Hotel Tropico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950-1980 | Jerry Dávila
‘We are going to be Africans, we are going to be Africans!’ It’s going to
be great! `We are all Africans, all Africans.’
Maria Yedda Linhares
Esta resenha examinará o livro Hotel Tropico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950-1980. O trabalho é de autoria de Jerry Dávila e foi publicado ano passado pela Duke University Press (2010, 328 páginas, ISBN: 0822348675). O livro é leitura essencial para historiadores (relações Brasil-África), antropólogos (debate sobre raça e identidade), economistas (promoção comercial e relações econômicas Brasil-África) e internacionalistas (um dos primeiros ensaios da diplomacia sul-sul brasileira). Ele é dividido em nove capítulos – além de introdução e epílogo. Há alguns temas recorrentes, como o impacto das relações com Portugal, o ideário da “democracia racial” e seus desdobramentos na diplomacia, a reconstrução dos laços na década de 1970 e a dimensão comercial. Apesar de falar da descolonização do continente, Gana, Senegal, Nigéria e Angola são, na verdade, os únicos países examinados com profundidade. Os temas também não são novos. Muitos atores já se debruçaram sobre as questões examinadas no livro – de José Honório Rodrigues a Adolpho Bezerra de Menezes, de Alberto da Costa e Silva a Florestan Fernandes, de Maria Yedda Linhares a José Flávio Saraiva. O autor tampouco é neófito no tema, pois publicou artigo na Revista de Antropologia em 2008 sobre a experiência de diplomatas brasileiros na Nigéria (Dávilla: 2008).
A resenha está dividida em cinco partes, tratando desde a abordagem metodológica do autor até algumas ausências importantes do trabalho.
1 Método
Quem lê o livro de Jerry Dávilla é surpreendido pelo seu estilo fluido e uma narrativa digna de best-seller. Aqui está algo que poucos conseguem realizar: uma abordagem que extrapola o confinamento recorrentemente estéril da academia, alcançando um público mais amplo. Uma das técnicas mais interessantes utilizadas pelo autor para alcançar esse objetivo é o uso do discurso na primeira pessoa. Ainda que muito criticado na academia, tal recurso permitiu a Dávilla aproximar-se do leitor, guiando-o pelos caminhos bem estruturados de sua obra. O uso de tal modalidade permitiu também maior flexibilidade no diálogo com as fontes, como será demonstrado abaixo. Em vez do árido índice de indeterminação do sujeito e das confusas vozes passivas, observamos um atento e curioso pesquisador nos convidando para uma aprazível jornada. O foco na primeira pessoa, no entanto, resvala em algumas generalizações inoportunas e é o lembrete dos perigos que o uso dessa modalidade de discurso apresenta ao acadêmico. Um exemplo claro é quando o autor, no epílogo, apresenta sua experiência pessoal no evento do Dia da África em 2005 no Itamaraty.
Outra característica importante da narrativa de Dávilla são seus personagens. Temos guerrilheiros, acadêmicos, líderes sociais, empresários, intelectuais, todos lado a lado com o regular rol de diplomatas e governantes. Ele, portanto, conseguiu sucesso em superar o foco excessivo na burocracia, transformando sua obra em uma análise ampla das relações internacionais entre o Brasil e a África Atlântica, trabalhando aspectos culturais, artísticos, políticos e econômicos. Essa é uma lição para historiadores que patinam nesse quesito.
O uso bem sucedido desse rol de personagens só foi possível pela multiplicidade de fontes utilizadas. Temos desde os registros da temida PIDE portuguesa a arquivos tradicionais brasileiros. Não se pode esquecer do uso de jornais da Costa do Marfim à Nigéria. A pesquisa em amplos conjuntos de fontes permitiu a Dávilla, ao invés de focar somente no olhar brasileiro sobre o mundo, examinar como o mundo africano observava o Brasil e reagia às iniciativas do país.
