Os textos que aqui resenhamos compõem o livro organizado a partir do primeiro encontro de pesquisadores da Rede Imagens Geografias e Educação, integrada com base no projeto apoiado pelo CNPq desde 2011. Atualmente, as formas coletivas de produção do conhecimento em redes, que contam com pesquisadores de distintos níveis acadêmicos, de diferentes áreas do conhecimento, têm sido uma tendência, a qual se baseia nas novas condições materiais para o aumento dos intercâmbios, mas também no pressuposto de que nossa era da informação nos exige enfrentar os desafios da separação dura das disciplinas científicas e da produção partilhada do conhecimento.
Formada por distintos pesquisadores de universidades públicas brasileiras, esta rede é um exemplo entre outros atualmente não tão raros, daqueles pesquisadores que decidiram por trilhar seu caminho acadêmico integrando diferenças num interesse comum. Aqui, a Rede estabelece seus elos em relação às práticas de ensino e educação e ao tema da imagem no contexto da linguagem geográfica. Como podemos verificar por cada um dos artigos publicados nesse livro, a recente rede tem mostrado seus avanços teóricos e metodológicos, tanto na forma tradicionalmente acadêmica como na forma de conhecimentos de outras maneiras postos à disposição da sociedade.
Os trabalhos contidos no livro estão, em grande medida, inspirados pelo pensamento do filósofo Gilles Deleuze e, com um conjunto de outras referencias contemporâneas, atestam o empenho coletivo da Rede. Seu amadurecimento nos tem oferecido significativos debates, principalmente para as áreas da Geografia e da Educação.
O livro está estruturado a partir das contribuições de cada um dos distintos pontos pelos quais a rede se faz: Campinas/São Paulo, Presidente Prudente/Dourados, Crato, Florianópolis, Natal e Vitória. A partir de contextos de análise, percursos metodológicos distintos, podemos dizer que a imagem é a categoria que, tematizada por cada pesquisador, traz entre eles o traço comum da valorização do próprio agente em sua potencialidade para dar sentido às suas ações, pondo em relevo a dimensão da vivência ordinária na criação de significados cujas representações e enunciados permitem “perturbar” formas tradicionais do pensamento e, em especial, aqueles que perpassam o ensino no âmbito da Geografia.
Para produzir esta resenha, propomos compor seu enredo como o do livro, encadeando uma breve resenha sobre cada artigo, descrevendo deles algumas características e considerações relevantes.
O texto que abre o livro está dedicado a analisar a própria Rede, sendo escrito por Oliveira Jr, W. M., Ferraz, C. B. O. e Girardi, G. Críticos de uma ciência unímodo e inspirados pelas contribuições no plano da arte e da filosofia, os autores discorrem sobre como se realiza a prática da pesquisa em rede e parecem encontrar na própria forma de lidar com as diferenças que cada um traz de suas experiências já dadas, o campo da reflexão que rasura tais significações a priori e aprimora os meios pelos quais se torna possível recriar os fios que os tecem em rede. Define-se, assim, a coerência entre teoria e prática, rumo aos novos percursos de suas pesquisas sobre as praticas educativas. Rasurar aparece aqui tanto como verbo da pratica reflexiva da Rede, como conceito que permite criar aberturas para as diferentes pesquisas dedicadas a como pensar o espaço no escopo da educação.
Apontando as investigações de cada corpo de pesquisadores, os autores ressaltam os papeis distintos que a Imagem assume no tripé com a Geografia e a Educação, no contexto de cada grupo. A narrativa daquilo que já está estabelecido dá lugar a outras linguagens, uma vez que esta não é concebida como mero instrumento para comunicar sobre um mundo já dado, mas sim como a própria criação do mundo o qual se deseja comunicar. Ao analisar a diversidade dos polos de conhecimento da Rede, os autores colocam que as diferenças são dadas principalmente em função da distinta situação institucional em que cada grupo se insere, afetando suas pesquisas. Trata-se, contudo, de singularidades que permitem trocas, diálogos e aproximações possíveis.
