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Hoje mando um abraço para ti, pequenina | André Cabral Honor

André Cabral Honor | Foto: UnB

O livro intitulado  Hoje mando um abraço para ti, pequenina, de autoria de André Cabral Honor, foi publicado pela Editora Escaleras, em 2020, tem 155 páginas, possui  dimensões diferenciadas dos livros físicos padrão (12,25 x 19 cm) e foi impresso em papel Pólen Bold 90g/m2. Se incluo essas informações é para dizer que a experiência de manusear este livro é singular. Ele é inteligente e dá prazer em folhear. Ponto para a Editora Escaleras.

O texto foi premiado pelo Edital de fomento à literatura por meio da formação de novos autores da Fundação Biblioteca Nacional, em 2014. Aos que não conhecem ou não estão lembrados, o título remete ao refrão da música “Paraíba”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. A história narra momentos da vida do capitão-mor Jerônimo José de Melo e Castro à frente da Capitania da Paraíba. O livro é baseado em fatos históricos e, com muita licença poética,  ambienta cada capítulo como pequenos filmes.

 

O autor é professor de História na Universidade de Brasília (UnB) e sua produção envolve a cultura Carmelita e o século XVIII, elementos presentes na narrativa do livro em questão. Apesar disso, ele não procurou facilidades para sua construção. Não há linearidade cronológica e narrador único. A cada capítulo, um contador assume a história, considerada a sua proximidade à vida do Capitão. Desvenda para o leitor aspectos da personalidade daquele que exerceu, muito provavelmente, uma das mais longevas gestões (1764 e 1797), no período colonial da América Portuguesa.

Com dados desse tipo, André Cabral Honor cria situações que incluem referências a personagens e locais da então cidade de Parahyba, atual cidade de João Pessoa, capital do estado do mesmo nome e sujeitos que representam grupos invisibilizados como escravizados e mulheres. Com frases do tipo: “Aprendera como o açúcar era branqueado com o sangue dos negros” (p.76) e “Ser mulher é estar só, Ana. Seja no claustro ou em casa” (p. 116), o autor criou um texto que nos delicia e denuncia contundentemente e, com poesia, os sofreres de tantos seres.

O que gostaria de ressaltar nessa comunicação aos possíveis leitores dessa obra são as potencialidades que nela vislumbro como leitora,  profissional de História e  docente, embora refletindo sempre a partir da sala de aula.

Como leitora, considero que o consumo dessa obra, por distração ou induzido por estratégias de ensino-aprendizagem, pode contribuir para a construção de leitores que saibam apreciar recursos literários e estilísticos sofisticados sem pedantismo e  olhar para as coisas mundanas e sobrenaturais com graça, leveza, reconhecendo, porém, as suas  complexidades. Quando articulada com a ação do qual o livro emerge – formação de escritores – o uso da obra demonstra que o acesso à cultura letrada pode fazer muito por todos. Ponto para a Fundação Biblioteca Nacional.

Como profissional de História, considero que publicações desse tipo trazem à baila as funções sociais do conhecimento histórico e as demandas por conhecimento especializado em diferentes âmbitos nos quais os profissionais de História têm que atuar. Ressalto a palavra formação para explicitar meu posicionamento de que não basta alguém se dedicar à produção de material literário ou audiovisual. Deve, também, tentar modificar os cursos de graduações e/ou especializações que induzam os formandos para diálogos com outros campos do conhecimento e espaços de atuação. Ponto para o autor que nos demonstra a dificuldade e desafios do encontro entre História e Literatura.

Como docente, seja nas graduações em História, seja na Educação Básica, considero que as potencialidades de livros como este são quase inumeráveis. Vou me restringir ao que considero mais viável: construir com ele e a partir do texto escrito situações de ensino-aprendizagem, recursos didáticos e materiais didáticos.

O livro pode ser utilizado como recurso didático ou para produção de material didático na formação do profissional de História, por exemplo, que materialize reflexões sobre a função social de narrativas desse tipo, quando realizadas por profissionais de História, como é o seu autor. A discussão e a elaboração dos saberes necessários para a atuação dos formados em História, nessa área, ainda está por ser realizada em nossos cursos de graduação e poderiam contribuir sobremaneira para a renovação dos percursos formativos disponibilizados pelas graduações em História – licenciaturas ou Bacharelados.

Ainda pensando as potencialidades nas graduações em História, ressalto a viabilidade de exercitar a produção de material didático para a Educação Básica, sobretudo, se for efetivado o diálogo entre o expert em América Portuguesa Colonial ou temas correlatos e um profissional pesquisador da área do ensino de História. Esse trabalho conjunto converge para confecção de materiais demonstrativos, em que as estratégias de ensino-aprendizagem, muito mais que simplificações do conhecimento histórico acadêmico, se estruturem a partir das apropriações e das elaborações próprias aos objetivos e ao público do nível de ensino correspondente.