Ainda no tópico das fontes, é pertinente examinar o uso das suas 21 entrevistas. No Brasil, principalmente cientistas políticos que trabalham na área de relações internacionais, conduz-se, muitas vezes, tal método de forma inadequada. Não se considera que uma entrevista – principalmente sobre eventos passados – é falha, superficial e eivada de reconstruções por parte do entrevistado. Dávila nos mostra como o que é lembrado, esquecido e reconstruído tem grande significado nas estratégias dos atores de se colocar em posição privilegiada na narrativa histórica. Vejam abaixo um exemplo, retirado de transcrição de entrevista com o escritor Antonio Olinto:
That Olinto had been in the post a single year rather than three, that he was asking the president to name the second black diplomat, not the first, and that Adhemar Ferreira did earn a law degree, but in 1968, after returning from Nigeria, are mischaracterizations which underscore the constructed nature of memory. They add emphasis to Olinto’s telling. And the emphases shape Olinto’s reconstruction of the episode to stress the foreign ministry’s bureaucratic hostility to racial integration, as well as the importance of an individual act (…)
Tal sensibilidade é muito difícil de ser encontrada na área. Uma das razões é a apontada acima – extrema confiança na entrevista como instrumento de conhecimento do “passado real”. Outro fator que concorre para isso é a falta de utilização de múltiplas fontes, o que permite encontrar e debater contradições na construção do registro histórico.
2 O idealismo racial
A ideia de igualdade racial teve papel central na forma como o Brasil (re)encontrou a África a partir da década de 1960. O tratamento desse tema é soberbo no livro, principalmente por focar não nele em si, mas como foi recepcionado, distorcido e utilizado nos vinte anos posteriores ao início do governo Jânio Quadros. Entre as mais relevantes está sem dúvida as de Gilberto Freyre. Apesar de não ser propósito do autor tratar de tal questão, o universo Freyriano está presente em quase todo encontro brasileiro com a África, em especial a de colonização portuguesa. Como forma de exemplificação, é bom citar parte do primeiro parágrafo do famoso quinto capítulo de sua maior obra, Casa-Grande & Senzala:
Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo (…) a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. No litoral, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota, do africano (Freyre: 2005, 367).
Com sua pesquisa sobre o patriarcado brasileiro, Gilberto Freyre apresenta a miscigenação não como fenômeno patológico, mas sim como uma forma de adaptação positiva aos trópicos – uma sociedade única no mundo. O processo pelo qual ele descreve, explica e celebra tal fenômeno já foi duramente contestato e criticado. Resta somente assinalar que Freyre trata da africanização da sociedade tropical brasileira como “um sujeito dominante articula o desejo do subalterno”, mas sem caracterizar o ator mais fraco dessa relação como um ser autêntico e com individualidade, como bem apresenta Alexandra Infahani-Hammond (Isfahani-Hammond: 2008, 46). Como Dávilla bem afirma, Freyre achava que seus críticos tentavam criar uma figura inexistente: o negro brasileiro.
Com a publicação de seus livros e sua exposição em palestras, o pensamento de Freyre foi apropriado de diversas formas por atores governamentais e não-governamentais, principalmente no Brasil e em Portugal. De uma forma geral, propagava-se o argumento de que o Brasil era o maior exemplo no mundo de coexistência e harmonia das raças. Estava lançada as sementes para os discurso da “democracia racial”. Esta ideia reduz a característica de brutalidade do regime escravocrata brasileiro e tenta humanizar a construção de uma sociedade desigual. Não há espaço para a admissão de que os negros brasileiros possam ter uma cultura e uma história distinta; eles têm de se subordinar a uma narrativa que, ao mesclar todos em uma dimensão unitária, mascara os conflitos raciais do país como choques meramente sociais. No Brasil, até hoje sofre-se a consequencia de tal pensamento. Praticamente todo mês um estudo é apresentado demonstrando a falácia da tese freyriana – como o artigo publicado na semana passada na Latin American Research Review, sobre a discriminação racial de profisisonais negros no Rio de Janeiro (Silva e Reis: 2011). Mesmo assim, o argumento perdura.
O livro de Jerry Dávilla demonstra como essa crença, ainda que modificada, era arraigada nos brasileiros que se dirigiam ao continente africano. Zora Seljan e Antonio Olinto, por exemplo, trabalharam com a ideia de democracia racial, utilizando uma visão de “escravidão benigna” como forma de promover um discurso de aproximação. Brancos, como Antonio Olinto, acreditavam que os brasileiros eram africanos, não importando a cor da pele, pelo simples fato de a cultura do país ser “saturada” pela herança africana. Nenhum outro país, portanto, poderia compreender melhor os desafios e as oportunidades da Nova África. No período Quadros, formou-se a concepção de que o Brasil era um país em ascenção e que a África seria o espaço natural de expansão do país em termos econômicos e políticos. A “democracia racial” seria o veículo principal pelo o qual a diplomacia do país teria legitimidade para argumentar a existência de um relacionamento diferenciado. É realmente séria a utilização de uma variante do “lusotropicalismo” por parte da diplomacia brasileira. Um africano relatou a um viajante brasileiro na Guiné Bissau em 1974 que a ideia de Gilberto Freire “matou mais pessoas” que o rifle G3 utilizado pelas forças armadas portuguesas. Em um ambiente de resistência ao freyrianismo, é sempre bom questionar, como Dávilla o faz com maestria, por que o Brasil insistentemente utilizou tal discurso.
