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Intelectuais, Cultura e Modernismo / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2017

A temática deste dossiê nasceu de um projeto coletivo fruto das discussões de um Seminário entre docentes e discentes do Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, em colaboração com a Universidade Estadual de Goiás. O nosso objetivo foi o de propor reflexões em torno da figura do intelectual enquanto mediador cultural, destacando-se o seu papel na formação de importantes grupos literários no contexto das correntes modernistas brasileiras das primeiras décadas do século XX. Nessa perspectiva, buscamos ainda problematizar a categoria de intelectual e os seus desdobramentos no conjunto dos debates da História Cultural e das relações entre História, Literatura e Cinema. Somos gratos à acolhida da nossa proposta pelos editores da Revista Eletrônica História em Reflexão, os quais viabilizaram um espaço privilegiado para a publicação dos nossos textos.

Diante da aguda crise política vigente no país, evidenciada por uma polarização radical entre discursos tidos como de direita ou de esquerda e o avanço de um pensamento e práticas conservadoras, faz-se importante os debates em torno do papel dos intelectuais e dos meios de mediação cultural. A coletânea organizada por Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016), Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política, traz uma importante contribuição acerca dessas questões e novos olhares no interior do debate historiográfico. Numa acepção mais ampla contemplada pelas autoras, os intelectuais são

[…] homens da produção de conhecimentos e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social. Sendo assim, tais sujeitos podem e devem ser tratados como atores estratégicos nas áreas da cultura e da política que se entrelaçam, não sem tensões, mas com distinções, ainda que historicamente ocupem posição de reconhecimento variável na vida social (2016, p. 10).

Uma dimensão importante no que concerne ao conceito de mediação cultural é o seu significado para a História Cultural, visto que a mesma busca compreender as operações de apreensão da realidade social a partir dos sentidos atribuídos pelos sujeitos. Nessa perspectiva, analisar as práticas de mediação torna-se estratégico para o entendimento das dinâmicas de circulação, comunicação e apropriação dos bens culturais, pois as mesmas envolvem mudanças de sentidos nas intenções de seus produtores (GOMES; HANSEN, 2016, pp.12-13).

A categoria de intelectual mediador permite ampliar a noção de redes de atuação desses sujeitos, pois tais homens “duplos”, segundo definição de Christophe Charle, assumem o papel de intermediadores, ao circularem entre os produtores da cultura e o público. Os mesmos servem como meio de passagem (passeurs) entre a cultura popular e a erudita, frequentemente analisadas como separadas, estabelecendo um elo fundamental na disseminação da novidade cultural (CHARLE, 1992, pp. 72-75). Algumas ocupações são emblemáticas nesse tipo de mediação, permitindo a aproximação entre os diferentes públicos e os bens culturais, tais como: tradutores, educadores e críticos de música, literatura, cinema, televisão, teatro e artes plásticas.

À luz disso, o conjunto de artigos selecionados para o dossiê contempla textos de docente e discentes de pós-graduação em História (mestrandos e doutorandos), com vistas a ampliar as possibilidades de debate acadêmico e dar maior visibilidade às pesquisas em andamento. Os três primeiros estabelecem uma discussão que amplia a reflexão em torno dos intelectuais mediadores, assim como das práticas de mediação cultural, e os dois últimos colocam em foco as relações entre História, Literatura, Cinema e Periódicos.

O texto de José Fábio Silva, Crítica literária e mediação cultural: Nestor Vítor e o seu papel na divulgação da obra de Cruz e Sousa, analisa o papel exercido pela crítica literária, com destaque para a produção de Nestor Vítor, na difusão e canonização da obra do poeta Cruz e Sousa na virada do século XIX para o século XX. Num primeiro momento, o autor recupera a trajetória intelectual do crítico literário e a sua atuação junto ao grupo de escritores simbolistas brasileiros. Dedica-se ainda a evidenciar a atuação de Vítor como mediador cultural, pois como crítico literário dedicou-se a publicar e disseminar a obra de Cruz e Sousa. Nesse percurso, destacou-se as querelas no meio literário em torno da recepção e rejeições à obra do poeta. Por último, recuperou-se o percurso de consolidação de Cruz e Sousa no cânone literário brasileiro, ao lado do legado de Vítor nesse processo e no campo da crítica literária.

