Idéias que mudaram o mundo | Felipe Fernandez-Armesto
A evolução, nas sociedades humanas, libertou-se dos constrangimentos do mundo natural e tornou-se essencialmente cultural ou mesmo, nos tempos atuais, basicamente tecnológica. Os seres humanos, eles mesmos, estão sendo mudados pelas técnicas de intervenção cromossômica e de manipulação genética (ou pelo menos existe capacidade potencial de fazê-lo). A despeito disso tudo, a humanidade continua a ser movida por sentimentos ancestrais, como o desejo sexual, o amor, o ódio, a vontade de poder e outros tantos impulsos mais ou menos nobres ou simplesmente mesquinhos.
Este livro, do conhecido historiador e professor na Universidade de Londres, identifica e explica quase duas centenas de idéias que influenciaram o destino da humanidade, desde 30 mil anos antes de nossa era até a atual era da incerteza. Atento em não parecer “ocidentalocêntrico”, o autor buscou em civilizações orientais conceitos e princípios que também se tornaram universais, mas ele reconhece que predominam as idéias ocidentais, pois são aquelas que moldaram o mundo tal como o conhecemos hoje. Também aceita que a maior parte das mudanças ocorridas no mundo tem origem intelectual e que as idéias são poderosos agentes transformadores. As idéias estão cronologicamente organizadas em sete partes, desigualmente distribuídas: o primeiro capítulo cobre vinte mil anos, na era dos caçadores primitivos, ao passo que os últimos dois séculos merecem um capítulo cada. Ainda assim, não devemos achar que só as idéias modernas são relevantes, pois a maior parte daquelas tidas hoje como importantes têm origens antiqüíssimas. Como ele diz na introdução, “é humilhante para o homem moderno admitir que uma parcela tão grande de seu pensamento foi antecipada há muito tempo e que a modernidade antecipou pouquíssimo a nosso equipamento intelectual básico”.
A organização do livro permite uma leitura não-linear e cada página dupla que explora um conceito particular remete a outras idéias a ele vinculadas, assim como dá sugestões de leituras adicionais, geralmente de autores famosos. Verdade que nem todas são idéias, no entendimento habitual do termo, pois comparecem hábitos ancestrais, como o canibalismo, ou práticas de governos que depois foram formalizadas por “filósofos morais”, como o mercantilismo. Ainda assim, o livro mapeia um conjunto impressionante de princípios norteadores de nossa época, tirados de todas as épocas e várias sociedades. Para os que crêem, por exemplo, que o capitalismo é uma noção tipicamente ocidental, desenvolvida nos últimos cinco séculos, vale conferir a defesa que o filósofo indiano fundador do jainismo, Mahavira, do século VI a.C., fez da criação de riqueza, estimando que o rico trabalha “para que muitos desfrutem dos seus ganhos”. Esse verbete remete tanto a Karl Marx, como a Milton Friedman e a Max Weber, cuja tese sobre “afinidades eletivas” entre capitalismo e protestantismo é considerada como “desacreditada”.
O livro começa por desmistificar a idéia de que “mentes primitivas” não possam ter idéias brilhantes, relativizando, portanto, a noção de progresso. Ele termina pela noção de aldeia global, ou seja, a idéia do pluralismo cultural, remetendo aqui ao pensador Isaiah Berlin, para quem existe uma “pluralidade de valores”, que são inúmeros mas não infinitos, o que difere do relativismo cultural. Os antiglobalizadores que lutam contra a dominação mundial do capital são contra o “pensamento único”, o que provavelmente é inexeqüível nos próprios quadros da sociedade capitalista, tendencialmente abrangente e, portanto, multiforme. Esta é a mensagem final do livro: “o pluralismo é obviamente o único futuro prático para um mundo multiforme. Talvez seja o único interesse uniforme que todos têm em comum”. Esta é a sociedade humana: unidade na diversidade.
Resenhista
Paulo Roberto de Almeida – Diplomata de carreira e Doutor em Ciências Sociais. As opiniões expressas no presente texto são exclusivamente as de seu autor. E-mail: pralmeida@mac.com
Referências desta Resenha
FERNANDEZ-ARMESTO, Felipe. Idéias que mudaram o mundo. São Paulo: Editora Arx, 2004. Resenha de: ALMEIDA, Paulo Roberto de. Meridiano 47, v.6, n.60, p.17-18, jul. 2005. Acessar publicação original [DR]