A discussão sobre a temática identidade, promovida pelo Fórum Identidades e Alteridades: diálogos (im) pertinentes em 2007, no Campus Universitário Prof. Alberto Carvalho da UFS, em Itabaiana, resultou na obra Identidades: teoria e prática, organizada por Carlos Magno Gomes e Marcelo Alario Ennes.
Produto dos debates entre pesquisadores de áreas distintas, como Letras, Sociologia, História, Antropologia e Educação, a obra pretende dialogar a referida temática a partir de diferentes metodologias. Para tanto, está dividida em quatro partes, onde se discutirão questões teóricas e suas relações com os espaços geográficos e as práticas docentes, além do gênero feminino.
Inicialmente, o trabalho apresenta teorias e métodos, cujas contribuições dos autores proporcionam uma reflexão sobre o sujeito moderno. Neste ponto, Christina Ramalho discorrerá sobre os problemas provocados pelo chamado “caos teórico”, ou seja, as transformações no campo científico que influenciaram as concepções de identidades e personalidades do sujeito, resultando no que ela conceitua como “homem moderno híbrido”, isto é, um sujeito “cada vez mais plural”.
Em seguida, o sociólogo Marcelo Alario Ennes, conceberá uma ligação entre os estudos culturais e os estudos sobre identidades. Desta forma ele aponta alguns problemas dos primeiros que afetam os segundos, principalmente no que diz respeito ao rigor científico e profundidade das análises. Apesar disso, os estudos culturais vêm corroborar para compreensão do mundo contemporâneo, em face do desenvolvimento das pesquisas sobre as identidades.
Encerrando a primeira parte, o historiador Antônio Fernando de Araújo Sá mostra como as identidades nacionais são construídas a partir das memórias coletivas. Pelo caráter indissociável que une estes conceitos e a subjetividade expressa, notamos a implicação destes traços na construção, ou reconstrução, do passado histórico, o que evidencia as diversas facetas de uma identidade nacional.
Apesar de permear toda a obra, é nesta discussão inicial em que notamos a influência teórica de Stuart Hall de maneira preponderante, visto que os textos de Ramalho, Ennes e Sá estruturam-se com base nos conceitos de fragmentação e deslocamento do sujeito moderno.
A segunda parte aborda a caracterização da identidade feminina através de obras literárias. Assim, Maria Goretti Ribeiro analisa as atitudes de Lilith, Eva e Pandora, mulheres que as tradições cristã e mitológica consideraram transgressoras. Entretanto, na concepção de Ribeiro, foram estas rupturas com os padrões estabelecidos pelos homens, no decurso da história, que possibilitaram os desenvolvimentos culturais e científicos de homens e mulheres.
Novamente, a linha teórica de Hall é evidenciada. Desta vez, Carlos Magno Gomes percebe os conflitos gerados pelos diferentes gêneros identitários que afastam mãe e filho na obra “A Sentinela” de Lya Luft. No decorrer do romance, Nora passa a aceitar as diferenças do filho Henrique. Assim, Gomes estabelece uma relação prática entre identidade e literatura, ao mostrar que o trabalho de Luft prega a tolerância como um exercício de identidade.
Encerrando o debate acerca das representações femininas na literatura, Ana Leal Cardoso analisa a obra “A Sombra do patriarca”, de Alina Paim. Outra vez surge a imagem da mulher transgressora, agora na figura da personagem Raquel que vai de encontro à sociedade patriarcal vigente na década de 1930. Cardoso nota que este romance já denota, nos anos 1950, uma discussão sobre o descentramento do gênero feminino.
O estudo das identidades femininas através da literatura indica que esta forma de expressão narrativa acompanha os desdobramentos dos estudos modernos da temática identidade, principalmente quando se percebe, novamente, a relação das obras com as teorias de Hall.
Em seguida, a abordagem segue o viés da territorialidade e de como estes espaços são construídos a partir das identidades afro-descendentes, em Sergipe, além de serem construtores das mesmas. Neste sentido, notamos que os trabalhos do antropólogo Frank Marcon e do mestre em educação Robson Anselmo se complementam, visto que o primeiro analisa a construção do espaço negro, em Sergipe, a partir das identidades afro-brasileiras e o segundo, a construção das identidades a partir dos espaços. Baseando-se nas pesquisas que desenvolve sobre os discursos de identidade afro-brasileira em Sergipe, em especial a região do Vale do Cotinguiba, Marcon propõe uma sobre os processos de identificação e as construções das diferenças que, em sua concepção, é uma nova maneira de pensar as divisões territoriais, distinta daquelas predominantemente estabelecidas que configuram os meios naturais e humanos como divisores espaciais.
Já nas pesquisas sobre as comunidades quilombolas da Mussuca, em Laranjeiras, e Patioba, em Japaratuba, Anselmo percebe outros elementos que definem as comunidades quilombolas como tais. Ao contrário da idéia ultrapassada que prega o quilombo como local de escravos fugidos, a comunidade quilombola é o espaço onde seus habitantes compartilham tarefas semelhantes, além de tradições comuns, assim o território é a base da identidade.
Finalmente, a quarta parte do livro discute sobre a construção das identidades nas escolas. De imediato, Marcos Ribeiro de Melo já aponta que a escola não é um espaço que promove o acolhimento à diversidade, principalmente a diversidade sexual. Em sua explicação, Melo aponta que o principal motivo é o despreparo da escola em problematizar o binário heterossexual/homossexual e descaracterizá-lo como uma hierarquia.
No âmbito deste debate, Ednéia Tavares Lopes apresenta alguns resultados de sua pesquisa, na UFS de Itabaiana, com os alunos do curso de licenciatura em química, a fim de tentar compreender o perfil dos futuros docentes. Lopes aponta a incerteza da profissão e os referenciais que os alunos possuem de um bom professor, como problemas que impedem um melhor preparo destes profissionais.
Retomando a discussão levantada por Melo, Maria Batista Lima analisa as práticas promovidas nas escolas na tentativa de inclusão dos estudantes negros. Partindo de modelos existentes desde o império até as Leis 10.639/2003 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino da História e da cultura afro-brasileira no Ensino Básico, Lima concebe a necessidade de se potencializar o reconhecimento deste grupo “historicamente discriminado” e atenta para um dos principais fatores que contribuem para a segregação nas escolas: o silêncio dos professores.
Diante desta análise, percebemos que os diálogos promovidos pelo Fórum Identidades e Alteridades, ao contrário do que sugere seu subtítulo, foram pertinentes. As discussões levantadas em Identidades: teoria e prática mostram que não existe apenas uma perspectiva para se estudar e compreender as identidades, mas diversas metodologias que constantemente se aproximam e se completam, ainda mais num mundo pós-moderno, como postula Stuart Hall, onde os sujeitos se agrupam de diversas maneiras.
Aaron Sena Cerqueira Reis – Graduando em História e bolsista PIBIC-FAPITEC/UFS.
GOMES, Carlos Magno; ENNES, Marcelo Alario (organizadores). Identidades: teoria e prática. São Cristóvão: Editora UFS, 2008. Resenha de: REIS, Aaron Sena Cerqueira. Olhares múltiplos sobre identidades. Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, p. 127-129, out 2008/abr 2009. Acessar publicação original [DR]
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