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Intelectuais e a relação entre a Ibero-América e a Europa / Intellèctus / 2017

Neste número da revista apresentamos o dossiê Intelectuais e a relação entre a Ibero-América e a Europa. Uma vez mais objetiva-se publicar estudos sobre as reflexões produzidas pelos intelectuais ibero-americanos e em especial as que traduzem temas pertinentes aos laços culturais, à cooperação intelectual e o próprio significado bem como o impasse no tocante à História Intelectual. Afinal, a conformação de um campo de estudo e pesquisa sobre a história intelectual é recente. Muito possivelmente o desenho deste novo terreno esteja relacionado a uma renovação no campo da História das Ideias, ao qual a História dos Intelectuais está associada, bem como à História Política.

A história intelectual, bem como a história dos intelectuais, tem sido um campo de estudo que desde os finais do século XX e tem agregado um maior número de pesquisadores e se tornado objeto constante de pesquisas, estudos e teses. No Brasil, ao longo do decênio de 1990, tomou forma estudos no tocante à história dos conceitos bem como história intelectual na perspectiva dos autores franceses. Entre os principais expoentes desta nova historiografia francesa destacam-se Jean-François Sirinelli, Michel Winock y Roger Chartier. Em Portugal assiste-se desde então à configuração do campo de estudo mais específico dedicado à história intelectual, que em conjunto com a história cultural foi-se impondo ante à predominância da história social.

O presente dossiê pretende reunir aqui o resultado de trabalhos neste campo produzido por historiadores oriundos da península ibérica bem como da Ibero-América e nesse caso mais especificamente do Brasil. Os artigos que compõem este dossiê representam uma pequena mostra de estudos que buscam refletir, criticamente, sobre o pensamento e ação de um conjunto de intelectuais do Brasil e Portugal, bem como sobre as dificuldades metodológicas quando se trata de se abordar a história intelectual, das ideias e a história dos intelectuais.

O primeiro artigo de autoria de André Jobim Martins versa sobre um dos principais dilemas brasileiros e porque não dizer ibero-americanos, qual seja o da construção da identidade. Tomando por base os escritos de Nabuco em Minha formação e mais especificamente o 4º capítulo “Atração do Mundo” o autor procura discutir, através das reflexões de Nabuco, um tema constante na intelectualidade ibero-americana, qual seja: a oposição entre Natureza e Cultura. Oposição esta ainda mais intensa no Brasil com toda sua opulência no tocante à Natureza. Nas reflexões sobre a identidade os intelectuais da Ibero-América enfrentam, desde o início do século XIX, esse dilema. O artigo procura compreender alguns dos significados desta questão a partir do que ficou conhecido como a “moléstia de Nabuco”.

O artigo denominado “Do iberismo ao ibero-americanismo, da federação latina à confederação luso-brasileira – percursos e reflexões de alguns intelectuais portugueses entre os séculos XIX e XX”, de autoria de Maria Conceição Meirelles, objetiva nas palavras da autora “e evidenciar o percurso de pensamento, muitas vezes complexo e até ambíguo, de alguns intelectuais portugueses de diferentes campos ideológicos, designadamente republicanos (principalmente federalistas) e integralistas monárquicos, entre meados do século XIX e inícios do século XX, relativamente às teorias iberistas e hispano-americanistas que então foram formuladas”. A autora ao longo do texto procura analisar como em meados do século XIX a questão ibérica tomou um vulto importante e por vezes contraditório em Portugal. O “utopismo das Luzes assente nas ideias de pacifismo e de fraternidade universal, e a valorização da especificidade nacional com o advento dos Estados-Nação e consequente movimento das nacionalidades”. Ao longo do texto a autora analisa o modo como os temas do iberismo, federalismo ibérico, panlatinismo, pan-lusitanismo, união ocidental, hispanismo, aliança peninsular, peninsularismo, confederação luso-brasileira, hispano-americanismo foram tratados por intelectuais de diferentes opções ideológicas voltados ao questionamento da relação entre Portugal e Espanha bem como da Península Ibérica e da Europa com a Hispano América.

No artigo que se segue “Um intelectual orgânico no Estado Novo de Salazar: as ideias e os projetos de luso-brasilidade de António Ferro”, Carla Patrícia Silva Ribeiro tem por objetivo analisar uma das faces da política empreendida por Antonio Ferro objetivando o fortalecimento das relações luso-brasileiras. No dizer da autora, “Ferro investiu fortemente nas relações culturais entre o Estado Novo de Salazar e o de Getúlio Vargas” e ao longo do texto procura “descortinar as razões para o (relativo) insucesso da estratégia de luso-brasilidade de Ferro, enquadrando-o no contexto de conflitualidade internacional da II Guerra Mundial”. O texto nos permite adentrar a uma das faces menos conhecida desta figura ímpar no Estado Novo português.

