Historia y teoria social, de autoria de Peter Burke, é um livro que tem como objetivo principal discutir as aproximações e contribuições da teoria social para os historiadores, a utilidade da história para os teóricos sociais e as contribuições da história e da sociologia na produção do conhecimento do social.
A obra é dividida em seis capítulos. No primeiro encontram-se questões que perpassam as relações entre a história e a sociologia, as quais, segundo o autor, apesar do interesse comum – o estudo do social -, nem sempre foram boas vizinhas, pelo fato de que historiadores e sociólogos, dentro dos limites de suas concepções e do exercício de sua ciência, construíram visões estereotipadas. Historiadores questionam o caráter científico da prática dos sociólogos, alegando que estes não vão além de suposições genéricas, descontextualizadas no tempo e no espaço, apenas classificatórias dos indivíduos. Já os sociólogos falam do historiador como um profissional que coleta informações e faz uma exposição da história, sem embasamento em uma teoria ou método.
Para Burke, tais argumentos caracterizam um diálogo de surdos, porquanto não vê razões para antagonismos entre as disciplinas, e sim, que é mais útil vê-las como enfoques que podem se complementar.
Com o objetivo de melhor situar o leitor acerca da historicidade das relações entre historiadores e sociólogos, o autor percorre três momentos da história: meados do século XVIII, meados do século XIX e a década de 1920. Segundo ele, até o século XVIII não havia disputas, pelo fato de que a sociologia não era uma disciplina independente e os teóricos sociais eram vistos como historiadores analíticos ou historiadores filósofos. Cem anos mais tarde a relação entre história e teoria social já não era tão próxima, pois os historiadores rankianos afastaram-se da teoria e da história social, num contexto em que a história e a política buscavam promover a unidade nacional, desprezando a historia social em prol da história política, promovedora de uma identidade coletiva.
O repúdio pelo social é explicado a partir do ideal e da busca da cientificidade. A história política dispunha de documentos oficiais para ser escrita dentro dos parâmetros científicos da época. A sociologia, por não se encaixar nesses critérios, passou a ser vista como propositora de explicações casuais, sem valor científico.
Tal quadro – aponta o autor – começou a ser modificado nas primeiras décadas do século XX, quando ficou latente a insatisfação com a história política de Ranke e historiadores de vários países manifestaram a necessidade de revisão na historiografia. Karl Lamprecht, por exemplo, pronunciou-se em prol do rompimento do exclusivismo com o político e em defesa da aproximação entre disciplinas; Frederich Jackson Turner fez a defesa de uma história que considerasse todas as esferas da atividade humana, e o movimento francês, conduzido por March Bloch e Lucien Febvre, buscou uma história-problema.
No segundo capítulo a preocupação do autor diz respeito ao processo de aproximação e diálogo entre disciplinas da área de ciências humanas. Para isso trata dos debates que estão na ordem do dia e expõem os pontos de contato, isto é, os modelos, métodos e pressupostos empregados em comum, os pontos de conflito e as problemáticas advindas do encontro entre as disciplinas e seus respectivos modelos e conceitos analíticos do social. Entre os conceitos comuns, Burke destaca o da comparação e o papel central que este tem para os sociólogos, em especial para Durkheim, que entendia que tal conceito permitiria sair de uma esfera descritiva em direção a um trabalho ou pesquisa analítica. Salienta o lado problemático do uso desse conceito, por exemplo, o fato de que na análise histórica ele pode levar a uma equivocada suposição das sociedades como sujeitas a processos evolutivos seqüenciados em etapas, características – lembra o autor – presentes na obras de Marx, Conte, Spencer e Durkheim, que identificaram e escalonaram as sociedades dentro de um processo evolutivo. Burke entende que o uso de tal conceito, na perspectiva atual, deve promover análises comparativas para mostrar as várias trajetórias que as sociedades adotaram, e não para apontar rumos evolucionistas e gerar o etnocentrismo.
Na continuidade trata do emprego do método quantitativo na história e na sociologia, questão que tem causado discussões e divergências na última geração de pesquisadores. Salienta que tal polêmica pode ser superada em favor da busca de um equilíbrio no uso deste enfoque, uma vez que os métodos quantitativos podem ser úteis no estudo de outras formas de comportamento e de atitudes humanas (p. 58). Destaca que “Sin los métodos cuantitativos sería imposible llevar a cabo ciertos tipos de análisis histórico” (p. 61). Ainda nesse capítulo é discutida a ampliação de objetos de estudo pelos sociólogos, historiadores, antropólogos e outros, uma ampliação que, para o autor, é acompanhada de um rumar da análise do macro para o micro.
Após contextualizar o cenário em que a abordagem do micro ganha campo, apontar os trabalhos mais significativos e mencionar alguns problemas, conclui pela importância de tal abordagem, mas não deixa de observar que é necessário questionar os fundamentos que respaldam tal abordagem, ou seja, questionar em que medida os estudos do micro são ou podem ser representativos na história, algo fundamental para que a micro-história possa ser consolidada.
