Inimigos da esperança; publicar/ perecer e o eclipse da erudição | Lindsay Waters
Este breve livro – ou breve ensaio – escrito pelo editor da Harvard University Press dá conta, em boa medida de argumentos, sobre o malestar que se espalha entre intelectuais estadunidenses e que, por conseqüências históricas, deve aportar no Brasil. A indisposição que motiva o livro é o frenesi da produção acadêmica que cresceu na mesma proporção em que se mantém(ve) desconhecida. Se quisermos, não consumida.
De um locus privilegiado, Waters realiza uma releitura do fenômeno da hiperprodutividade editorial que só fez crescer desde a segunda metade do século XX. Tal fenômeno decorreu das exigências adotadas pelas instituições universitárias e, principalmente, das agências de fomento que passaram a adotar o princípio da produção quantitativa como mote para mensurar a atuação dos profissionais vinculados à elabração do saber.
Nos Estados Unidos, a produção acadêmica foi rapidamente relacionada à avaliação dos pesquisadores, condição necessária para “promoções” ou manutenção de seus empregos. No caso brasileiro, a publicação adquiriu importância, especialmente, junto aos programas de pós-graduação que, submetidos às exigências da CAPES, implementam as medidas junto ao corpo docente da pós-graduação. Isso também vale para agências como o CNPq, responsável pela concessão de bolsas e outros tipos de fomento para pesquisa.
Waters, portador de considerável experiência no ramo das publicações, sublinha o que pode ser o perecimento do publicar ou perecer, sobretudo porque há tempos nota-se um descompasso entre o que se produz e o que se consome. A primeira parte do livro, “Os bárbaros a nossas portas” apresenta um histórico do problema, indicando os mecanismos que propiciaram o surgimento e o relativo sucesso da política de publicação a qualquer custo. Sem deixar de enfatizar seu lugar na cadeia produtiva – e “alimentar”-, o autor expõe dados que indiciam as dificuldades que o boom produtivista criou, favorecendo o alargamento do vão entre quantidade e qualidade: “O produto é tudo que conta, não sua recepção, não o uso humano. Isso é produção apenas com o valor de um fim em si mesmo e praticamente nenhum outro” (p. 42), escreve o editor, pontuando a inversão ou subversão dos mecanismos criados para mensurar o conhecimento. Na segunda parte, “Do cinismo à iconoclastia – a promoção do status quo” traz pontos importantes para a vida acadêmica, tais como a avaliação pelos pares, a dificuldade no enfrentamento da crise que se verifica. Mas, ao que parece, a discussão mais importante é uma espécie de metamorfose da erudição no âmbito da universidade, mesmo que essa percepção pareça bastante questionável. Na expectativa de melhorar o desempenho acadêmico, o que seria uma inovação per si, obteve-se resultados questionáveis do ponto de vista da qualidade do que se produz e publica-se. E mais uma vez retomamos a preocupação central do texto: o que e para que se publica? A utopia de fazer avançar o conhecimento, e aqui se pensa especialmente nas humanidades, é hoje uma idéia questionável. Importa mais dar conta do que Waters denomina de “contabilidade acadêmica” do que construir saberes, de fato, inovadores.
Bem, pode-se indagar: e daí? A questão é pertinente porque anuncia em boa medida o que muitos de nós brasileiros já sentimos há algum tempo, especialmente no que se refere a pressão cada vez mais forte para produzirmos. E antes de acusarem Waters e suas idéias, é importante frisar que ele não defende a improdutividade ou complacência com a retórica que se pretende crítica ao sistema, mas que, ao cabo, oculta o ócio de “intelectuais” que escrevem – ou mal escrevem – e-mails! O debate freqüentado pelo editor está muito além de questiúnculas de perfil ideológico(?): está ligado à essência do conhecimento produzido e divulgado. Talvez a reclamação possível é que Waters deixa transparecer uma perspectiva pragmática nas suas ponderações, o que não neutraliza suas conclusões.
A tônica do debate sintetizado em “Inimigos da esperança” é muito mais vinculada à produção de livros e artigos ou à publicação como um todo e à finalidade desse material. Além da finalidade e da qualidade discutível de muito do que se publica, vivenciamos um instante em que se verifica praticamente impossível dar conta de uma “revisão bibliográfica” consistente porque o volume de livros e artigos é cada vez maior. Não à parte, a cada momento aqueles que devem(riam) produzir são convocados a elaborar mecanismos quantificadores para fazer as vezes de instrumentos qualificadores, atitude paradoxal no ambiente do livre escrever/pensar.
Ler “Inimigos da Esperança” auxilia na percepção do problema, embora ele permaneça em nossa sala!
Resenhista
Eudes Fernando Leite – Professor do Curso de História da Universidade Federal da Grande Dourados.
Referências desta Resenha
WATERS, Lindsay. Inimigos da esperança; publicar, perecer e o eclipse da erudição. Trad. Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Edunesp, 2006. Resenha de: LEITE, Eudes Fernando. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.10, n.17, p.209-211, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]