Na formação do cidadão, pode se aprender sobre a diversidade de formas de experiências com o tempo e as operações que os seres humanos inventam para o narrar, como a cronologia, diacronia e sincronia. Portanto, na Educação Básica, quando são tão difíceis as condições para trabalhos interdisciplinares, essa é uma das possibilidades que a publicação proporciona.

Mantendo-me nesse diapasão do diálogo entre disciplinas, o livro possibilita o trabalho sobre personagens e suas vinculações a tempos e espaços e suas formas de se identificar e se apresentar. Espaços que podem ser fictícios e imaginados, mas também que possam ser reais e palpáveis, que possamos visitar, localizar em mapas, cartografar e, até mesmo, relacioná-los às nossas memórias afetivas.

Pode se passear na cidade da Parahyba do século XVIII ou em qualquer cidade colonial em que grupos sociais dominam, resistem e (re)inventam a difícil arte de viver. Hoje mando um abraço para ti, pequenina é um livro repleto de personagens que devem ser facilmente transpostos para a experiência de outras cidades uma vez que representam grupos invisibilizados que clamam por serem ouvidos e reconhecidos nas suas diversas formas de viver. Por isso, um docente com tempo para ler, refletir, planejar-dependendo do público e do objetivo – terá condições de criar inovadores recursos. Ponto para as discussões pautadas nas Licenciaturas.

Mas, é muito importante dizer que, antes de qualquer coisa, é um livro de literatura. Boa literatura, classificável como romance histórico, produzido para encantar leitores e deixar fluir a imaginação. As indicações que faço de pautas potentes são pelo vício do olhar de quem lida com a formação de profissionais de História. As referências do autor e o contexto da origem da publicação não são amarras para o uso da narrativa inscrita em Hoje mando um abraço para ti, pequenina. Assim, convido o leitor para apreciar o Sumário transcrito abaixo. Espero que se sinta incomodado pela curiosidade dos números, das datas, tão bem definidas pelo genial Alfredo Bosi.[1]

Nota

[1] Datas. Mas o que são datas?

Datas são pontas de icebergs.

O navegador que singra a imensidão do mar bendiz a presença dessas pontas emersas, sólidos geométricos, cubos e cilindros de gelo visíveis a olho nu e a grandes distâncias. Sem essas balizas naturais que cintilam até sob a luz noturna das estrelas, como evitar que a nau se espedace de encontro às massas submersas que não se vêem?

Datas são pontas de icebergs.

A memória das sociedades, que a velha e hoje moça história das mentalidades reconquista com zelo e paixão; a memória das sociedades, que deve ter no historiador o seu ouvinte mais atento; a memória das sociedades precisa repousar em sinais inequívocos, sempre iguais a si mesmos; e o que há de mais inequívoco e sempre igual a si mesmo do que o número? Datas são números.

Datas são pontos de luz sem os quais a densidade acumulada dos eventos pelos séculos causaria um tal negrume que seria impossível sequer vislumbrar no opaco dos tempos os vultos das personagens e as órbitas desenhadas pelas suas ações. A memória carece de nomes e de números. A memória carece de numes.

Mas de onde vem a força e a resistência dessas combinações de algarismos? 1492, 1792, 1822, 1922… Vêm daquelas massas ocultas de que as datas são índices. Vêm da relação inextricável entre o acontecimento, que elas fixam com a sua simplicidade aritmética, e a polifonia do tempo social, do tempo cultural, do tempo corporal, que pulsa sob a linha de superfície dos eventos. BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. (Bosi, 1992, p.?)

Referências

NOVAES, Adauto. Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.


Sumário de Hoje mando um abraço para ti, pequenina

  • Prólogo à guisa de Epílogo
  • 1780
  • 1767
  • 1784
  • 1770
  • 1772
  • 1777
  • 1786
  • 1793
  • Epílogo à guisa de Prólogo

Resenhista

Margarida Maria Dias de Oliveira – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UFRN. Publicou, entre outros trabalhos, “Um museu de grandes novidades: em defesa de novos estudos sobre o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano”, em Estilhaços da Memória: O Nordeste e a reescrita das práticas museais no Brasil, organizado por Clovis Carvalho Britto, Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha, Suely Moraes Cerávolo (Espaço Acadêmico, 2020) e, em co-autoria com W. O. Souza, “O curso de História da UFRN (1956-2016): alguns vestígios de memórias e pautas para a escrita de histórias”, em Universidade e Ensino de História, organizado por Marieta de Moraes Ferreira (FGV, 2020). E-mail: margaridahistoria@yahoo.com.br.


Referências desta resenha

HONOR, André Cabral. Hoje mando um abraço para ti, pequenina. JoãoPessoa/Salvador: Editora Escaleras, 2020, 155p. Resenha de: OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de. Pequeno no formato, grande nas potencialidades: Hoje mando um abraço para ti, pequenina, de André Cabral Honor. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.3, jan./fev. 2022. Disponível em: https://www.criticahistoriografica.com.br/1849/

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Itamar Freitas

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