Historiografia alemã: abordagens e desenvolvimentos / História da Historiografia / 2011

Entre nós, e, arriscaríamos dizê-lo, mesmo em outros países, o estudo da historiografia alemã precisa superar o mesmo obstáculo do estudo da história da Alemanha: ser refém de clichês e imagens fortes. De um lado, a imagem de Adolf Hitler simplifica e divide a compreensão de um acidentado processo. Na formação básica do estudante, a palavra Alemanha só é mencionada ao se falar de fascismo e, quando muito, de formação (tardia) de Estado nacional. Liga-se, portanto, a uma visão ainda por demais presa à história política. Do outro lado, temos Leopold von Ranke, sério candidato a historiador mais ofendido e menos compreendido da era moderna. Felizmente, aqueles que optam por irem além da superfície da discussão historiográfica já sabem do óbvio: faz mais sentido falar em Ranke como “historicista” do que como um “positivista”.

O propósito deste dossiê, oferecido ao leitor de “História da Historiografia”, é aprofundar a discussão sobre a historiografia alemã dos séculos XIX e XX. Aprofundar significa torná-la mais complexa, mesmo que isto implique em torna-la também mais lacunar, episódica e menos redutível a um sentido consagrado.

Portanto, não pretendemos fausticamente abranger-lhe todos períodos e correntes, mas apenas, a partir de quatro contribuições, indicar pontos importantes de reflexão em uma trajetória que, além de tudo, se rebela ao ser circunscrito como “nacional”: afinal, o que é “alemão”? Pergunta constrangedora. Vamos respeitá-la, portanto, sem oferecer uma resposta imediata. Sem que isso traia uma intenção classificadora, os textos do dossiê visitam, mas sem protocolo e mesuras, temas que nunca podem ser considerados como já sabidos e dominados.

A historiografia alemã será, aqui, abordada em quatro textos: o de Julio Bentivoglio oferece ao leitor uma rara abordagem do período clássico do historicismo. Colocando em segundo plano as exegeses de obras e autores, Bentivoglio trata da Historische Zeitschrift (Revista Histórica), trilhando um caminho de investigação no qual o periódico é, ele mesmo, abordado na condição de sujeito histórico. Afinal, se a historiografia do século XX passa necessariamente pela revista dos Annales, é bom lembrar que a do oitocentos alemão tem na Historische Zeitschrift seu principal endereço.

Sérgio da Mata apresenta-nos um estudo de história intelectual, centrado na figura de Max Weber e no tema da relação deste com a tradição historicista. Enfocando, sobretudo, os “anos de aprendizagem” – os Lehrjahre – desse que se tornaria um dos mais importantes acadêmicos alemães do começo do século XX, Mata percorre a correspondência de Weber, documentando a influência de diversos historiadores sobre a sua formação. Revela, assim, como, a despeito de se ter graduado jurista e de ter ficado posteriormente conhecido como economista e sociólogo, Weber foi profundamente marcado por um modo histórico de olhar para a realidade social, o que em última análise permite associálo à tradição do historicismo. O historicismo ainda é tema, e de maneira bastante provocadora, do texto de Gunter Scholtz, que apresenta uma tese ousada: sim, o historicismo tem problemas e aporias, mas eles ainda permanecem em nossos dias, e, mais do que isso, ele ainda pode ser tanto uma fonte de incômodo como uma produção. É um trabalho instigante: afinal, a preocupação de autores como Febvre e Le Goff pela Europa não é inédita. Já o velho Ranke nunca se cansou de compreender as “grandes potências”. E o ceticismo quanto ao progresso também não é invenção do século XX: quantas vezes precisaremos lembrar que este é um Leitmotiv historicista? Mais uma vez, a abordagem é ampla, temática, conceitual. Autores aparecem, mas os problemas importam mais. E, por isso, demonstram não só o vigor do historicismo, mas, sobretudo, suas lacunas.

O texto de Thomas Welskopp trata, por sua vez, de uma tradição metódica que, surgida na década de 1970, amiúde se apresentou como adversária do historicismo, a saber, a ciência social histórica (historische Sozialwissenschaft). Welskopp apresenta diferenças fundamentais existentes entre essas duas tradições, além de procurar repensar os pressupostos teórico-metodológicos da história social. À luz de críticas provenientes de outras correntes historiográficas – tais como a história cultural, a micro-história e a história do cotidiano –, busca aprofundar a capacidade de autocrítica da tradição da ciência social histórica. Oferece-nos, com isso, uma excelente reflexão sobre os limites e potencialidades da história social, cuja validade transcende, em muito, o caso alemão.

Aproveitamos a oportunidade para agradecermos aos dois primeiros autores pela presteza com que aceitaram o convite para colaborar com o dossiê. Agradecemos, também, aos dois últimos, pela gentileza de nos cederem os seus textos para a tradução.

Arthur Assis – Professor Adjunto Universidade de Brasília. E-mail: arthurassis@unb.br

Pedro Spinola Pereira Caldas – Professor Adjunto Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: pedro.caldas@gmail.com


ASSIS, Arthur; CALDAS, Pedro Spinola Pereira. Apresentação. História da Historiografia, Ouro Preto, v.4, n.6, mar., 2011. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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