3 Itamaraty: entre o discurso e a prática na questão racial
O aspecto mais importante da obra de Jerry Dávilla é indicar como a diplomacia brasileira abraçou – e continua a defender – as teses freyrianas, a despeito de seu anacronismo. O discurso de que o país era desigual, mas todos estavam unidos em uma democracia racial dava conforto aos brasileiros que se dirigiam ao continente africano, aproximando-os de seus interlocutores locais. Tal ferramenta, muitas vezes, era também instrumentalizada pelos africanos, como forma de deixar seus visitantes brasileiros mais confortáveis. Muitos periódicos africanos, na ausência de informações precisas sobre o Brasil, como o Fraternité Matin da Costa do Marfim, reproduziam a propaganda do Itamaraty de que o país era a terra “de africanos de toda a cor” e do futebol. Ele também foi utilizado pelo regime militar como proteção contra críticas sobre a prática de direitos humanos no país – a harmonia racial era um exemplo de respeito ao próximo e de falta de preconceitos.
Poucos são os diplomatas brasileiros que questionavam essas teses ou tinham a sensibilidade para ver que elas não eram bem recebidas em muitos locais na África. Um deles foi Rubens Ricupero, chefe da Divisão Cultural do Itamaraty na época da viagem de Gibson Barboza à África:
“I sustained a critical line throughout the trip. I thought at the time that we were depending too much on symbolic elements-elements like the appeal to the past, to history, to ethnicity, to the Brazilians who returned and formed communities in Africa. All of this was true and remains true today, but it was ambivalent. It was all, after all, related to slavery. So it wasn’t rightly a glorious past, a role that had been positive for Brazil, so much so that in some countries, this caused uncomfortable reactions. Not every country saw this cultural memory positively, especially those that were seeking to modernize and westernize. They found nothing appealing in that Brazilian discourse about candomble and so on, because for them this was something about the past that they wanted to move on from.”
Infelizmente, até hoje as palavras de Ricupero não levaram a um repensar da forma como o país se projeta para o continente africano.
Um dos aspectos desconfortáveis da história da diplomacia brasileira tratado no livro era como o discurso da harmonia racial era contradito na forma como o governo brasileiro tratava seus servidores negros. Raymundo Souza Dantas, primeiro embaixador brasileiro em Gana, foi “praticamente ignorado pelo Itamaraty”. Em um caso, um telegrama seu demorou cinco meses para ser respondido. O desdém pelo chefe do posto e o conflito com a retórica da celebração da igualdade são exemplificados pela relação de Dantas com seu subordinado em Accra, Sérgio Correa do Lago. Correa do Lago era diplomata de carreira e, como a maioria de sua geração, acreditava na tese que “o Brasil poderia desempenhar papel importante como intermediário natural entre o continente africano e o mundo ocidental acima de todo por ser a única verdadeira democracia racial no mundo”. Apesar da celebração da “democracia racial”, ele tinha menosprezo por seu chefe, o primeiro embaixador negro do país, tendo ocupado irregularmente a residência de Souza Dantas, que, vergonhosamente, residiu meses em um hotel – e, segundo seu relato, só ocupou a residência quando Correa do Lago mudou-se por iniciativa própria e não por instrução do Rio de Janeiro.
Em alguns casos é possível identificar as contradições entre a posição oficial e a pessoal – como é demonstrado nos caso do diplomata Correa do Lago. Mas é nítido que a política oficial de “democracia racial” não era muito distante das crenças dos operadores da política externa brasileira. E não bastava só propagar essa visão; era necessário calar a oposição. E isso vários diplomatas brasileiros fizeram. Dávilla dá o exemplo de como o Itamaraty (e seus postos no exterior) e até o Palácio do Planalto se esforçaram para silenciar o ativista Abdias do Nascimento no exterior. Em outra situação, o governo brasileiro expulsou ONGs americanas do país como resposta não só a defesa dos direitos humanos que faziam, mas como discordância com relação à visão que tinham da situação dos negros no Brasil.
