Imágenes de un império: Estados Unidos y las formas de representación de América Latina | Ricardo Salvatore
O livro de Ricardo Salvatore, Imágenes de un império, mostra, ao longo de sete ensaios, como os sul-americanos fizeram parte, entre 1890 e 1940, de uma engrenagem que ajudou a consolidar a influência da atual nação mais poderosa do mundo sobre a porção meridional do continente.
Professor do Departamento de História da Universidade Torcuato Di Tella, na Argentina, Salvatore é também organizador e autor de obras que abordam diferentes temáticas, tais como o caudilhismo (Caudillos rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Eudeba, Buenos Aires, 1998) e as relações entre cultura e poder no processo de expansão da hegemonia norte-americana sobre a América Latina (Close encounters of Empire. Writing the cultural History of U.S.-Latin American Relations. Duke University Press, 1998).
Ao analisar as ações envolvidas na busca de uma hegemonia norte-americana sobre a América do Sul, o autor lança mão de um conceito-chave que é o de “Império Informal”. Estabelece contrastes entre este fenômeno e outros tipos de experiências imperiais, tais como, por exemplo, o Império Espanhol sobre a América durante a colonização ou a presença norte-americana, a partir do final do século XIX, na América Central e no Caribe. Ao passo que o “império formal” recorre à dominação direta, o “império informal” se constrói a partir de uma relação mais sutil de exercício do poder, não deixando, por isso, de ser eficaz em seus objetivos.
O trabalho contém uma série de formulações conceituais e propõe diálogos intelectuais com diversos autores das Ciências Humanas. Entretanto, alguns conceitos capitais desenvolvidos por Salvatore assinalam sua reconhecida dívida teórica com relação ao trabalho do crítico literário Stephen Greenblatt, (Possessões maravilhosas. O deslumbramento do Novo Mundo. São Paulo: Edusp, 1996). É a partir da idéia de “máquina representacional”, extraída deste livro, que Salvatore tece os fios de seu trabalho. Tal “máquina” alude a mecanismos de criação e circulação de representações sobre o próprio centro do império (os Estados Unidos) e sobre o “outro” (a América do Sul), constituindo, de acordo com o autor, a “fonte común de energia” das “diferentes partes de la aventura expansionista” (p. 28). Também de Greenblatt advêm outras noções utilizadas por Salvatore, tais como “tecnologias de representações” e “circulação mimética”. A primeira diz respeito aos veículos de propagação das representações, dentre eles, relatos e guias de viagem, boletins estatísticos e bibliográficos, feiras internacionais, fotografia e imprensa; a segunda refere-se aos caminhos trilhados por estas representações e aos diferentes significados que lhes foram agregados ao abarcarem novos públicos. Particularmente interessante neste sentido é a forma como mostra o trajeto do conhecimento construído sobre a América do Sul pelos norte-americanos: se inicialmente era monopólio de pequenos grupos de cientistas, logo passou a ser transmitido, de maneira mais generalizada, a partir de meios de comunicação, feiras, exposições e museus, a um público infinitamente maior.
A questão central do livro é o exame da conexão entre conhecimento e negócio. Para Salvatore, a produção de conhecimento de cunho científico, aparentemente “neutro”, não se desvincula dos interesses econômicos, consolidados nas relações comerciais e na expansão de novos mercados consumidores. Sob o argumento do “vazio de conhecimento” sobre o subcontinente, viajantes, cientistas, jornalistas e até missionários evangélicos acorreram à América do Sul, sendo estimulados a esquadrinhar e realizar pesquisas sobre o território. Com o discurso da necessidade de conhecimento sobre a região estavam, de acordo com o autor, como que buscando “(re)descobri-la”.
Uma espécie de eufemismo da antiga concepção do “conhecer para dominar”? Se o poder e a hegemonia norte-americanos sobre a América do Sul são alvo de análise, estes são colocados sob o crivo de uma leitura renovada, marcando-se uma acentuada diferença frente a interpretações que compreenderam as relações imperiais sob o prisma da teoria da dependência. A diferença com relação a esta perspectiva é afirmada a partir da crítica à determinação categórica e esquemática das noções de “centro” e “periferia” que ela assinalaria. Busca, com isso, a complexidade presente na relação das partes envolvidas, mostrando, inclusive, como algumas vezes as próprias “periferias” contribuíram na construção de uma imagem explorada pelo império. Um exemplo encontra-se na análise sobre as feiras internacionais, nas quais os stands dos países da América do Sul, organizados por pessoas/ grupos dos “dois lados”, veiculavam representações que atrelavam os sulamericanos à economia primário-exportadora, enquanto a imagem dos Estados Unidos se ligava à do progresso e do avanço da tecnologia. O autor procura mostrar, neste caso, como “la visibilidade imperial fue lograda con la cooperación y complicidad de los invitados periféricos”. (p. 54) A idéia é incômoda, sobretudo se levarmos em consideração os desdobramentos históricos ulteriores e o poder alcançado pelos Estados Unidos hoje. Entretanto, é uma realidade que deve ser encarada: este poder se construiu às custas da exploração de regiões como a América do Sul, mas muitas vezes, também, contou com a colaboração de atores daí oriundos, dependendo das ofertas, acordos e conveniências que serviam aos interesses das elites destes países.
