How to Change the World: reflection on Marx and Marxism | Eric Hobsbawm

Nesse último livro de Eric Hobsbawm, antes de sua morte, o historiador inglês aborda um tema muito caro para ele: Marx e o(s) marxismo(s). O livro é uma coletânea de textos escritos entre 1956 e 2009 sobre o impacto do pensamento de Marx depois de sua morte em 1883, portanto não é uma história do marxismo no sentido usual. Hobsbawm procura demonstrar como o pensamento de Marx ainda é importante para nos ajudar a compreender o mundo atual e o século XXI. O livro se divide em duas partes, sendo que a primeira (8 capítulos) aborda Marx e Engels e a segunda (8 capítulos) aborda o marxismo pós-Marx, discutindo apenas Antônio Gramsci especificamente.

O primeiro capítulo intitulado ‘‘Marx Hoje’’, Hobsbawm discute como Marx ainda é relevante hoje e que não pode ser visto como um ‘‘homem de ontem’’ nem ser relegado à lata de lixo da História. O autor apresenta como Marx era interpretado ao longo do século XX com base em três fatos: a divisão entre países em que a revolução era possível e estava na agenda de certos partidos e outros em que não estava; a bifurcação da herança marxista entre revolucionários e reformistas; e o colapso do capitalismo do século XIX pela ‘‘Era da Catástrofe’’ (o período entre as duas Guerras Mundiais). Com o colapso da URSS, em 1991, o marxismo ficou desacreditado, mas o autor salienta como Marx ainda tem força nos aspectos de pensador econômico, historiador e analista social (vale lembrar que Marx é tido como um dos pais da Sociologia).

No capítulo 2, ‘‘Marx, Engels e o socialismo pré-marxiano’’, Hobsbawm pergunta-se quanto o socialismo de Marc e Engels se deve a seus predecessores e qual a influência que eles (os predecessores) tiveram sobre o pensamento do denominado socialismo ‘‘científico’’. O autor apresenta os diversos autores que influenciaram Marx e Engels, em especial Rousseau, cuja influência na filosofia alemã clássica não pode ser ignorada. Dois aspectos do socialismo ‘‘utópico’’ devem ser distinguidos: o crítico e o programático. Em suma, o socialismo marxiano tem sua origem na filosofia alemã, na economia política britânica e no socialismo francês. Hobsbawm lembra que Marx visava transformar a reflexão filosófica em ação política para transformar o mundo e conclui afirmando que o socialismo pré-marxiano continuou a influenciar pensadores depois de Marx.

No capítulo 3, ‘‘Marx, Engels e a Política’’, o autor discorre sobre as ideias políticas de Marx e Engels. Hobsbawm começa apresentando a teoria do Estado de Marx e afirmando que ela não era tão simples quanto Estado = coerção = classe dominante. A forma como Marx e Engels encaravam o Estado e a revolução do proletariado se modifica ao longo do tempo, pelo amadurecimento intelectual e pelos acontecimentos políticos. Marx e Engels pensavam na revolução como algo internacional, que não poderia ser apenas nacional e rejeitavam a autodeterminação e nacionalismo como um fim em si. Engels observava que uma guerra mundial poderia favorecer uma revolução mundial, mas posteriormente recusou essa interpretação, entendendo que tal guerra iria recrudescer os chauvinismos. Por fim, o autor lembra que Marx e Engels consideravam a política subordinada ao desenvolvimento histórico e que o pensamento político marxista foi dogmatizado posteriormente.

No capítulo seguinte, ‘‘Sobre Engels: a condição da classe trabalhadora na Inglaterra’’, Hobsbawm escreve sobre a famosa obra de Engels a respeito do proletariado inglês. Engels escreveu essa obra em 1844-45 baseando-se na pesquisa que fez sobre a condição do operariado inglês. Essa obra de Engels foi a primeira que se baseou sistematicamente no conceito de Revolução Industrial. Essa obra de Engels é uma grande contribuição para com a Ciência Social, pois busca entender os efeitos sociais da industrialização.

O capítulo 5, ‘‘Sobre o Manifesto Comunista’’, Hobsbawm aborda a obra mais conhecida de Marx e Engels. Esse pequeno panfleto de pouco mais de 20 páginas escrito e publicado em 1948 foi provavelmente o mais influente texto político desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Essa obra foi traduzia em várias línguas e o número de suas edições em cada região reflete a força e interesse no movimento socialista. Alguns aspectos do Manifesto se tornaram obsoletos logo após sua publicação, como Marx mesmo admitia outros, entretanto, continuam atuais, pois essa obra apresenta a visão histórica do marxismo. Hobsbawm lembra que a visão de que o proletariado é uma classe essencialmente revolucionária e que irá libertar toda a humanidade e abolir as classes é uma conclusão filosófica que não deriva de observação empírica. Essa era uma esperança que Marx alimentava ao analisar o capitalismo e não uma conclusão necessariamente imposta por essa análise. Umas das qualidades mais marcantes do Manifesto é que ele considera a ruína comum como uma possibilidade, Marx esperava que o resultado do desenvolvimento do capitalismo fosse o comunismo, mas não exclui a alternativa do fracasso.

