Escrito por Alfredo da Mota Menezes, professor aposentado da Universidade Federal do Mato Grosso, e editado pela editora carioca “Fundo de Cultura” o livro “Ingênuos, Pobres e Católicos” explora a emblemática e estereotipada visão que o norte-americano, desde o cidadão comum, até as camadas intelectuais e políticas locais, sustenta sobre a América Latina.
Menezes é PhD em história latino-americana pela Tulane University, nos Estados Unidos, onde também atuou como professor visitante. Em sua obra o autor busca delinear as origens históricas da percepção norte-americana acerca da América Latina, suas supostas origens e justificativas, bem como os principais atores responsáveis pela sua manutenção, tal como a mídia, relatos de viajantes e alguns intelectuais. Para isso ele se usa de uma vasta bibliografia composta desde artigos e charges divulgadas em jornais, majoritariamente norte-americanos, até livros, filmes e documentos diplomáticos.
É comum entre os norte-americanos a crença na inaptidão política e inferioridade cultural da região ao sul do Rio Grande, convicção essa que remonta aos primórdios da colonização, aos primeiros contatos entre o povo que se fixou na região norte do continente com os seus vizinhos sulistas. A herança colonial ibérica, em especial o catolicismo, seria a grande responsável pela desfavorável situação que se desenvolvera na região, pois os próprios espanhóis e portugueses já seriam inferiores aos demais europeus, em especial os de origem Anglo-Saxônica.
A crença na superioridade do norte advém de três principais fatores, diferenças entre os dois povos, que sempre marcaram a relação entre eles: a religião, a raça e o clima. Quanto ao primeiro, este foi, talvez, o fator de maior impacto na formação da visão norte-americana acerca da inferioridade latina, cujas origens remontam à lutas religiosas entre católicos e protestantes que se desdobravam na Europa durante o período inicial de colonização das treze colônias. Os católicos são taxados como tradicionalistas, autoritários (devido à estrutura hierárquica da igreja), pouco éticos (pois o perdão dos pecados seria facilmente atingido via confissão), e pouco trabalhadores (pois focavam mais veemente na próxima vida do que nesta). Essas características, ainda, dificultavam o progresso econômico.
Outro fator marcante na região ao sul do Rio Grande seria a raça. Historicamente a figura do índio sempre fora vista de forma peculiar nos Estados Unidos. Apesar de um pequeno grupo enfatizar a pureza desse grupo, a maioria sempre o taxou como uma barreira ao desenvolvimento, um povo pobre que não conseguiria dominar a natureza e, dela, retirar sua riqueza – terra essa que, portanto, deveria ser ocupada indiscriminadamente pela parcela de origem européia. Os índios foram, prontamente, associados ao povo latino-americano, o que ajudou a justificar as guerras contra o México que marcaram a expansão rumo ao oeste.
Outra caracterização dos latino-americanos se deu com relação aos mestiços. Nesse sentido surgiram diversos estudos indicando que os mestiços seriam inferiores aos de raça pura, eles eram colocados em nível inferior, inclusive, aos próprios índios, e era dito que ele era ingovernável e preguiçoso. Posteriormente, o negro, visto com extrema desconfiança e preconceito nos EUA, também passou a englobar o rol de características dos latinos.
O clima é o terceiro fator. Acreditava-se que o clima frio incentivaria o trabalho, pois ter-se-ia que encontrar meios para se aquecer e a cooperação entre as pessoas se tornava essencial para a sobrevivência. Já na América Latina isso não ocorreria. A abundância traria o ócio e a população evitaria o trabalho. Em charges a América Latina seria representada como uma mulher ou criança, sempre negra, índia e mulata, indefesa e emocionalmente instável, necessitando do apoio e suporte do homem branco.
