O debate sobre o imperialismo e a luta de classes, abandonado por uma parte da esquerda e não considerado pela maioria dos pós-modernos, sempre esteve presente na vida dos povos latino-americanos. Na América Central, no Caribe e no México, onde o imperialismo se manifestou de forma mais atuante e visível, os movimentos revolucionários não apenas tomaram em armas, mas também apresentaram um projeto nacional para se contrapor ao Estado imperialista. Essa luta começou no final do século XIX e início do XX, com José Martí, em Cuba, que denunciou a ideologia colonizadora do pan-americanismo; passou por Emiliano Zapata e Francisco Villa, que expropriaram terras de estadunidenses em território mexicano para fazer suas reformas agrárias durante a Revolução de 1910; continuou com Augusto C. Sandino, que lutou contra a ocupação estrangeira para construir um Estado nacional na Nicarágua; e chegou a Che Guevara, que defendeu a tese da criação do segundo e do terceiro Vietnã para derrotar militarmente o imperialismo.
Hoje, líderes nacionalistas de esquerda começam a ganhar as eleições em vários países da América Latina, fazendo-o sobre os escombros das políticas neoliberais aplicadas a partir de meados dos anos 1970. Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e a própria Argentina são os exemplos mais conhecidos. Todos estes governos têm implementado, em menor ou maior grau, um projeto nacional de esquerda que se opõe frontalmente ao imperialismo. O Documento de Santa Fé II (1988), que orientou a política externa do Departamento de Estado estadunidense, afirmava que “o matrimônio do comunismo com o nacionalismo, na América Latina, representava o maior perigo para a região e para os interesses dos Estados Unidos”.
Acaba de ser lançado, pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, o livro do cientista político estadunidense James Petras sob o título Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo. O autor analisa temas como a base econômica do poder imperial, o realinhamento de governos latino-americanos a Washington, a ALCA e sua pedagogia para a opressão, a conexão EUA-Iraque-Israel e o sionismo, as políticas antiimperialistas com suas diversas formas de luta e, por último, o grande debate revisitado, capitalismo versus socialismo.
Para Petras, as empresas multinacionais são um dos eixos que fundamentam o poder econômico do imperialismo. Os EUA continuam sendo dominantes em termos absolutos e relativos: contam com 227 (45%) das 500 multinacionais mais importantes, seguidos pela Europa Ocidental, com 141 (28%), e Ásia, com 92 (18%). Esses três blocos regionais controlam 91% das principais multinacionais do mundo (p. 12). A dita globalização, para o autor, pode ser entendida em seu sentido mais amplo como o poder derivado de tais empresas com sede nos três blocos citados, o que lhes permite movimentar capitais e controlar o comércio, o crédito e o financiamento.
Cabe ressaltar que as multinacionais estadunidenses ocupam os primeiros lugares na lista das indústrias militares relacionadas com a guerra e a construção de seu império. Isso significa que a corrida armamentista vem potencializando sua expansão industrial nas últimas seis décadas, permitindo aos EUA sair da grande depressão dos anos 1930, em detrimento das atividades industriais. Fred Halliday denominou “triângulo de ferro” a conexão entre o Congresso, o Pentágono e o complexo industrial-militar destinado a aumentar os gastos com a defesa.
Os EUA e a Europa são duas entidades imperialistas que se diferenciam apenas no método de dominação e exploração. Enquanto o imperialismo europeu adota uma estratégia diplomática de “comércio-investimento-mercado”, os EUA utilizam a via neocolonial militarista; enquanto Bruxelas propõe um estilo de controle multilateral, consultivo e de cooperação, Washington lança mão da ação unilateral e do monopólio do poder; enquanto a Europa busca estabelecer uma cooperação com as elites dos países árabes e com Israel, Washington – influenciado pelos sionistas – prioriza uma relação apenas com Tel Aviv.