O vínculo entre ciência e negócio estimulou o conhecimento sobre a América do Sul. Neste processo, foram produzidas imagens que circularam entre platéias cada vez mais amplas. Contribuiu neste percurso a adesão de novas técnicas, como a fotografia, que teria colaborado para suprir uma demanda de “objetividade” do público em relação às antigas descrições de viajantes, divulgadas por meio de textos ou pinturas. Dentre os vários exemplos de incursões a esta parte do continente pode-se destacar a “(re)descoberta”, em 1911, de Machu Pichu por Hiram Bingham, posteriormente divulgada ao público norte-americano por veículos de grande circulação como a National Geographic. O livro traz também a reprodução de imagens de algumas fontes utilizadas, como caricaturas, mapas, relatos de viagens, fotos dos stands das feiras internacionais, entre outras. Particularmente interessantes são as fotos que contrastam a modernidade norte-americana e o mundo natural e tradicional sul-americano: um potente avião da Pan American Airways, estacionado ao lado de lhamas e bolivianos vestidos com trajes típicos; ou ainda um índio ao lado de um burrico, numa exposição internacional, ambos “selados” e descritos como “carregadores da América do Sul”.
Em busca das origens da relação entre conhecimento e negócio, o autor remonta à primeira metade do século XIX, onde localiza os primórdios da “empresa do conhecimento” em viagens e expedições realizadas pelos norte-americanos para a América do Sul. Tanto os comerciantes quanto os cientistas eram estimulados a desenvolver um conhecimento em relação aos lugares visitados, o que muitas vezes se materializava na coleta de espécimes naturais, que compuseram futuras coleções museológicas. Assim, a expansão das fronteiras comerciais e a ampliação do conhecimento científico eram fenômenos conectados.
O autor estabelece uma divisão entre dois períodos do maquinário representacional do Império Informal. O primeiro se situa ao longo do século XIX e corresponde a uma fase de “articulación mercantil, cuando la expansión del comercio motorizó el impulso hacia afuera” (p. 101). O principal agente cultural desta fase é o viajante-aventureiro. O segundo período transcorre entre finais do século XIX e as primeiras décadas do XX. Economicamente, este momento é marcado pelo interesse de grandes corporações na região, pela produção em massa e pelo consumo. Os mediadores culturais desta etapa são outros: caçadores de petróleo, construtores ferroviários, banqueiros e financistas. Além disso, novas disciplinas, como a Geologia, a Geografia, Antropologia, Sociologia e Economia, oferecem suporte para a “empresa do conhecimento”.
Além dessas mudanças, Salvatore conclui que há também transformações nas formas de representar a América do Sul. Ao longo do século XIX, teria prevalecido uma imagem (à exceção de alguns países, como o Chile e o Brasil) que articulava três argumentos: o da imaturidade e instabilidade política, o da mestiçagem cultural e o da ausência de progresso técnico e material. Já a partir do início do século XX, os antigos estereótipos perdem força e uma nova retórica imperial é construída. Os sul-americanos começam a ser representados, desde então, não mais a partir do discurso da ingovernabilidade, mas do da “integração”, como parceiros econômicos (no papel de consumidores).
Nessas representações, ao invés da mescla racial ser associada ao atraso, como ocorria no século XIX, a mestiçagem algumas vezes é vista positivamente, em estudos que exploraram o conceito de democracia racial; por outro lado, encontram-se também imagens de uma “indianidade” ainda persistentemente pura, sobretudo nos países andinos, o que acentua a procura pelas “antiguidades” do continente (Machu Pichu se insere aqui). As buscas arqueológicas se intensificam, atreladas também às discussões sobre a antigüidade do homem americano. Se a faceta indígena é redescoberta em algumas regiões, em outras há o reconhecimento da presença do progresso. Buenos Aires e Rio de Janeiro são vistas como cidades modernas, ricas, cosmopolitas e, o mais importante, consumidoras. Este retrato, segundo o autor, é emblemático “de la nueva relación entre los consumidores latinoamericanos y los productores norteamericanos de bienes modernos” (p. 161).
As razões dessas alterações nas representações são encontradas nos novos imperativos econômicos do capitalismo corporativo: a América do Sul devia ser integrada ao circuito comercial norte-americano e receber daí investimentos financeiros. Cada vez mais, novos mediadores culturais receberiam patrocínio ou emprego para “descobrir” o subcontinente – reforçando a interdependência entre negócio e ciência – e cumpririam com a tarefa de retratá-lo a partir das novas tecnologias representacionais.
A análise das representações do Império Informal dividida em duas etapas chama a atenção para uma questão interessante do ponto de vista metodológico. Ao acompanhar as transformações nas representações nos dois períodos, o autor mostra que elas não são manifestações unívocas, mas que sofrem alterações de acordo com as necessidades e interesses próprios da realidade sob a qual foram construídas. Por outro lado, apesar de construídas em contextos diversos, há um ponto de conexão entre elas: trata-se do olhar imperial, que já viria se esboçando desde a primeira metade do século XIX. Salvatore evidencia, com isto, a dinâmica das mudanças e continuidades articuladas no processo de constituição do Império Informal norte-americano sobre a América do Sul. Assim, a despeito de se concentrar mais fortemente no período entre 1890 e 1940, seu trabalho extrapola esta fronteira temporal, retomando questões pertinentes a uma etapa anterior. E se somos, com isso, como que encaminhados “para trás” no tempo, a leitura do livro também remete, quase que instantaneamente, nossas reflexões sobre o mesmo problema na contemporaneidade, deixando incutida a inevitável pergunta: segue ainda em funcionamento, esta mesma máquina, produzindo e alterando suas representações?
Stella Maris Scatena Franco – Unicamp.
SALVATORE, Ricardo D. Imágenes de un império: Estados Unidos y las formas de representación de América Latina. Buenos Aires: Sudamericana, 2006. Resenha de: FRANCO, Stella Maris Scatena Franco. Dimensões. Vitória, n.20, p. 277-281, 2008. Acessar publicação original [DR]