Intelectuais e Comunismo no Brasil: 1920-1950 | Cândido Moreira Rodrigues

Seguindo o fluxo multidisciplinar na investigação de discursos, práticas, representações, imagens, memórias e esquecimentos, cinco professores – da Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Estadual de Londrina e Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – condensaram suas reflexões sobre ações, pensamentos e relações de intelectuais com o comunismo na primeira metade do século XX.

O capítulo inicial, a cargo de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus, aborda o comportamento anticomunista de Gustavo Barroso. Bacharel, parlamentar, secretário de Estado e presidente da Academia Brasileira de Letras, Barroso liga-se, na década de 1930, à Ação Integralista Brasileira (AIB), nem sempre se submetendo às diretrizes de seus principais líderes.

Embora intelectual respeitado quando da adesão ao integralismo, sua obra (inspirada em “Os protocolos do Sábio de Sião”) é classificada mais panfletária do que teórica. Não é o único a defender a ideia de antissemitismo, igualmente compartilhada por Plínio Salgado e Miguel Reale que, no entanto, desejam alvejar os integrantes do movimento internacional, poupando os nacionais. Para Gustavo Barroso, o envolvimento direto dos judeus ao comunismo é claro. Se, por um lado, os adeptos da AIB divergem tensamente sobre o antissemitismo, por outro lado, mostram-se unânimes no rechaço ao comunismo. Ainda de acordo com Barroso, a quem, neste item, Plinio Salgado apoia, o comunismo implica na desagregação social e na continuidade do liberalismo capitalista. Os judeus facilitariam a conversão do capitalismo em socialismo/comunismo, sendo estes resultados natural daquele.

A estratégia de dissimular o antissemitismo em um suposto discurso político fica clara ao se notar que o objetivo de todas as considerações anticomunistas de Barroso é, na verdade, a questão racial ligada ao antissemitismo. A proposta pode até parecer, à primeira vista, um posicionamento político, mas tem na sua origem a questão racial, pois pretende responsabilizar o judeu, antes do que qualquer outro elemento, pelo surgimento do comunismo e pelos seus desdobramentos (p.28).

Plínio Salgado instiga as análises de Jefferson Rodrigues Barbosa. Fundador da AIB, articulador anticomunista (planejava Estado corporativista e centralizador, semelhante ao fascismo), escritor, leitor assíduo de filosofia, pedagogia e psicologia, Salgado atua em vários cargos. Durante os tumultos políticos de 1930, percorre países europeus. De volta ao Brasil, exalta a liderança de Vargas como maneira de construir táticas de impedir o regresso político das práticas da Primeira República.

A estratégia de Salgado em livrar o país dos comunistas, reforçar o nacionalismo e enaltecer os valores morais e religiosos trespassa disputas ideológicas, divididas por Gramsci em Sociedade Civil e Sociedade Política. Pela Sociedade Civil, denominada guerra de posição, os espaços ocupados somariam a opinião pública à propaganda política com vistas a ampliar o número de militantes. Já pela Sociedade Política, alcunhada guerra de movimento, uma vez inseridos eleitoralmente nas estruturas institucionalizadas, os militantes conquistariam a hegemonia política, fomentando a criação de um Estado Integral.

A partir de 1930, os jornais da AIB publicam artigos anticomunistas, apoiando o golpe de Vargas em 1937. Segundo Barbosa, um dos pontos altos entre Vargas e a AIB se dá pela legitimação da ditadura por meio da divulgação do Plano Cohen, documento que prevê dominação comunista. Ainda de acordo com Barbosa, três expressões teóricas destacam-se: a de Plínio Salgado (nacionalismo moralizante do catolicismo social), Miguel Reale (corrente sindical e corporativista) e Gustavo Barroso (antissemitismo). O Estado Integral destina-se ao Homem Integral, educado em valores integralistas: espiritualismo cristão e nacionalismo chauvinista (mescla de elementos de ordem política e religiosa).

Cândido Moreira Rodrigues apresenta um panorama das perspectivas de Alceu Amoroso Lima sobre comunismo e democracia. Convertido ao catolicismo em 1928, diretor do jornal “A ordem”, presidente do Centro Dom Vital, da Ação Católica Brasileira, membro da Academia Brasileira de Letras, reitor da Universidade do Brasil, professor de Literatura brasileira e fundador da Comissão de Justiça e Paz, Alceu Amoroso Lima lidera a direita católica no período em que a transmissão de ideias e os debates acirrados chegam ao público através de suplementos literários – para os quais escrevem intelectuais de renome (entre eles, Mário de Andrade e Sergio Buarque de Holanda) – ou dos aparatos de comunicação que fomentam as ideologias.

Entre 1930 e 1950, a ideologia do governo Vargas consiste na divulgação dos benefícios do trabalho, sinônimo de remédio de combate à pobreza e de ajuda ao país. As ideologias do Estado concentram-se em quatro temas: trabalho, riqueza, cidadania e nação. As políticas e as legislações trabalhistas avolumam-se na mesma medida em que crescem os mecanismos de repressão aos movimentos oposicionistas e ao comunismo. Alceu Amoroso Lima acredita que Vargas e a Igreja Católica possam manter relação de cooperação. Posteriormente, muda de ponto de vista: ora opõe-se ao comunismo e às democracias, ora se aproxima das ditaduras, ora simpatiza com os comunistas e distancia-se do governo Vargas, abrindo, inclusive, debate nas fileiras católicas.

A atuação de Alceu Amoroso Lima no Brasil do governo de Getúlio Vargas carrega consigo o ônus de ser constituída pela defesa do princípio de autoridade e da limitação da liberdade, mas revela também a postura de um intelectual que soube, por meio do contato com a filosofia democrática de Jacques Maritain, abandonar posições insustentáveis e se converter à democracia e à liberdade, enquanto outros se mantiveram em silêncio (p. 98).