Alex Fernandes Borges, no artigo O Historiador como Intelectual Mediador da Cultura, estabelece uma análise teórica acerca da possibilidade de se qualificar o historiador como um intelectual mediador, com base no conceito proposto pelos estudos de mediação cultural elaborados por Jesús Martín-Barbero e sistematizado no estudo de Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen. Borges buscou pensar a figura do historiador – como um tipo ideal – à luz das concepções formuladas na teoria de Jörn Rüsen, problematizando-o como mediador cultural, bem como caracterizando-o como um criador de conteúdos e, também, um divulgador, um tradutor capaz de construir sínteses entre as carências de orientação difusas no campo da experiência política, sociocultural e econômica. Dessa maneira, o autor chega à ideia segundo a qual os historiadores propõem narrativas que permitem dar sentido ao agir e contribuem para a formação de identidades, utilizando-se de conhecimentos de sua área e dialogando interdisciplinarmente com todos os campos das chamadas Ciências Humanas, mediando ideais e projetos políticos.

O artigo de Karla de Souza Ferreira, Mediador Cultural ou Antropólogo do Mal: Bruce Albert e o caso de “A Queda do Céu”, propõe uma análise crítica sobre o fragmento “Postscriptum, quando eu é um outro (e vice-versa)”, apresentado na obra A Queda do céu: palavras de um xamã yanomami; livro pensado por um xamã yanomami, Davi Kopenawa, e produzido pelo etnólogo francês Bruce Albert. Souza Ferreira reflete acerca do processo de produção do livro, no qual dois universos culturais se encontram. Sob este prisma, apresenta-se uma produção literária indígena do povo Yanomami, cuja importância para a construção da História Indígena é fundamental, porém, trata-se de um trabalho produzido em coautoria entre personagens com diferentes formações culturais. Por esse motivo, a autora questiona o papel de Albert no processo de elaboração do livro – seria o mesmo um mediador cultural ou um “antropólogo do mal”? – visando estabelecer um cotejamento e reflexões acerca do ato tradutório e suas implicações, destacando-se os desafios e contribuições apresentadas nesse processo.

Por seu turno, Edson Mendes de Almeida no texto Um Tico para formar adultos estabelece uma discussão acerca da revista Tico-Tico, fundada em 1905 no Rio de Janeiro, realçando o seu papel no tocante à formação e educação do público infantil. A mesma era publicada como um Suplemento na revista O Malho, trazendo em seu conteúdo histórias em quadrinhos, lendas, contos, galeria de fotos dos leitores, além das seções do Dr. Sabetudo e das Lições do Vovô. A publicação foi pioneira no âmbito de se direcionar às crianças, enquanto veículo de mediação cultural, com a proposta de estimular o gosto pelo conhecimento e pela leitura. Em vista disso, Almeida selecionou o período 1920 a 1922 do periódico, com vistas a promover um diálogo com o movimento modernista referenciado na Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922.

Já no artigo intitulado Cinema Novo e sua relação com o Modernismo literário: reflexões sobre aspectos similares, o historiador Julierme Morais propõe uma discussão acerca da relação entre as matrizes culturais que aproximaram os movimentos do Cinema Novo e o Modernismo literário brasileiro, buscando explicitar como o movimento cinematográfico, evidenciado nos anos de 1960, apresenta algumas características similares ao movimento literário, cujo marco construiu-se em torno da Semana de Arte Moderna de 1922. Segundo Morais, a aproximação entre Modernismo e o Cinema Novo pode ser pensada a partir dos questionamentos e desconstrução da linguagem artística tradicional, conduzidos pelo desejo da invenção e de discutir o brasileiro. Esses movimentos buscavam, inspirados nas vanguardas europeias de suas respectivas épocas, uma autonomia no ato da criação, assim como a possibilidade de inventar um instrumental capaz de forjar uma expressão artística que pudesse ser considerada nacional.

Por fim, cabe ressaltar que somos gratos à acolhida da nossa proposta pelos editores da Revista Eletrônica História em Reflexão, os quais viabilizaram um espaço privilegiado para a publicação dos nossos textos. Nesta medida, esperamos que os temas analisados neste dossiê possam contribuir para a edição deste volume do periódico, que constitui um importante espaço de divulgação e diálogo acadêmico, com vistas a fomentar a produção do conhecimento histórico.

Referências

CHARLE, Cristophe. Le tempsdeshommes doublés. Revue d’ HistoireModerne et Contemporaine, n 39, pp. 73-85, jan. / mars. 1992. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2017.

GOMES, Ângela de C; HANSEN, Patrícia S. Apresentação. In: _______ (org). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 7-37.

Luciana Lilian de Miranda – Professora Doutora (PPGH-UFG)

Julierme Morais – Professora Doutora (UEG).

Goiânia-Morrinhos, GO, setembro de 2017.


MIRANDA, Luciana Lilian de; MORAIS, Julierme. [Intelectuais, Cultura e Modernismo]. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 11, n. 21, jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Itamar Freitas

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