Não é problemático somente o discurso da “democracia racial”. Ao projetar para o continente africano uma imagem limitada – e equivocada –, muitas vezes a diplomacia criou problemas para a condução de seus próprios trabalhos. Dávilla, assim, expõe o sentimento de um encarregado de negócios no continente, em 1968, que sugeriu que diplomatas, “sem malícia ou premeditação, criaram uma percepção errônea do nosso país…enfatizando somente similaridades folclóricas entre países….Esquecendo completamente a cultura considerável que o Brasil herdou da Europa. Nós agora encaramos a tarefa de romper com a percepção de que o Brasil tem descendência só africana”.
4 A África de ontem, a África de hoje nas relações internacionais do Brasil
Após o nono capítulo, Dávila redige um epílogo no qual trata de temas atuais relacionados às relações Brasil-África. Infelizmente, o autor perdeu a oportunidade, nesse trecho, de traçar diversos paralelos entre sua obra e o cotidiano de uma das mais celebradas inovações diplomáticas do governo Lula.
Um primeiro ponto é a consideração que, na década de 1960, brasileiros e africanos tinham profunda ignorância sobre a realidade um do outro, situação que permeava o serviço exterior brasileiro. Essa ignorância “era acompanhada pela falta de uma estratégia política ou econômica com relação à África, além de simplesmente abrir embaixadas”. Até que ponto a ignorância ainda persiste? Será que a estratégia de abertura de embaixadas no solo africano nos últimos dez anos seguiu o mesmo padrão da década de 1960? Será que as conclusões de Correa do Lago de que o Brasil ainda não tinha uma política africana e que os africanos ainda não sabiam nada sobre o país ainda são válidas?
Segundo, se há uma lição da década de 1960 e 1970 é que a África foi o túmulo de expectativas irreais e iniciativas inconsequentes de diplomatas, acadêmicos e empresários. Claro que ainda há centenas de brasileiros que residiram no continente e continuam a crer na tese celebratória da democracia racial e na proximidade cultural entre Brasil e África, como Antonio Olinto; outros, como Meira Penna, utilizavam a tese só como via protocolar de obrigação profissional. Mas há relatos, na obra, de pessoas que deram um passo atrás para observar a complexidade e a diversidade da sociedade africana, a distância cultural com o Brasil e o idealismo que permeou o encontro com o outro lado do Atlântico. Raymundo Souza Dantas é um exemplo que, ao chegar no continente africano, viu-se em choque com uma cultura que, ao contrário da retórica oficial, era muito distinta da sua. Outro caso de frustração é o de Maria Yedda Linhares. Entrevistada por Dávila, ela afirmou que sua geração era demasiada idealista; achava-se que a política brasileira para a África iria salvar o continente:
Our intellectual world was really naive and immature. It saw Brazil’s fate as tied to the future of Africa and Asia. So we were full of idealism, but it was all talk. In terms of concrete policies, there was nothing. They convinced themselves that because they were Brazilians, they would have a policy toward Africa. Alright. But what in Africa? How in Africa? What are the goals, the objectives? “Ah, but it’s Africa…”
Dentro da carreira diplomática, o autor ainda expõe o relatório de Meira Penna durante sua gestão à frente da embaixada brasileira em Lagos. Apesar do sentido de grandeza nacional e afinidade histórica, o diplomata acreditava não haver base para os gastos, os esforços e os sacrifícios que o governo brasileiro empreendia para manter o posto. De acordo com o embaixador, 90% do trabalho do posto era rotina administrativa – da organização de funerais a resolução de problemas nos aparelhos telefônicos. Até que ponto os novos esforços brasileiros seguem o mesmo caminho, repetindo as frustrações passadas?