Depois de dois intelectuais anticomunistas e de um terceiro que se reposiciona em relação à democracia e à liberdade, Edvaldo Correa Sotana analisa os relatos de viagem de Jorge Amado, resgatando, das formulações de Sirinelli, os conceitos de intelectual mediador/criador cultural e de ator social (justificado pelo engajamento), nos quais o romancista baiano é concomitantemente inserido. Em 1930, Amado lança títulos enfocando as injustiças sociais no Nordeste. Entre 1940 e 1950, acrescenta ao trabalho literário a atuação política. Durante esse período, o Partido Comunista Brasileiro lança as diretrizes das funções políticas dos escritores e dos caminhos da liberdade de criação. Amado defende o engajamento dos intelectuais, contrariando a tese de neutralidade, imposta pelos capitalistas “somente para afastar escritores dos movimentos progressistas e ganhá-los para sua causa” (p. 106).

Os escritores comunistas devem pautar seus trabalhos de acordo com o realismo socialista.

Esse método indicava que a literatura deveria estabelecer o tipo ideal, tanto de heróis quanto de temas, como elementos representativos da luta dos comunistas para expressar a perspectiva do proletariado. O romantismo revolucionário deveria apresentar o otimismo calcado na idéia do sonho que a realidade em seu desenvolvimento concretizaria. O caráter popular dos textos seria marcado pela utilização de uma linguagem compreensível às massas (…). O método também limitava o tempo visual do escritor, impondo-lhe a obrigação de tratar realidades sociais nas obras (p.107).

Embora, no início, aparentemente tenha aderido aos critérios do realismo socialista – de suas viagens a países soviéticos saiu “O mundo da paz” (1951), recheado de trechos laudatórios à União Soviética e a Stálin e pressuposto do Prêmio Stalin da Paz (1952) – Jorge Amado rompeu com o partido, ponderou sua produção bibliográfica – sem, no entanto, renegá-la – evitando a republicação de obras engajadas que, em suas palavras, possuíam características de “um determinado tempo” (p.115).

Paulo Ribeiro da Cunha encerra o volume analisando o General Miguel Costa na Coluna Prestes. Integrante da Polícia Militar de São Paulo e socialista (ajudou a fundar o Partido Socialista Brasileiro e a refundá-lo em 1945 juntamente com Antônio Candido e Paul Singer), a Coluna deveria se denominar Miguel Costa, a quem se atribui papel secundário.

Entre os motivos enumerados para explicar sua falta de inserção na Academia e entre os civis, duas hipóteses são consideradas: 1) falta de estudos históricos sobre o papel político das instituições policiais militares paulistas e 2) reduzida bibliografia sobre Miguel Costa em inversa proporção ao volumoso número de títulos a respeito de Prestes incluindo-se, na gama de divulgadores, o romancista Jorge Amado. Prestes detinha competência militar maior do que a política: embora suas notas na Academia Militar sejam superadas apenas na década de 1980, algumas estratégias soam imaturas, arriscadas ou inexequíveis.

Nas academias militares ou nas da Polícia Militar, os debates em torno da Coluna Prestes/Miguel Costa são pontuais ou ignorados, pressupondo-se tática de esquecimento a fim de mascarar a dificuldade em trabalhar com a memória da derrota do Exército. Pesquisadores da Corrente Militar defendem o nome de Miguel Costa à Coluna baseando-se nos conceitos de Comando e Liderança – nem sempre quem detém o Comando exerce a Liderança – e na superioridade de sua patente de major à de capitão de Prestes. Apesar dos argumentos, militares hierarquicamente superiores aceitam o Comando e a Liderança de Prestes. Os opositores de Miguel Costa sustentam que ele é argentino de nascimento, desquitado e policial: afronta respectivamente os conceitos de nação, de moral eclesiástica e de armas.

Os homens liderados por Prestes não reúnem condições de continuar a revolução a eles aliando-se os de Miguel Costa que não é apenas ator militar, mas detentor de características que o credenciam ao comando. Cabe-lhe, pressupondo autoridade-comando-liderança e capacidade de avaliação política, evitar a dissolução da Coluna. A falta de ascensão de Miguel Costa atrela-se aos supostos limites da Polícia Militar de São Paulo, impossibilitada de resgatar a memória de um oficial socialista.

Finda a primeira década do século XXI, Intelectuais e Comunismo no Brasil constitui não apenas obra historiográfica dos anos 1930-1950, mas reunião de reflexões que, nos dias correntes de ascensão “socialista” na América Latina, analisa as relações de continuidade, interrupção, aproximação ou distanciamento entre Comunismo/Socialismo, Governos, Igreja, Instituições Públicas (militares ou educacionais), ideologias e partidos políticos, papéis dos intelectuais e redimensionamento de perspectivas entre discursos, práticas e representações.


Resenhista

Vicentônio Regis do Nascimento Silva – Mestre em História pela Unesp, Assis/SP, Brasil. Doutorando em Letras/Estudos Literários pela UEL, Londrina/PR, Brasil. E-mail: vicrenos@yahoo.com.br


Referências desta Resenha

RODRIGUES, Cândido Moreira; BARBOSA, Jefferson Rodrigues (Orgs.). Intelectuais e Comunismo no Brasil: 1920-1950. Cuiabá: EdUFMT, 2011. Resenha de: SILVA, Vicentônio Regis do Nascimento. Diálogos. Maringá, v. 17, n.2, p. 747-752, mai./ago. 2013. Acessar publicação original [DR]

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