O terceiro capítulo é aberto com uma discussão acerca da necessidade de os historiadores obterem domínio de conceitos básicos de análise do social, “sin los cuales” –para o autor “gran parte del comportamiento humano sería ininteligible” (p. 72). Cita como exemplo os trabalhos dos antropólogos, com os quais os historiadores teriam muito que aprender, em especial o modo como aqueles lidam com os conceitos e categorias pertinentes às analises das culturas que buscam compreender. Procede então ao exame de uma série de conceitos como: regras e atuações, sexo e gênero, família e parentesco, comunidade e identidades, mobilidade social e distinção social, capital cultural e social, poder e cultura política, a sociedade civil e a esfera publica, centros e periferias, hegemonia e resistência, protesto social e movimentos sociais. Em seguida identifica os pesquisadores que têm trabalhado com tais conceitos e também as problemáticas a serem superadas no uso dos mesmos.
No quarto capítulo Burke discorre sobre concepções, enfocando aquelas que ele considera perigosas, por acarretarem um peso maior de pressupostos filosóficos. Apresenta as discussões acerca de quatro debates no campo da história e demais ciências humanas, a saber: as explicações universalizantes do comportamento humano e as explicações pautadas em diferenças culturais; a concepção de sociedade como essencialmente consensual e a que a considera permeada por conflitos; os debates entre os que defendem o pressuposto de que historiadores, sociólogos, antropólogos e outros são estudiosos de fatos e do real (pautados em procedimentos metodológicos e na teoria) e aqueles que entendem a história como ficção; por fim, apresenta o debate entre estrutura e espaço de atuação humana.
Após observar que tais discussões têm sido a razão da oposição entre universalistas e relativistas, o autor preocupa-se em apresentar essas correntes, os pontos que sustenta cada uma delas, as dificuldades, os desafios e críticas sofridas e também os pontos de embate. Ainda nesse capítulo discorre acerca de a história ser ciência ou ficção. Nesse momento trata das críticas feitas, em especial pelos filósofos, entre eles Hayden White, que “ha acusado a sus colegas profesionales de vivir en el siglo XIX, la era del sistema de convenciones literarias conocido como ‘realismo’, y de negarse a experimentar con las formas modernas de representación” (p. 180).
Burke aponta que estas críticas estão sendo questionadas, pois há historiadores que empregam a narrativa fluida em seus textos, mas ainda assim é preciso avançar, pois “[…] la mayoría de los historiadores profesionales ten se mostrado, hasta ahora, renuecentes a reconocer a la poética de su trabajo, las convenciones literarias que observan” (p. 182). Em contrapartida, argumenta que
[…] es una lástima que White y sus seguidores todavía no hayan abordado con seriedad la cuestión de si la historia es un género literario o un conjunto de géneros independientes, si tiene sus propias formas de narración y su propia retórica, y si las convenciones incluyen (como sin duda lo hacen) reglas sobre la relación de los enunciados con las pruebas, así como reglas de representación (p. 183).Conclui esse assunto argumentando que a mais apropriada e válida discussão a ser feita é aquela referente às compatibilidades e pontos de conflito entre história e narrativa, abandonando-se os velhos e infrutíferos questionamentos sobre a historia ser ciência ou ficção.
No quinto capítulo aborda as teorias explicativas da mudança social e apresenta dois importantes modelos de interpretação dessas mudanças, fundamentados em Marx e Spencer. Faz uma descrição de cada um dos modelos, o contexto em que foram pensados, os principais postulados, os pontos fortes e as debilidades de cada um, e finaliza essa parte defendendo a necessidade de uma terceira via, formada pela junção de conceitos provenientes dos modelos citados, porquanto há entre eles aspectos complementares, e não contraditórios.
No último capítulo Burke discorre acerca da
pós-modernidade e pós-modernismo, destacando que um dos efeitos mais visíveis desta conjuntura é o abandono dos estudos centrado em grandes estruturas, sejam elas econômicas, sociais, políticas ou culturais. Destaca a força de pesquisas centradas no aspecto cultural, que atribuem um caráter ativo e não passivo á cultura e a aponta os problemas dos estudos centrados no âmbito cultural. Cita então o reducionismo de muitos trabalhos, e argumenta que seria mais útil ver “la relación entre cultura e sociedad en términos dialécticos, y considerar que una y otra son a la vez activas e pasivas, determinantes y determinadas (p. 254).
Nas conclusões finais Burke defende uma história que seja tradicional, mas que agregue constantemente novos enfoques, e diz esperar que seu livro persuada os historiadores acerca da importância da teoria e também possa contribuir para que os teóricos sociais tenham um maior interesse pela história, pois “la apertura a nuevas ideas, provengan de donde provinieren, así como la capacidad de adaptarlas a los objetivos propios y encontrar la manera de verificar su validez, es el sello distintivo tanto del buen historiador como del buen teórico” (p. 267).
Resenhista
Veroni Friedrich – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Estadual de Maringá.
Referências desta Resenha
BURKE, Peter. História y teoria social. Buenos Aires: Amorrortu, 2007. Resenha de: FRIEDRICH, Veroni. Diálogos. Maringá, v.12, n.1, 241-245, 2008. Acessar publicação original [DR]
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