Outra tese que permeia o livro é que, em uma relação inter-americana, é que impossível o tratamento seja dado entre iguais, ou seja, que a América latina seja considerada em um patamar equivalente aos norte-americanos. Deste modo, quando os Estados Unidos praticam ações comerciais agressivas, invasões, ações militares, entre outras atitudes diversas, estas não seriam condenáveis, pois visariam ao crescimento e desenvolvimento da região ao sul e, além disso, estariam circundadas de uma aura religiosa e missionária, a obrigação de levar a civilização ao sul, essa noção que foi chamada, principalmente nas décadas de 1830 e 1840, de “Destino Manifesto”. A América Latina seria vista como uma região de conflitos e inaptidão política, era, igualmente, vista de forma monolítica, homogênea, ou seja, não importava o país, abaixo do Rio Grande eram todos iguais. Nessa questão Menezes é enfático. Como estudioso da história brasileira e, em especial, da Guerra do Paraguai, o autor busca colocar o que, de fato, ocorria na região durante as ações norte-americanas, afastando-se dos estereótipos e oferecendo uma contrapartida sul-americana. Nesse sentido ele realça, por exemplo, a rivalidade Brasil-Argentina como um fator que teria influenciado na precoce aproximação brasileira à órbita de influência norte-americana, como uma contrapartida aos argentinos, sob a ampla influência britânica.
Traços específicos da política externa norte americana também são amplamente explorados no livros, sempre relacionados com a mentalidade dominante norte-americana no que refere aos citados estereótipos. Um exemplo é a doutrina Monroe, que legitimava a atuação dos EUA como defensor de suas regiões vizinhas face aos poderes europeus, doutrina essa intrinsecamente relacionada com a noção de destino manifesto, e que ganha, posteriormente, um foco militar com o corolário Roosevelt. A política da boa vizinhança é classificada como uma tentativa de amenizar a relação inter-americana, de modificar a relação e melhorar a imagem dos Estado Unidos entre seus vizinhos ao sul. Cabe salientar que ela já se delineava desde o governo de Theodor Roosevelt e tivera uma ampla aceitação inicial entre as camadas intelectuais de ambas as regiões. Porém, como salienta o autor, tal política não prosperaria e os enraizados estereótipos tomariam, novamente, lugar de destaque, especialmente na política externa. Nisso, o autor coloca a própria mentalidade latino-americana como contribuinte para a boa aplicação da política do norte: haveria uma certa ingenuidade, o povo do sul aceitaria como sinceras as políticas norte-americanas, pois desconheceria a real mentalidade desse povo com relação à eles, daí seria necessário mais estudos com relação ao norte, tal como viria a ser feito nos Estado Unidos, com os diversos centros de estudos latino-americanos em diversas universidades.
Durante a guerra fria as relações se normalizariam, com a América Latina estagnada na órbita de influencia dos Estados Unidos. Acreditando que era parte da cultura latina a aceitação de regimes autoritários, os EUA apoiariam governos fortes na região objetivando, sempre, a contenção do comunismo. Outrossim, ela seria frustrada com a ausência de um “Plano Marshall” para a região e a “teoria da dependência” em voga também teria sua eficiência posta em cheque, devido ao crescimento dos países asiáticos, como a Coréia do Sul. Após a queda da União Soviética a relação muda mais uma vez, dessa vez os norte-americanos buscariam maiores garantias na região, proporiam, por exemplo, a ALCA, e a indústria cinematográfica hollywoodiana, que se beneficiava grandemente da expansão para o mercado latino-americano, reduziria os estereótipos presentes nos filmes e buscaria amenizar a imagem do povo ao sul, nunca, porém, se desvencilhando dos antigos hábitos.
Cabe também ressalvar, que, ao longo do livro, o autor não deixa de citar os pontos de vista divergentes à mentalidade dominante sobre o povo ao sul do Rio Grande presentes nos Estados Unidos, sempre os colocando como minoritários. Em seu conjunto, Menezes faz uma análise bastante concisa, ao mesmo tempo que é rica em detalhes, sobre a visão que o norte-americano mantém sobre o povo ao sul, sempre usando-se de uma linguagem clara e rica em ilustrações.
Resenhista
Leonardo Carvalho Bandarra – Bacharelando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: lclab90@gmail.com
Referências desta Resenha
MENEZES, Alfredo da Mota. Ingênuos, Pobres e Católicos: A Relação dos EUA com a América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 2010. Resenha de: BANDARRA, Leonardo Carvalho. Meridiano 47, v.12, n.124, p.31-33, mar./abr. 2011. Acessar publicação original [DR]
Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…
Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…
Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…
This website uses cookies.