No âmbito econômico, Dávilla, relata os grandes esforços brasileiros na construção de laços comerciais com a Nigéria – em especial decorrentes do ativismo da Petrobrás, Braspetro e Interbrás. Esse esforço levou o mercado nigeriano a ser o segundo maior para produtos manufaturados brasileiros – estando atrás somente do mercado americano em 1981. O autor apresenta como os produtos brasileiros foram recebidos pelo mercado nigeriano. Eles eram vendidos na Nigéria envoltos na premissa de que eram uma “tecnologia dos trópicos” e, por isso, mais adaptados ao local – melhores e mais duráveis. Ao contrário do que se propaga na literatura, é nítido pelo livro que esses produtos eram considerados de péssima qualidade por seus usuários. Só com o contexto de elevados preços de petróleo e pesados subsídios o Brasil enfrentou corrupção, incerteza regulatória, restrições comerciais súbitas, concorrência e péssima infraestrutura. A crença de que a África era a última fronteira do capitalismo e que garantiria um avanço mais fácil das exportações brasileiras era uma miragem que só durou por um tempo. Com a redução dos subsídios e o colapso dos preços do petróleo, os esforços de investimento no mercado nigeriano foram para o brejo – um padrão que se repetiu em outros países do Terceiro Mundo. Será que esse padrão se repete hoje?
5 Algumas ausências
Analisando a obra de forma global, observam-se poucos erros factuais para um exercício dessa magnitude – Azeredo da Silveira, por exemplo, não foi chief of staff de Gibson Barboza como o autor aponta. Apesar do bom trabalho, há algumas ausências que merecem comentário no trabalho.
Como afirmado na introdução, apesar de falar da descolonização do continente, Gana, Senegal, Nigéria e Angola são, na verdade, os únicos países examinados com profundidade. Poderíamos falar que o autor deu prioridade somente aos países Atlânticos. Falta-nos, portanto, uma compreensão mais abrangente da reação brasileira ao processo global de descolonização.
O autor repetiu, à exaustão, o argumento de políticos e diplomatas de que a diplomacia portuguesa (e o lobby de seus compatriotas no Brasil) era extremamente hábil e que o país estava indefeso de tal influência. Esse argumento é correto, mas ele retira a capacidade de agência de brasileiros na defesa de uma política equivocada. Quando servidores públicos brasileiros passavam informações secretas para a embaixada portuguesa no Brasil, isso é um exemplo não necessariamente – ou só – da habilidade portuguesa, mas do ativismo dos primeiros. Carecemos, portanto, de contribuições mais substantivas nesse domínio, especialmente na compreensão das crenças de políticos, servidores públicos e diplomatas – quais eram, como foram formadas, de que maneira foram transformadas. Isso poderia ajudar a explicação, por exemplo, de um tema que Dávilla tangencia: será que a colônia portuguesa no Brasil realmente tinha um peso eleitoral significativo ou essa era uma percepção equivocada dos políticos (ou uma desculpa utilizada para justificar certas decisões)?
Um dos temas centrais para o Brasil no período da descolonização afro-asiática foi os eixos de rivalidade criados com a América Latina. Dávilla pondera de forma precisa como o governo brasileiro atribuiu a vitória argentina na ONU no tema dos recursos naturais compartilhados ao ativismo africano. O autor, todavia, ignorou o principal tópico: as relações comerciais dos novos países com suas ex-metrópoles. Ao se visitar o Arquivo Histórico do Itamaraty em Brasília e se pesquisar as séries de documentos – principalmente as de postos multilaterais e os documentos internos – o tema é de repetitiva recorrência. É justificável que o autor tenha escolhido não tratar a questão, mesmo que de forma superficial, mas a ausência de explicação para tal decisão, ou até mesmo uma referência mais substantiva são lamentáveis.
Referências
DÁVILLA, Jerry. Pele branca, máscaras negras: diplomatas brasileiros na Nigéria e concepções identitárias (1962-1966). Revista de Antropologia, v. 51, n. 2, p. 473-518. 2008.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 50ª edição. São Paulo: Global Editora, 2005.
ISFAHANI-HAMMOND, Alexandra. White negritude: race, writing, and Brazilian cultural identity. New York: Palgrave Macmillan, 2008.
SILVA, Graziella Moraes da e Reis, Elisa P. Perceptions of racial discrimination among lack professionals in Rio de Janeiro. Latin American Research Review, v. 46, n. 2, p. 55-78. 2011.
Resenhista
Rogério de Souza Farias – Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: rofarias@gmail.com
Referências desta Resenha
DÁVILA, Jerry. Hotel Tropico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950-1980. Duke University Press, 2010. Resenha de: FARIAS, Rogério de Souza. Meridiano 47, v.12, n.127, p.58-63, set./out. 2011. Acessar publicação original [DR]