Ao analisar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), Petras mostra que esta organização “proporciona ao imperialismo estadunidense um amparo legal e de tomada de decisões para determinar o comércio, os investimentos, as políticas sobre a propriedade e a legislação trabalhista, bem como a natureza, o gasto, a forma e o conteúdo dos sistemas de saúde e educação” (p. 71). Isso estabelece um novo sistema político, assim como a base legal para o controle de toda a estrutura socioeconômica da América Latina.
Petras também discute o uso da educação pela ALCA como um mecanismo de transição do neoliberalismo ao neocolonialismo. O exemplo mais visível é a interferência do Banco Mundial em favor de um maior profissionalismo, e contra a ideologia, nos programas educacionais. Na verdade, o que o Banco Mundial promove é uma ideologia pró-imperial que prepara tecnocratas para servirem às empresas multinacionais em oposição a toda idéia nacionalista.
O tema central do livro, no entanto, é o relato feito por James Petras e Robin Eastman-Abaya sobre a conexão EUA-Iraque-Israel e o sionismo. Os analistas de política internacional costumam afirmar que o apoio estratégico-militar de Washington a Tel Aviv é fundamental na manutenção de um Estado forte, belicoso e expansionista. A doutrina Nixon-Kissinger, ao reconhecer que os EUA “não poderiam mais fazer o papel de policial do mundo” e que, portanto, “esperariam que outras nações fornecessem mais guardas para a ronda de sua própria vizinhança”, atribuiu a Israel, bem como a outros países, entre eles o próprio Brasil, a função de atores regionais. Dentro desta perspectiva estratégica, tanto Israel como o Brasil desempenharam uma função subimperialista em suas áreas de influência. Hoje, porém, segundo Petras e Eastman-Abaya, é Israel que, por meio de sionistas estadunidenses importantes, detém o poder dentro dos EUA. A Casa Branca chega a adotar políticas altamente prejudiciais aos seus interesses, somente com o intuito de beneficiar a Tel Aviv. Um exemplo é a guerra contra o Iraque, cujo principal beneficiário é o Estado de Israel, já que conseguiu a destruição de seu inimigo árabe mais forte no Oriente Médio, ou seja, o regime que dava apoio à resistência palestina.
Poucos são os analistas políticos que mostram “a excessiva influência” que os governos israelenses exercem sobre os EUA, por meio de poderosos grupos de pressão e indivíduos sionistas nos setores estratégicos de sua economia, como também no Poder Executivo, no Congresso, nos partidos políticos, na mídia e no sistema financeiro. Os mais conhecidos sionistas, segundo Petras e Eastaman-Abaya, são Alan Greenspan (ex-diretor do Banco Central), Paul Wolfowitz (ex-diretor do Banco Mundial), Richard Perle (Defense Policy Board), Douglas Feith (secretário de Defesa Adjunto), David Frum (redator dos discursos de Bush), Elliot Abrams (encarregado da Política para o Oriente Médio) e tantos outros. Petras e Eastman-Abaya analisam, então, vários casos pontuais em que os interesses dos EUA foram prejudicados para favorecer Israel (p. 115-120). O mais recente, e de uma enorme gravidade, diz respeito às Torres Gêmeas, já que os investigadores federais estadunidenses têm razões para acreditar que o serviço de inteligência israelense sabia do ataque de 11 de Setembro e não comunicou Washington porque a Tel Aviv interessava a guerra como justificativa para destruir seus inimigos árabes. Para ambos os autores, esta influência exercida por Israel está baseada na diáspora e nas redes judaicas muito bem estruturadas, que têm acesso direto aos centros de poder e propaganda do país imperialista mais poderoso do mundo. A relação EUA-Israel é a primeira da história moderna na qual um país acoberta crimes praticados por terceiros contra si próprio.