Os autores nos mostram que foram profícuos os trabalhos em vídeo, na medida em que mais que informar algo do mundo pelas imagens – seja como denúncia, como representação das quais se escapa, como estranhamento que provoca um papel ativo no espectador –, os vídeos testemunham outros pensamentos sobre o espaço, instaurando outro “lugar” pela força das imagens. Outrossim, as apresentações fotográficas e cartográficas propõem novas estéticas, nas quais a imagem não se encerra numa linguagem ilustrativa, mas passa a resultar de sentidos existenciais, abrindo caminhos à crítica e à criatividade.
Para potencializar outras perspectivas, a frequente pergunta em relação a uma imagem: “o que você quis dizer com isso?” dirigida aos respectivos autores mostra, pela própria forma de perguntar, como somos capturados por significados que deveriam informar sobre um real já determinado e nos aproxima da ideia da asfixia das imagens, nesse caso, em ambientes escolares. Nesse sentido, os autores destacam a importância da variação estética, onde as imagens são “preenchidas” pelos sujeitos que experimentam a linguagem com a qual lhes convém o que querem dizer.
Gilles Deleuze é colocado pelos autores como a referencia que majoritariamente aparece entre as pesquisas, o que revela a particularidade do seu pensamento para potencializar suas experimentações nas interfaces imagens-geografias-educação. Na busca por novos parâmetros da investigação e da ação educacional, os autores alertam para o risco de a própria rede produzir modelos, que enrijecem os estudos e afastam as pesquisas de uma perspectiva de pensamento aberto a qual se propõem.
Baseados na premissa, portanto, de que “as imagens informam, representam, mas igualmente instauram o pensar” (p.37), a arte surge como potência capaz de criar novos caminhos filosóficos e científicos do pensamento, os quais vêm defrontar nossa habitualidade de pensar o espaço e as próprias imagens. Entretanto, os autores apontam a grande distancia que há entre os ambientes de produção acadêmica e escolar e os ambientes de produção artística. Em todo caso, algo comum entre as diferentes abordagens que integram a rede é a busca por tornar mais fluidas as fronteiras entre o científico e o artístico, entre reproduzir e produzir pensamentos através de suas experimentações.
Com a motivação de descortinar conexões potentes, os autores admitem que o mundo em que vivemos já não reconhece os limites que historicamente se deram entre realidade e ficção, entre documento e arte. À Rede, não caberia, portanto, definir esse ou aquele caminho, mas sim, asseveram os autores, enfrentar o desafio que passa por compor desvios no pensamento que se abriga dentro dos muros da institucionalidade acadêmica e escolar, abrindo-o às narrativas imagéticas que constituem onde se dá nossa existência.
Os dois capítulos seguintes são trabalhos realizados pelo grupo de Crato (CE). O primeiro artigo é de Seemann, J., professor de cartografia da Universidade Regional do Cariri (CE). O autor busca repensar a linguagem cartográfica no ensino básico e superior no Brasil e questiona sobre haver uma escolha que seja realmente “correta” para estabelecer as relações entre a ideia a ser representada e a forma pela qual se expressa no mapa. Para tanto, o autor se deixa inspirar por uma crônica de Rubem Alves, que critica o sistema educacional brasileiro em que os estudantes são condicionados a buscarem respostas “certas”. Problematizando questões próprias da cartografia, o autor postula que transcrição gráfica do fenômeno no mapa não deve partir de códigos preestabelecidos, ou seja, para pensar nos significantes é preciso partir da dimensão que é ser-no-mundo e escreve: “a realidade gera símbolos que devem servir como pontes” (p.44). O autor recorre à tradição da cartografia brasileira, estabelecida por Jaques Bertin (1918-2010), influenciada por Suassure, para criticar o modo dominante da linguagem cartográfica e aponta as limitações de um sistema de signos que não tem por base a percepção dos indivíduos. Valorizando os produtores e leitores dos mapas em suas situações de pertencimento, reafirma-se igualmente a cartografia como importante forma de comunicação visual alternativa e complementar à linguagem falada e escrita. O autor então nos apresenta sua experimentação em sala de aula, onde os estudantes confeccionariam mapas que pudessem representar as dinâmicas da globalização, antes ilustrada por uma letra do rock nacional. Ante a dificuldade de representar graficamente os processos da globalização, afirma-se a busca de instrumentos que permitam criar “imagens mentais” que venham aprimorar as análises dos processos de transformação do espaço geográfico. O exercício se torna válido na medida em que os mapas não são soluções, explica, mas sim exercícios de comunicação gráfica, em que é possível especular, deduzir, interpretar as transformações do espaço que vivemos.
