Fluxos, ima(r)gens e conexões de uma história Atlântica
Este dossiê reúne um conjunto de artigos sobre diversas experiências em várias margens e fronteiras do Atlântico. São estudos de autoria de uma safra de historiadores formados em vários programas de pós-graduação, que têm realizado um investimento metodológico sistemático, rejeitando as análises ensaísticas e / ou com pretensões polêmicas que ainda rondam a historiografia da escravidão, da África e dos africanos no Brasil e na diáspora. Fundamentalmente, são partes de teses de Doutorado defendidas nos últimos anos na USP, UFBA, PUC, UNICAMP, FIOCRUZ, UFF, além de alguns estudos de pesquisadores consolidados.
A ideia de uma dimensão atlântica de processos históricos, de experiências e de trajetórias de pessoas em perspectivas translocais é perseguida em títulos, argumentos e abordagens na maior parte dos textos. Em muitos casos, temos faces de uma história marítima com enfoques em portos e marinheiros. No Brasil, a despeito da utilização muitas vezes aleatória e repetitiva do termo História Atlântica, ainda carecemos de um aporte teórico em termos historiográficos próprios para definir o que consideramos neste campo de estudo emergente. Um caminho seria recuperar clássicos da historiografia acadêmica, e fora dela, como os estudos de Alice Canabrava, Rozendo Sampaio Garcia, Pierre Verger e Emília Viotti da Costa, passando pelas perspectivas contemporâneas de Luiz Felipe de Alencastro e, especialmente, Rafael Marquese. Em ensaio publicado em português, Dale Tomich sugeriu originais reflexões para pautas de investigações. Num verdadeiro norte teórico e metodológico – lamentavelmente não seguido – destacou a necessidade de insistir num conceito amplo de História Atlântica. Assim, o que podemos denominar de História Atlântica não seria uma simples integração plural de temas, abordagens e cenários analíticos, mas sobretudo uma unidade diferenciada de reflexão a propósito de processos e conexões. E não somente enquanto um lugar, mas no movimento da sua constituição permanente enquanto espaços e tempos de movimentos históricos particulares.[1]
Para o Instituto de História da UFRJ e o Programa de Pós-graduação em História Comparada, a edição deste Dossiê é mais um resultado de parte de um esforço acadêmico e intelectual, articulando linhas de pesquisas e o diálogo mais amplo possível com as áreas de Antropologia e, mais recentemente, Arqueologia e Geografia. Foi um movimento iniciado em 2003, com o Laboratório de Antropologia e História (o LAH, atualmente vinculado ao programa de pós-graduação em Antropologia Social, PPGAS, do Museu Nacional) e que agora ganha mais fôlego com a criação do LEHA (Laboratório de Estudos de História Atlântica). O LEHA pretende oferecer um espaço de sistematização de reflexões teóricas e de estudos empíricos (também de alunos de graduação), através de reuniões, seminários e a edição de uma revista eletrônica, visando captar as tensões existentes e produtivas entre contingência e necessidade, agência e estrutura, histórias particulares locais (transformadas em narrativas nacionais) e histórias atlânticas. Nestes conjuntos de experiências e processos históricos conectados, cruzados e compartilhados, o Atlântico foi reinventado, como um complexo espaço histórico de diferenças, mas onde também é possível analisar formas de unidade e coerência. Assim, podemos repensar abordagens historiográficas, antropológicas e arqueológicas nas perspectivas renovadas dos estudos atlânticos.
Aqui ou acolá, têm sido realizadas investigações sobre diversas dinâmicas coloniais e pós-coloniais, destacadamente em estudos comparados. Numa dimensão colonial, já havíamos investido em pesquisas na Guiana Francesa e avançamos num aprofundamento bibliográfico (incluindo também fontes secundárias) em estudos sobre Cuba, Venezuela e, agora, sobre a Colômbia, especialmente nas interfaces entre história social, demografia, história da escravidão e pós-emancipação. Também demos continuidade às investigações sobre campesinato e demografia escrava, com destaque para o perfil da população escrava (a partir do uso de fontes seriais). Ultrapassando os sentidos de uma história nacional e investigando contextos e regimes sóciodemográficos, as perspectivas atuais da História Atlântica têm sugerido várias abordagens, mas as conexões teórico-metodológicas ainda permanecem pouco exploradas para o entendimento da escravidão africana nas Américas. De todo modo, a experiência principal tem sido desconstruir o modelo de “história nacional” ou “história dos Impérios” (colonial ou pós-colonial), destacando-se assim os vários espaços, temporalidades, agências, projetos, processos e estruturas.
Nota
1. Dale Tomich. O Atlântico como espaço histórico. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 26, n.2, p. 221-240, 2004
Juliana Barreto Farias (UFBA)
Flávio Gomes (UFRJ)
FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio. Apresentação. Revista de História Comparada. Rio de Janeiro, v.7, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]
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