O capítulo 6 é breve e trata do Grundrisse (‘‘Descobrindo o Grundrisse’’). Esse foi um texto de Marx que por motivos práticos ficou praticamente desconhecido mais de meio século depois da morte de Marx. Faz parte de uma série de escritos feitos em 1857-58 parte do esforço de produzir ‘‘O Capital’’. É um de difícil leitura, mas recompensador, pois oferece um guia para a ampla gama de tratados de Marx do qual ‘‘O Capital’’ é apenas uma fração. É uma introdução à metodologia do maduro Marx, que oferece insights do tratamento que Marx dava para a tecnologia no desenvolvimento capitalista.

O capítulo seguinte, ‘‘Marx Sobre as Formações Pré-capitalistas’’, trata de como Marx concebia o desenvolvimento econômico e social. Nessa parte, Hobsbawm analisa como Marx entendia as formações pré-capitalistas, bem como a ideia de progresso, que impregnava a sua noção de história; o comunismo seria o fim da história, o progresso absoluto. Os homens trabalham para criarem e reproduzirem sua existência diariamente, a interação entre homem e natureza (o homem transforma a natureza) é que produz a evolução social. Vale lembrar que Marx considerava a pré-história a época na luta de classes e que apenas com o advento do comunismo o homem passaria a História e seria senhor do seu destino. Hobsbawm traça os diferentes tipos de sistemas comunais primitivos que Marx considerava, bem como os diferentes tipos de sociedades de classe ao longo da História. O autor termina o capítulo discutindo como as sociedades pré-capitalistas foram tratadas por outros autores marxistas depois da morte de Engels.

O capítulo 8, ‘‘A Fortuna dos Escritos de Marx e Engels’’, trata de como os escritos de Marx e Engels se tornaram a base da ideologia dos estados comunistas e como esses escritos foram compilados de forma dogmática. O autor apresenta como as obras de Marx e Engels foram compiladas, reorganizadas e traduzidas depois da morte desses intelectuais. A publicação e tradução do corpus da obra de Marx e Engels ganhou grande impulso com o fim da Segunda Guerra e com a morte de Stálin, particularmente de textos menos conhecidos e não planejados por Marx para serem publicados (pois eram suas anotações).

No capítulo 9, ‘‘Dr. Marx e os Críticos Vitorianos’’, inicia a parte II do livro. Esse capítulo aborda os críticos de Marx na Inglaterra, Hobsbawm afirma que as críticas contra Marx se tornaram desinteressantes, pois eram repetitivas dos mesmos argumentos. Os críticos ingleses eram mais ‘‘serenos’’, pois não viam seu país ameaçado pelo socialismo. A principal crítica que se fazia a Marx era contra sua teoria do valor, que afirmava ser o trabalho toda a fonte de valor; isso incomodava mais os críticos do que o suposto fim do capitalismo. Os críticos de Marx foram variados e alguns se concentraram em ataques pessoais histéricos contra ele, ao invés de criticar seu pensamento. Os críticos mais serenos de Marx, certamente foram os mais eficazes, ao analisar e tentar refutar algumas de suas ideias ou toda a sua teoria. O autor finaliza o capítulo com uma nota sobre Marx e Marshall.

O capítulo seguinte, ‘‘A Influência do Marxismo 1880-1914’’, Hobsbawm procura definir a influência do marxismo no momento da Segunda Internacional, que é quando começou a penetrar na cultura geral. O autor narra como a literatura marxista foi penetrando na Rússia e tornando-se influente na cultura intelectual daquele país. Da mesma forma, Hobsbawm descreve a influência do marxismo em diversos países europeus, pontuando como sua penetração foi mais lenta e menos profunda no Sul da Europa. Alguns aspectos da teoria marxista entraram no domínio público, isto é, no grande público sem serem percebidas claramente como marxistas. O autor conclui discorrendo sobre a influência do marxismo/socialismo nas artes e de como a arte refletiu as esperanças e desapontamento da Segunda Internacional.