O terceiro artigo é escrito por Bezerra, A. J., graduando da Universidade Regional do Cariri (CE). Seriam os sentidos, com base nos órgãos sensoriais, reveladores da paisagem geográfica? Essa pergunta fundamenta os caminhos que trilha o autor para afirmar contribuições da geografia da percepção ao ensino escolar. Para estimular uma melhor apreensão do conceito de paisagem por parte dos seus estudantes do 9 ano do ensino fundamental em Crato, o autor analisa sua experimentação, que teve como proposta que os jovens analisassem a paisagem vendados. Recorrendo a um vídeo temático (Jardim e Carvalho, 2001) e, valorizando a experiência participativa como meio que permite desenvolver a capacidade do estudante pensar por si mesmo e construir aprendizagens significativas, o texto revela um conjunto de pontos de relevo que, pela experiência dos alunos, vieram ampliar a noção da paisagem, antes reduzida a percepção unicamente visual. Igualmente, o texto nos revela a criatividade do autor ao assumir a aprendizagem como desafio de encontrar os meios para enfrentar os modelos da educação convencional.
Do quarto ao décimo primeiro artigo, temos os trabalhos do grupo de São Paulo/Campinas (SP). O primeiro deles foi escrito por Parra, H. Z. M., professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo. Reconhecendo mudanças nas dinâmicas de produção e acesso ao conhecimento na contemporaneidade, em virtude dos dispositivos digitais de comunicação e redes cibernéticas, o autor põe em tensão as relações entre universidade e sociedade. Em seu projeto, explícito no texto, a escola desponta como agente capaz de produzir novos conhecimentos. A igualdade fundamental entre as potencias de inteligência (Rancière, 2010) exige, entretanto, a criação de dinâmicas de produção colaborativa de conhecimento, onde o uso das tecnologias digitais de comunicação em rede amplia a produção e compartilhamento de informações, além de ampliar as formas de enunciação para além do texto escrito.
Nesse processo em que surgem novos saberes e sujeitos, a imagem é compreendida em sua dimensão cognoscente, mas também como imagem tecnicamente mediada pelo suporte que lhe deu condição de comunicabilidade. Tais imagens, entendidas no universo da expressão como saberes cotidianos, passam a disputar enunciados e decisões que dizem respeito às suas vidas. “Tecnocidadãos” são chamados esses atores emergentes que renovam as oportunidades para produzir uma ciência amadora, tensionando as fronteiras entre senso comum e ciência, reconfigurando a ecologia de conhecimentos e as relações de poder. Ao afirmar a existência de diversas formas de objetivação e analise do mundo, o pesquisador se vê em meio a seus alunos do ensino médio onde sua prática de ensino e pesquisa se mistura, já que se ensina sociologia fazendo sociologia.
O quinto artigo é escrito por Barbosa, C., doutorando da Faculdade de Educação da Unicamp. O autor se utiliza da metáfora dos vegetais: figueira e samambaia (Machado, 2006) como recurso analítico para problematizar a cartografia do currículo oficial. A figueira seria o poder dominante, as instituições que instituem uma história oficial, já a samambaia, ao estilo rizomático de Deleuze e Guatarri, diz respeito à multiplicidade de histórias, a dimensão das micro-relações fazendo história. No caso da cartografia escolar, o autor diz que o “mapa figueira” está presente no material didático dos alunos da rede de ensino do Estado de São Paulo e, como afirmação de certa visão de mundo, propõe estruturas rígidas de conhecimento e percepção do espaço. Assumindo a natureza política da cartografia, o autor propõe a criação de um “mapa rizoma”, aberto, capaz de potencializar as aprendizagens espaciais dos estudantes, operacionalizando em sua reflexão os conceitos de Deleuze. A linguagem videográfica, articulada com o cotidiano dos alunos, propõe o autor, permitiria criar fissuras no currículo instituído, abrindo-o a novas conexões espaciais. Por interferir no modo de ver e se relacionar, bem como no modo de enunciar, a cartografia audiovisual, criada entre professores e alunos, foi o intercessor que desnaturalizou os olhares em direção a interações antes invisíveis, permitindo agenciar novas formas de habitar a sala de aula e a escola.
