How Enemies Become Friends | Charles Kupchan
Charles Kupchan é professor de relações internacionais na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. Também é associado ao Conselho de Relações Exteriores. Foi diretor do Departamento de Assuntos para a Europa, órgão do Conselho Nacional de Segurança, durante o governo Clinton. Portanto, um especialista renomado e influente.
Tem estudado sistematicamente o que os americanos já chamaram de «nova ordem mundial». Kupchan, de forma mais contundente, considera o momento como «O fim da Era Americana» («The End of the American Era: U.S. Foreign Policy and the Geopolitics of the Twenty-first Century», publicado em 2002) e um período de transição, não para uma nova, mas para uma outra ordem mundial («Power in Transition: The Peaceful Change of International Order», 2001).
Em seu mais novo livro («How Enemies Become Friends», Princeton, março de 2010), Kupchan diz que o mundo não está fadado a sofrer ciclos infindáveis de conflito e guerra, desde que nações rivais se tornem parceiras. Tarefa difícil, principalmente quando tais nações satanizam-se mutuamente.
O livro fornece uma ampla análise histórica sobre como nações saíram do círculo vicioso de competição geopolítica e substituíram-na por relações amistosas e mesmo alianças duradouras. Os casos clássicos incluem as relações entre Estados Unidos e Inglaterra, que, um século após terem protagonizado uma guerra, aliaram-se nas duas grandes guerras mundiais, no período de Guerra Fria e na ofensiva do Afeganistão e Iraque – ou seja, trocaram de inimigos. Também podem ser citadas as célebres hostilidades entre Inglaterra e França e entre França e Alemanha. No período mais recente, Estados Unidos e China, adversários naturais, tornaram-se aliados improváveis sob o comando de dois políticos realistas, Nixon e Mao Tse-Tung, e graças à diplomacia de Kissinger e Chu Enlai. Outro processo, cujos desdobramentos ainda estão por vir, são os que podem unir Estados Unidos e Rússia, cuja preocupação com a contenção a organizações políticas muçulmanas radicais tem alinhavado uma agenda em comum, sob a bandeira do antiterrorismo.
Conforme Kupchan, as relações diplomáticas são essenciais para aproximar adversários. Parece óbvio, mas contrasta com perspectivas que costumam separar rigidamente Ocidente e Oriente (de forma clara, em Huntington, “The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order”, de 1993). Também é útil a desconfiar das abordagens que acreditam cegamente que as tendências da economia são as grandes forças capazes de garantir relações de cooperação entre diferentes países. O autor insiste que a diplomacia, mais do que a economia, é o caminho para estabelecer relações de paz.
O preço a se pagar é o de concessões mútuas e a persistência em uma estratégia de acomodação, no longo prazo, e não de confronto; requisitos necessários a promover a confiança mútua requerida para construir uma “sociedade mundial”.
A crítica a ser feita é a de que muitas das “amizades” entre países, principalmente no caso das grandes potências, se fazem em torno de novas e maiores inimizades. Ou seja, velhos adversários se unem contra novos adversários, o que modifica o quadro internacional, mas não o torna mais pacífico.
A contribuição mais notável de Kupchan é a de afirmar que a natureza dos regimes deveria ser levada menos em conta, ao invés de ser brandida como a bandeira de uma nova cruzada. Trata-se de uma voz influente, mas ainda isolada, a defender a tese de que a política externa americana não deveria orientar-se por abrir um fosso entre nações democráticas, segundo o critério Ocidental. Neste sentido, o autor vai contra a corrente que se tornou dominante na política externa americana e estabeleceu um consenso que une Democratas e Republicanos.
A seu ver, esse fosso isola a diplomacia americana, amplifica os conflitos, dificulta a busca por soluções e acaba por criar uma barreira à expansão da democracia, pois retira ingredientes que poderiam facilitar uma trajetória democrática de muitos países.
Em entrevistas, tem elogiado o papel das potências emergentes. Aposta que elas continuarão a pressionar por mais espaço na diplomacia mundial, de maneira positiva. Destacou o papel de Brasil e Turquia na negociação com o Irã. O presidente Lula, recentemente, ao dizer que entendia a ação diplomática como a busca por fazer um número cada vez maior de amigos, se encaixa no espírito da obra de Kupchan, embora se possa dizer, mais exatamente, que a concepção de Lula transporta, para o campo da política internacional, a ideia do brasileiro como homem cordial, consagrada por Sérgio Buarque de Hollanda (“Raízes do Brasil”, 1936), aliás muito instigante para inspirar um possível “leit motif” do papel do Brasil no cenário internacional. Kupchan ressalta mais o fato de que novos interlocutores fortalecem possibilidades de entendimento, ampliando as chances de sucesso em negociações de paz.
Respeitado especialista, Kupchan tem seu livro recomendado por expoentes como Kissinger e Katzenstein. Sua voz ecoa pelo Congresso e pelo Departamento de Estado. O que parece ainda faltar é que lhe dêem mais ouvidos.
Resenhista
Antonio Lassance – Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB e Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. E-mail: lassance@unb.br
Referências desta Resenha
KUPCHAN, Charles A. How Enemies Become Friends. Princeton: Princeton University, 2010. Resenha de: LASSANCE, Antonio. Meridiano 47, v.11, n.118, p.33-34, maio 2010. Acessar publicação original [DR]