O artigo de autoria de Clara Isabel Serrano e Sérgio Neto denominado “Um Atlântico Luso-Afro-Brasileiro ecos de Gilberto Freyre em Augusto de Castro e Norton de Matos” converge e conversa, de certa forma, como texto anterior. Os autores propõem analisar a temática do luso-tropicalismo bem como a “crença numa excepcionalidade portuguesa, no que respeita ao racismo” e tratam a questão atentando para a forma como “a teoria de Gilberto Freyre foi cooptada pelo Estado Novo salazarista, como estandarte ideológico de defesa contra os movimentos anticoloniais e as pressões das Nações Unidas para a independência das suas colónias”. O artigo então objetiva analisar a temática da ideologia colonial “tendo por base os estudos mais recentes e escolhendo dois vultos intelectuais da primeira metade do século XX (um partidário do regime e um opositor)”: – Augusto de Castro e o general Norton de Matos. Ambos, segundo os autores “afinando o seu diapasão por argumentos aparentemente contrários, mas que se encontram próximos na defesa do ideário ultramarino, com referências à obra de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda”.

O artigo de Flavia Oliveira Barreto trata, como o próprio nome define, dos desafios metodológicos para a (auto)biografia de família. Nesse sentido o texto nos permite sair da temática das reflexões intelectuais para nos transportar para o universo do tratamento do objeto quando o intelectual a ser analisado tem uma relação afetiva com o pesquisador. Ao longo do texto a autora procura discutir o desafio da objetividade quando a pesquisa biográfica se debruça sobre vida e obra de um personagem familiar. A autora procura ao longo do texto discutir “os problemas da objetividade no tratamento da subjetividade e das questões referentes ao afeto, como um dos grandes desafios metodológicos”. A questão da metodologia se impôs para a autora no momento em que se dedicou a pesquisa sobre o maestro Sivuca, seu pai, compreendido como “um intelectual orgânico, atuante no campo cultural da arte musical internacional”. Ao realizar este trabalho a autora procurou discutir o tema da objetividade a partir das considerações feitas por Edgard Morin quando este também se deparou com esta questão quando da realização da biografia de seu pai.

O próximo texto, de autoria de Franco Santos Alves da Silva, “Portugal Livre: um jornal de oposição ao Estado Novo português no exílio brasileiro 1958-1961”, versa sobre as ideias e discussões acerca da fundação, manutenção e fechamento do jornal Portugal Livre, editado na cidade de São Paulo, Brasil, por portugueses exilados do Estado Novo naquele país, na viragem dos anos cinquenta para sessenta. A proposta é estudar não somente o jornal em si, mas sim os debates que antecederam sua criação e permeavam assuntos de como a oposição deveria agir no exílio; os posicionamentos frente à questão colonial; e os diferentes partidos políticos envolvidos. Assim, o corte temporal é um pouco maior do que a vida do jornal em si, compreendendo o período entre os anos 1958 e 1961.

Nuno Bessa Moreira, em “a história das ideias como vocação transdisciplinar em José Sebastião da Silva Dias e José Esteves Pereira”, procurou discutir a possibilidade de conciliação entre a História das Ideias e a dos Intelectuais. Para isto o autor faz uma digressão pelas diferentes concepções teóricas a respeito da história das ideias e dos intelectuais. A seguir o texto passa a analisar o modo como José Sebastião da Silva Dias bem como José Esteves Pereira intentaram “uma história das Ideias diferente da tradicional, o primeiro de meados de Novecentos até aos anos 90, criando escola, e o segundo até aos dias de hoje. Sublinha-se a tese segundo a qual estes estudiosos refletiram teoricamente sobre a História dos Intelectuais, salvaguardando uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar”. O artigo permite assim não apenas uma incursão no debate sobre a história das ideias e a história dos intelectuais bem como possibilita conhecer o modo como esses dois historiadores enfrentaram esse debate.

O texto que fecha este dossiê é de autoria de Isabel Maria Freitas Valente, “Regiões Ultraperiféricas da União Europeia e os desafios do século XXI”, e traz à luz a discussão sobre o significado e as implicações das regiões ultraperiféricas frente à União europeia, em especial no tocante ultraperiferia portuguesa. Ao longo do texto a autora procura demonstrar as dificuldades para algumas dessas regiões ultraperiféricas serem inseridas em condições de igualdade na União Europeia e as tentativas de promove-las ao status de portas de entrada da Europa com vistas a promover “o estreitamento de laços culturais, comerciais, económicos e humanitários com territórios e com países terceiros, como o MERCOSUL, África e o Brasil”.


Apresentadoras

Maria Emilia Prado (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Maria Manuela Tavares Ribeiro (Universidade de Coimbra)

Dezembro de 2017.


Referências desta apresentação

PRADO, Maria Emilia; RIBEIRO, Maria Manuela Tavares. Apresentação. Intellèctus. Rio de Janeiro, v.16, n.2, 2017. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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