O sexto artigo do livro é escrito por Gonçalves, M. P. A., doutoranda em Educação pela Unicamp, professora adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ao compreender a importância da geografia e, em especial, da cartografia para a formação do cidadão, a autora reconhece a necessidade de outras possibilidades de pensar o espaço com relação às praticas escolares ante o avanço tecnológico na produção cartográfica. Com base nos aportes da cartografia temática, admitindo não haver neutralidade nos mapas, a autora expõe ao longo do texto sua trajetória reflexiva, desde sua prática docente, passando pelas questões de fundo da disciplina da cartografia até sua experimentação com o “cartogravídeo”. Ao buscar romper com a ideia de representação do real, a autora, inspirada por autores (Deleuze e Guatarri,1980; Lama, 2009; Massey 2008; Oliveira Jr, 2010), assume a cartografia como ação sobre o real. Na experiência de filmagem, contrariando a ideia da cidade como lugar de movimento constante, a autora a identifica também como espaço de paragens. De um lado, o vídeo aponta em direção à multiplicidade de trajetórias e significados, cujas imagens foram criadas a partir da co-presença, de outro, a própria pesquisa consiste no se deixar agenciar numa outra percepção, em que “parado” se intercruzam uma porção de estórias possíveis.
O sétimo artigo, reunido entre os trabalhos do grupo de São Paulo/Campinas (SP), é escrito por Belleza, E. O., mestrando em Educação na Unicamp. Seu artigo, igualmente substantivado pela experimentação mediada pela linguagem audiovisual, e fundamentando sua análise nas contribuições de Deleuze e Guatarri (1997) e Massey (2008), busca “inventar um lugar” a partir da produção de um vídeo, o qual lhe convide a outra maneira de existir no mundo. O diálogo com alguns conceitos e a experiência audiovisual entre a filmagem, a edição e à assistência ao vídeo e, nos conta o autor, também a experiência escrita deste artigo, teve força para propor uma nova relação com um lugar que era para si mesmo tão habitual e familiar. O texto revela que a produção de tal vídeo força o autor a vagar o pensamento pelas múltiplas trajetórias que o compõem e que lhe desperta, criando conexões inéditas de um lugar que já não cabe ser mera representação de uma realidade, mas sim fruto eventual de um movimento que não cessa.
O oitavo artigo do livro foi escrito por Marques, I., mestranda em Educação na Unicamp. A autora propõe que seus estudantes do ensino médio de uma escola estadual em Americana (SP) vivenciem uma experiência como viajantes e, a partir das imagens criadas pela câmara pinhole que portam, possam alcançar outra maneira de imaginar o espaço. A escolha pela técnica de captura de imagem se relaciona ao interesse pela fabulação (Bogue, 2011) como conceito que permite caminhar em desequilíbrio, uma experimentação que é meio capaz de criar novas realidades. Daí as geografias menores, como propõe Oliveira Jr (2010). A proposta da autora demonstra o interesse de que a experiência dos alunos envolva o resistir à saturação que promove as imagens instantâneas do aparato digital contemporâneo, criando linhas de fuga que borram as imagens óbvias da cidade. Para a autora, a cidade se desvela pelas imagens criadas através do “buraco de agulha” e a linguagem para pensa-la não escapa ao silencio dado na expectativa, no estranhamento, na incompreensão dos acontecimentos capturados. Nesse vazio, explica, é que a fabulação das imagens se coloca como força e o pensamento recorre à criação de outros sentidos possíveis.
