutoranda Maria Claudia Cavalcante, da Universidade Federal de Pernambuco, propõe um debate a partir da análise dos livros Presença na política (1958) e Depois da política (1960), ambos de Gilberto Amado. Segundo a autora, por meio dessa leitura é possível discutir as imagens construídas pela literatura memorialística de Gilberto Amado acerca de sua participação política e movimentação intelectual.
Por fim, mas não menos importante, temos o trabalho de Paula Rejane Fernandes, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a respeito da coleção Mossoroense criada por Jerônimo Vingt-un Rosado Maia. Essa coleção tinha a finalidade de promover práticas culturais na cidade de Mossoró e também o propósito de construir uma memória para a cidade e seu lugar de destaque no meio intelectual. Além disso, Fernandes destaca de que maneira as relações entre Rosado Maia e políticos influentes nos anos 1960-70, tais como Ney Braga e Jarbas Passarinho, foram importantes para a publicação dos livros do projeto.
Na seção de artigos livres contamos com a colaboração de vários jovens pesquisadores, membros das mais diversas instituições de ensino do país e com propostas de trabalho inovadoras. Temos os artigos de: Diego Ramos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Nittina Botaro, da Universidade Federal de Juiz de Fora; e Endryws Felipe Souza de Moura, da Universidade Federal de Campina Grande. Além desta seção, nesta edição contamos com uma entrevista inédita oferecida pelo professor Renán Silva, da Universidad de Los Andes (Colômbia), na qual discute os novos desafios enfrentados pelo historiador no século XXI.
E assim concluímos mais um número desejosos de que todos os leitores e leitoras façam excelentes reflexões a partir do material da mais nova edição da REH.
Atenciosamente,
Nota
1 DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos apud MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979, p. 129.
Organizadora
Mariana Rodrigues Tavares
Referências desta apresentação
TAVARES, Mariana Rodrigues. Apresentação. Escrita da História, v.1, n.2, p.10-12, out./mar. 2014-2015. Acessar publicação original [DR]
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