No capítulo 11 intitulado ‘‘Na Era do Antifascismo 1929-1945’’, Hobsbawm dá continuidade à discussão do capítulo anterior com relação ao período posterior, denominado por ele de Era do Antifascismo. O marxismo até esse período estava muito restrito aos países de fala alemã e russa, é nesse momento que o marxismo começa a se difundir para regiões mais longínquas. Os movimentos socialistas/comunistas foram marcados pelo antifascismo nesse momento, pois o fascismo representava um inimigo formidável, que negava toda a herança iluminista do século XVIII e significava necessariamente confronto. Hobsbawm lembra que é impossível de generalizar sobre os intelectuais e o antifascismo em bloco, pois havia diferentes tendências em diferentes países.

O capítulo 12, ‘‘Gramsci’’, é sobre o pensador italiano, que permaneceu pouco conhecido nas duas décadas após sua morte, sendo apenas após esse período que sua obra foi resgatada. Hobsbawm se concentra sobre o pensamento político de Gramsci, que foi pioneiro em desenvolver uma teoria política marxista. Gramsci considerava a política como uma ‘‘atividade autônoma’’, no sentido de que ela não derivara necessariamente das condições econômicas. O conceito de hegemonia é fundamental no pensamento gramsciano, pois a classe dominante exerce hegemonia intelectual sobre a sociedade o que torna a sua visão de mundo preponderante, as classes subalternas devem tentar reverter essa hegemonia. O capítulo 13, ‘‘A Recepção de Gramsci’’, trata da recepção da obra de Gramsci na América e na Europa. Salienta como Gramsci foi um dos poucos intelectuais a liderar um partido de massas como foi o caso de Gramsci no Partido Comunista Italiano. Os escritos de Gramsci influenciaram toda uma geração de estudantes de ideologia e cultura rompendo com antigas concepções o pensamento de Gramsci veio a renovar muitos aspectos nesses campos do saber.

O próximo capítulo ‘‘A Influência do Marxismo 1945-1983’’ Hobsbawm começa tratando de como o marxismo se transformou em uma religião para alguns grupos, todavia o marxismo não pode ser limitado ao leninismo dogmático. O principal campo de expansão do comunismo nesse momento foi o Terceiro Mundo com sua luta pela liberação das antigas metrópoles. O período após 1953 foi de crise política do marxismo, ainda que intelectualmente tenha se mantido forte, em que antigas certezas sobre o futuro do capitalismo eram contestadas na prática pela pujança capitalista e a URSS foi sendo cada vez menos vista como a ‘‘pátria dos proletários’’.

O penúltimo capítulo, ‘‘Marxismo em Recessão 1983-2000’’, Hobsbawm escreve sobre o que considera o período mais crítico do marxismo. Com o colapso da URSS o marxismo-leninismo ficou desacreditado, recuou mesmo entre os meios intelectuais a partir dos anos 1980. Hobsbawm acrescenta que as ideologias de mudanças sociais do iluminismo do século XVIII também estavam em retirada e que alternativas de ativismo social vieram a ser encarnadas por versões modernizadas de religiões tradicionais (vide a Revolução Iraniana). Ainda assim, Hobsbawm salienta que a análise de Marx do modus operandi do capitalismo ainda retém sua força.

No capítulo final, ‘‘Marx e o Trabalho: o longo século’’, Hobsbawm relembra o debate entre revolução ou reforma do capitalismo. O marxismo ficou desacreditado durante o final do século XX, mas em 2008, o fundamentalismo mercadológico também enfrentou sua crise. O liberalismo político e econômico não pode fornecer a solução para os problemas do século XXI, Hobsbawm conclui que devemos levar Marx a sério novamente.

Hobsbawm demonstra nessa obra profunda erudição em economia, filosofia, história e na literatura socialista/comunista em geral. O historiador inglês embasa todas as suas afirmações e interpretações nas obras de Marx, Engels e outros marxistas. Por isso, o livro é rico em notas, que remetem diretamente as obras dos autores marxistas para fundamentar as afirmações do autor. Hobsbawm foi certamente um grande conhecedor da obra de Marx e Engels, sua afinidade ideológica com o marxismo não o impediu de criticar o mesmo, mantendo a coerência e força de sua interpretação.


Resenhista

Edson José Perosa Junior – Mestrando no PPGHC/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: perosaperosa@hotmail.com


Referências desta Resenha

HOBSBAWM, Eric. How to Change the World: reflection on Marx and Marxism. Baskerville: Yale University Press, 2011. Resenha de: PEROSA JUNIOR, Edson José. Como mudar o mundo: reflexões sobre Marx e o marxismo. Diálogos. Maringá, v. 17, n.3, p. 1259-1265, set./dez. 2013. Acessar publicação original [DR]

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