O nono artigo do livro, igualmente integrante do grupo São Paulo/Campinas (SP), é escrito por Novaes, Í. F., doutorada em Educação na Unicamp, docente na ESEBA/ UFU. A autora assume o poder de influencia social dos mapas na leitura do mundo e, por meio da metodologia das oficinas (Correa, 2000), propõe a grupo de professores de geografia movimentar o pensamento. A partir do deslocamento das imagens convencionais que possuímos do mundo, busca-se criar outras possibilidades de pensar a docência. Depois de provocar o olhar dos professores ao apagar o contorno político do continente africano e criar incômodo pela imagem do mapa que variava da representação habitual, a atividade lhes solicitou uma nova projeção, que reverberasse num “mapa desejante” o estranhamento que a ausência do continente provocou. Nesse contexto de tensão sobre nossa educação visual, a reinvenção das representações rasura o mapa como realidade fixa, mas, entretanto, aponta a autora, a memória também dirige a captura de outras imagens possíveis, outras cartografias. Contudo, como o desejo é uma atividade de produção (Zourabichvilli, 2004), a intenção não consiste em impor soluções, afirma a autora, mas contemplar uma perspectiva rizomática, que se encontra no “intermezzo” (Deleuze, 1995).
O décimo artigo do livro foi escrito por Souza, C. M. A, mestre em Ensino e História das Ciências da Terra. Com base nas contribuições de Pellejero (2009), onde a fabulação potencializa a literatura como meio de afirmar outros devires possíveis, a autora, com seus alunos do ensino médio em Campinas (SP), experimenta mobilizar o currículo da cartografia. Compondo diferentes momentos práticos de estímulo para os estudantes derivarem o pensamento sobre a representação cartográfica (reflexão sobre um HQ, projeções díspares do mesmo espaço em vídeo, leitura do poema que captura o “irrepresentável”) a autora propõe que os jovens cartografem o intervalo. Como resultado, o texto mostra que essa cartografia menor visibilizou a pluralidade das identidades de grupo dos estudantes e seus comportamentos espaciais, os estados de ânimo dos colegas em situações fabuladas, a dimensão das suas inter-relações no espaço virtual da internet. Igualmente, o exercício abriu a possibilidade da expressão daquilo que limita os alunos: o último instante do curto intervalo, a fila da cantina que não anda, a ganância do comerciante, a estrutura física e institucional da escola. Mesmo sem abandonar o currículo, a autora mostra que é possível transgredir as convenções quando a prática docente busca deslizar as imagens para lugares instáveis e abertos. ambém vinculado ao grupo de São Paulo /Campinas (SP), o décimo primeiro artigo foi escrito por Almeida, C. G. F., graduando da Faculdade de Tecnologia/Unicamp e Lanza, R., doutoranda em Educação pela Unicamp. Os autores propõem ao conjunto de seus estudantes do 6 ano do ensino fundamental um jogo de cartografia situacionista (Massey, 2009) que busca, antes, fazer perder as linhas já codificadas, para abrir a possibilidade da invenção. Os mapas distribuídos aos grupos e que supostamente deveriam orientar a percorrer o campo da experiência a ser filmada tornam-se em “horizontes móveis”, na medida em que o mapa não correspondia à área em que os estudantes estavam localizados. Esse jogo errante, como os autores o chamam, forja os discursos sobre o real e o irreal, provoca a criação de trilhas e trajetórias próprias. Já os vídeos produzidos foram editados, ou inventados, buscando se aproximar da experiência deriva dos alunos. Mas como deriva audiovisual, o vídeo busca tensionar o espectador. Ao expor o estado errante da vivencia e de aberto devir ao qual o pensamento dos estudantes foi forçado numa situação inusitada, os autores acrescentam numa reflexão sobre a cartografia, que esta não perde suas raízes: coordenadas, linhas e signos, mas, por outras práticas, estas raízes podem ampliar a concepção de espaço dado em acontecimento de vida.
Os três artigos seguintes integram os trabalhos do grupo de Presidente(SP)/ Dourados(MS). O décimo segundo artigo do livro é então escrito por Goettert, J. D., professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Grande Dourados (MS) e Pimentel, J. M. V., mestranda do referido Programa. Os autores buscaram falar de um lugar, ou o lugar é que falou por ele? Bem, a cidade se chama Rosana, localizada na tríplice fronteira entre os estados do Paraná, de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. Numa sucessão de planos de análise, os autores se desafiam à leitura da cidade a partir de imagens, iniciando o percurso por seu brasão oficial. A instigação com a flor vermelha no brasão é uma curiosidade para conhecer mais de perto, é o desafio de resistir ao despercebido e enfrentar a análise, construindo a partir da paisagem uma trama complexa que revela a dinâmica territorial da cidade, as “geografias menores” de Rosana. Os autores rasuraram a visão oficializante do município como paraíso, lugar de turismo e lazer, expondo outra potência em sua economia, mais além da indústria do turismo, mais silenciosa e, ainda assim, capaz de mobilizar a região: a economia do sexo. Instigada pelas imagens, a análise crítica da paisagem desfaz significados convencionais e enuncia outra cidade ao desvelar seu espaço aberto, onde as barreiras são meros planos/escalas superpostos. Ao pôr em claro as territorialidades do prazer em Rosana, os autores não preservam os balbucios baixo a normalidade e falam desse lugar.