Imperialismo e luta de classes também analisa as políticas antiimperialistas e sua forma de resistência ao longo do tempo. Se no período da Guerra Fria os movimentos antiimperialistas eram rotulados de conflitos entre blocos (socialismo versus capitalismo ou Terceiro Mundo contra Primeiro Mundo), hoje eles têm uma conotação de exploração de classes. Além disso, a política econômica imposta pelas autodenominadas instituições financeiras internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento) contribuiu decisivamente para a transformação da estrutura de classe. A execução seletiva da política de “livre comércio” tem sido determinante na reestruturação da estrutura de classes urbana e rural. Isso torna a luta mais ampla e profunda.
Petras mostra como o imperialismo causou grandes problemas no campo, tais como o enfraquecimento de pequenos e médios produtores agrícolas pela política de “livre comércio” que permite a afluência massiva das exportações agrícolas estadunidenses subsidiadas; a concentração da propriedade, assim como o deslocamento de agricultores de subsistência e sem terra, por meio de empréstimos e ajuda a empresas agro-exportadoras que se especializaram na produção de produtos de exportação, como soja, café e suco de laranja; o aumento da polarização por extinguir as restrições sobre a propriedade estrangeira e acabar com a propriedade comunal da terra, estimulando a estratificação interna; e, finalmente, a queda de preços para produtores locais (p. 175-176).
Não se pode esquecer que o imperialismo também transformou a natureza do Estado por meio da intervenção militar, da chantagem econômica, dos golpes de Estado e dos processos eleitorais corruptos, ou seja, a manipulação de eleições com a ajuda dos meios de comunicação de massa.
O Iraque, juntamente com a América Latina, são os lugares em que se verificam os maiores descontentamentos populares com a pilhagem do imperialismo e, concomitantemente, com a queda no nível de vida das pessoas. Os atores deste movimento são, em sua grande maioria, trabalhadores pobres urbanos e rurais, estudantes de classe média baixa, professores, religiosos, movimentos sociais radicais, grupos indígenas e organizações guerrilheiras e estão baseados nos impactos negativos diretos sobre o nível de vida, empregos, produção agrícola e controle da política econômica.
James Petras finaliza seu livro analisando o grande debate que permeou todo o século XX e continua presente nos dias de hoje: capitalismo versus socialismo. O autor mostra que as decisões econômicas, assim como as propriedades nacionais, eram de domínio público no socialismo. Com o colapso deste sistema, as empresas multinacionais estadunidenses e européias se apropriaram de todas as riquezas dos ex-países comunistas. Isso tem gerado desemprego em massa, emprego temporário e uma grande imigração para outras partes do mundo.
Na Polônia, os antigos estaleiros de Gdansk (onde nasceu o Sindicato Solidariedade) foram fechados e agora são uma peça de museu. Na Rússia, a economia foi privatizada e oito oligarcas multimilionários enviaram para os bancos de Nova York, Tel Aviv, Londres e Suíça mais de duzentos bilhões de dólares. Os principais beneficiários do fim da URSS foram os antigos burocratas soviéticos, os chefões da máfia, os bancos estadunidenses e israelenses, os especuladores imobiliários europeus, os construtores do império de Washington, os militaristas e as empresas multinacionais.
Por fim, Petras compara o atual socialismo cubano com os novos países capitalistas surgidos no Leste europeu e Ásia meridional e chega a conclusões, com base em dados econômicos, de que o “socialismo reformado” de Cuba, apesar do embargo imposto à Ilha pelos EUA e da crise dos anos 1990, é superior, no índice de desenvolvimento humano, aos países que transitaram para o capitalismo com o fim da União Soviética.
Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo é um livro polêmico, atual e instigante, que por certo deverá suscitar muitos debates e, por que não dizer, paixões também.
Resenhista
Waldir José Rampinelli – Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina.
Referências desta Resenha
PETRAS, James. Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo. Trad. Eleonora Frenkel Barretto. Florianópolis: Editora da UFSC, 2007. Coleção Relações Internacionais e Estado Nacional – RIEN. Resenha de: RAMPINELLI, Waldir José. Imperialismo: ele ainda existe?. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 7, p. 137-142, 2008. Acessar publicação original [DR]
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