O décimo terceiro artigo é escrito por Ferraz C. B. O., professor do Departamento de Educação da FCT/Unesp de Presidente Prudente (SP) e do Programa de Pós-graduação em Geografia na UFGD, Dourados (MS), e Fernandes, A. M., mestre em Geografia, professor da IFMS em Campo Grande (MS). Os autores buscam focar a música como instauradora de imagens virtuais, a fim de criar outras possibilidades de leitura geográfica. Afirmam que a música instaura a diferenciação temporal no ouvinte e gera novas paisagens sonoras (Schafer, 2001), portanto, novos pensamentos. Com base nessa assertiva, estabelecem um nexo geográfico ao som a partir do conceito de ritornelo (Cohen-Levinas, 2010), uma vez que o ritornelo expressa um agenciamento territorial capaz de criar signos para se localizar e se deslocar (p.250). Como experimentação, os autores buscam interagir a musicalidade Guarani com a música experimental eletrônica e nos contam: enquanto a musicalidade Guarani instaura seus ritornelos a partir de sua territorialidade própria, a nossa, produzida pelas experimentações eletrônicas, instaura seus ritornelos a partir dos contextos fragmentados da nossa sociedade urbana. Embora a música prescinda de significar algo, ao nos afetar aguça o pensamento e cria espaço. Daí a contribuição dos autores ao sintonizar novos processos territorializadores da vida a partir do som, assim como novas leituras do mundo.
O décimo quarto artigo, também do grupo de Presidente Prudente(SP)/ Dourados(MS) é escrito por Silva, S. R., mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Grande Dourados (MS) e por Nunes, F. G., professora do Programa de Pós-graduação em Geografia, também da UFGD (MS). Motivadas pela pergunta a respeito da prática pedagógica da geografia na educação intercultural das escolas indígenas de Dourados (MS), as autoras analisam alguns materiais complementares ao livro didático utilizados em sala de aula na escola Araporã. Depois de contextualizar a Escola Indígena (RID-MS) embrenhada na história de expropriação e desigualdades dos povos indígenas do Brasil, as autoras buscam traçar relações entre as imagens dos desenhos e as espacialidades do cotidiano dos estudantes. As múltiplas trajetórias cotidianas identificadas resultam de que as imagens puseram à vista tanto elementos simbólicos das distintas culturas que vivem na Reserva, como um conjunto de contradições, históricas e atuais, com as quais convivem essas crianças. A partir da análise em detalhes dos desenhos, suas cores e símbolos, o jogo de escalas e outros elementos abertos à interpretação, as autoras mostraram o “olhar” que os estudantes possuem sobre sua própria vivencia: o sentido de coerção dos primeiros contatos, a diferença cultural entre modos de vida, as dificuldades para sobreviver com base num meio geográfico que os empurra a um modo de vida contraditório a seus referenciais primeiros. Como não cabem regras para criar relações entre obra e realidade a partir de um desenho, assinalam as autoras, foi possível refletir sobre as subjetividades sobre o ser índio que esses estudantes estão intuindo, assim como o papel da prática pedagógica da geografia nesse contexto que aguça muito a fazer.
O penúltimo artigo do livro integra o grupo de Vitória (ES). O texto foi escrito por Girardi, G., professora do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Espírito Santo, e os graduandos em geografia: Lima, L. M., Aranha, A. M., Vargas, A. A. Preocupados com a rigidez científica da tradição cartográfica, que têm bloqueado os processos de produção de pensamentos sobre o espaço, os autores se lançam a pensar a cartografa hoje. Num arcabouço crítico do conhecimento, em que os verbos localizar e orientar já não estão identificados com o “sistema arbóreo” da cartografia como representação – o mapa como decalque, mas sim potencializados pelas contribuições de Deleuze e Guatarri de uma “cartografia operatória de modos de pensar o pensamento” (p.287), os autores transformam o mapeamento em uma prática que explora as dimensões da expressão. Mesmo a partir das prescrições existentes, admite-se, pois, os atravessamentos afetivos na produção do mapa. O exercício proposto de cartografar uma rua sorteada na cidade e expor os trabalhos deformam nossa cultura visual e propõe adentrar a perspectiva de um cartógrafo antropófago (Rolnik, 2006), onde o mapa passa a ser constituído pela experiência sensorial dos estudantes. Passível de outros desdobramentos, o mapa como um texto-mapa, traduziu em outra linguagem as imagens do campo, afirmando o devir da imaginação espacial e a potencia da cartografia para multiplicar as formas de apresentar o espaço e de existir.
O artigo final do livro foi escrito pelo coordenador geral da Rede, Oliveira Jr., W. M., professor da Faculdade de Educação da Unicamp. Buscando os fios condutores do que integra a diferença dos trabalhos da Rede Imagens Geografias e Educação, o autor se pergunta sobre o que seria comum entre as pesquisas: que forças seriam capazes de nos bloquear e que convidariam a algo da ordem da resistência? (p.303). Partindo para uma análise avaliativa da rede em seu momento do livro, três campos de combates são indicados: o campo da imagem, propondo nos desacostumar dos sentidos e significados já dados ao nos expormos a ela; o campo do espaço, resistindo a ideia de um plano extensivo sobre o qual se dá a vida, entendendo o espaço como aquilo que se configura na intensidade da vida; o campo da educação, criando percursos curriculares nos quais o saber escolar não está restringido ao juntar resultados constituídos e assim permite proliferar pensamentos. Resistir, explica o autor, é colocar em devir algo para que esse mesmo comporte nele outras potencialidades, daí a ideia de “combates produtivos”, os quais a série de experimentações trazidas no livro desejaram criar, fraturando o que era antes asfixia, codificado a priori, determinado, para gerar movimento, fazer pensar e viver de outras maneiras.
A “arte”, tomada não na obra, mas no encontro com o que não era sensível antes que esta pudesse enunciar algo (p.308), é reconhecida pelo autor como potência entre os trabalhos da Rede. Nesse sentido, a perspectiva de entendimento da ação de expressar abre ao devir os percursos da formação em vários níveis escolares. O autor ressalta a busca dos pesquisadores para inventar suas práticas pedagógicas através de “percursos menores”, não prescritivos. Alertando para os riscos de que os trabalhos tendam a asfixiar-se em modelos que (re)criam si mesmos, o autor convida a Rede a assumir suas “experimentações como performances”, pois é na dimensão da cultura que se dão os gestos performáticos, sendo por isso que as fissuras, ao mesmo tempo em que são criadas, fazem deslizar “devires ainda inauditos” (p.310). No desejo de encontrar a potencia menor que agrega a busca individual e coletiva da rede, dirá o autor da deliberada vontade de que o sensível (o mundo) venha a ser outro.
Nota
Livro pode ser baixado na íntegra no site: http://www.ufgd.edu.br/editora/e-books/imagens-geografias-e- 1 educacao-intencoes-dispersoes-e-articulacoes-claudio-benito-ferraz-e-flaviana-g.-nunes-orgs.
Resenhista
Virna Carvalho David – Doutoranda em Geografía pela Faculdade de Filosofía y Letras/Universidad de Buenos Aires, Argentina. E-mail: virna.david@gmail.com
Referências desta Resenha
FERRAZ, Claudio Benito Oliveira; NUNES, Flaviana Gasparotti (Orgs.). Imagens Geografias e Educação – intenções, dispersões e articulações. Dourados: Editora UFGD, 2013. Resenha de: DAVID, Virna Carvalho. Revista Brasileira de Educação Geográfica. Campinas, v. 3, n. 6, p. 226-237, jul./dez. 2013. Acessar publicação original
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