No primeiro capítulo – “Editando a História” –, Luciana Pinsky intencionou descrever “como é feita a divulgação da História no formato livro”. A resposta foi insuficiente porque não conseguiu traduzir esse “como” em operações, habilidades e/ou princípios. Também não conseguiu livrar-se do jargão “público em geral”, às vezes definido pelo (óbvio) “não específico” ou exemplificado como “estudantes de graduação e de pós-graduação, acadêmicos e pesquisadores”.[IV] Comentou, ainda, a efêmera iniciativa do E-Guttenberg, que divulgava monografias universitárias de jovens historiadores por meios digitais. Esse sim, um concreto exemplo de “divulgação”.
Melhor proveito tiramos do texto de Juliana Sayuri – “História é notícia: temas históricos e o ofício do historiador em reportagens publicadas na Folha de S. Paulo”, no qual afirma que os jornalistas possuem seus princípios: formatos de escrita, orientações do redator, funções de motivação e convencimento etc. Se historiadores quiserem fazer uso dos lugares que lhe são abertos, devem conhecer, compreender e respeitar essas regras, e completa: “se os espaços abertos a historiadores nessas mídias não forem ocupados por profissionais comprometidos com princípios éticos e democráticos, outros vão ocupá-los”[V] e sem a competência necessária.
O capítulo seguinte contempla de modo preciso a indagação do título: “Pesquisa publicada é pesquisa divulgada?” Para Roberta Cardoso Cerqueira, editora do Portal de Periódicos da Fundação Oswaldo Cruz, a resposta é “não”! A “democratização e o acesso do conhecimento científico de excelência” dependem do emprego profissional de blogs, do Facebook e do Twitter. Cerqueira afirma que o universo da web provocou a transformação do press release impresso remetido a “formadores de opinião” em press release online, constituído não apenas da nota informativa, mas acompanhada por um exemplar da revista recentemente publicada (nos anos 1990), entregue a formadores de opinião. Os novos recursos e estratégias de divulgação (vídeos, verbetes de wiki etc.) ampliam o acesso dos números correntes e antigos e reforçam a importância do periódico junto ao “público de especialistas” (professores, pesquisadores e alunos de pós-graduação)” e de “um público leigo curioso”.[VI]
No capítulo seguinte, esse público “leigo e curioso” é entendido por Icles Rodrigues como “público mais amplo” (que ultrapassa “os muros das instituições de ensino”), consumidor dos vídeos sobre conceitos históricos postados na Internet. Sob o título “História no YouTube: relato de experiência e possibilidades para o futuro”, Rodrigues anuncia as “dinâmicas de funcionamento” do canal Leitura ObrigaHistória. Ele cita as vantagens e as desvantagens das mídias virtuais para a produção e consumo do conhecimento histórico e comunica as lições que retira da experiência de youtuber. Para ele, quem empreende divulgação com esse objetivo deve ser capaz de cumprir cronogramas, vigiar a audiência, conhecer os sistemas de busca e os algoritmos de cada plataforma. Deve, sobretudo, compreender que “os temas” interessantes “a um público mais amplo são aqueles que nós, acadêmicos, julgamos mais básicos (anarquismo, comunismo etc.) tomados, equivocadamente como óbvios”. [VII]
O capítulo “História da Ditadura: como tratar de regimes ditatoriais com o grande público” foca, efetivamente, o desenvolvimento da capacidade de “divulgação”. A iniciativa de Paulo César Gomes de “difundir pesquisas acadêmicas sobre a ditadura militar brasileira para um público mais amplo”[VIII] descreve o caminho das pedras: constituir um corpo de colaboradores especialistas na matéria, criar um guia de redação e um esquema de avaliação entre pares. Também aponta os óbices mais comuns: a irrelevância dos textos de divulgação científica no Currículo Lattes e a baixa familiaridade dos historiadores com as ferramentas do mundo digital. O senão está no alcance da iniciativa. Não estou convencido, tanto quanto o autor, de que a divulgação de conhecimento especializado se torne “um antídoto para prevenir ações políticas mal-intencionadas, que usam memórias distorcidas e, muitas vezes, falseadas, para construir um passado idílico”.[IX] Também não acalento a esperança de que o conhecimento especializado possa (em forma de História Pública), por si só, “estimular o desenvolvimento de uma consciência histórica nos cidadãos”.[X] O outro senão do texto é a fluida ideia de público, como “amplas audiências e “professores e alunos”.
No capítulo de Bruno L. P. de Carvalho – “Café História: divulgação científica de História na Internet” –, o “grande público” e as “amplas audiências” também são citados, mas a sua experiência com o portal Café História conota divulgação entre pares. Carvalho afirma que, além do historiador-pesquisador e do historiador-professor, “seria necessário formar o historiador-divulgador”. Consequentemente, ele deixa mais claras as habilidades a serem desenvolvidas nas iniciativas de divulgação: escolha de plataforma, criação da identidade visual, divulgação do site via redes sociais (com distintas funções e formatos para cada rede), criação de editorias especializadas, elaboração de guias de escrita, seleção de temas de apelo popular, estratégias de manutenção financeira e de fidelização do público, avaliação do alcance do site na literatura acadêmica e destinação dos sites extintos. Carvalho também ressalta a função social das iniciativas de divulgação, como a que dirige com Ana P. S. Teixeira. De certa forma, e isso é bom, tenta corrigir um lugar comum dos nossos tempos: verdades didaticamente expressas anulam mentiras anunciadas de modo doutrinário.
O livro é encerrado com três entrevistas conduzidas por Bruno Carvalho que instigam Keila Grinberg, Luiz Paulo Ferraz, Rodrigo Bione e Paulo Knauss a relacionarem “Divulgação Científica” e “História Pública” às suas respectivas práticas de colunista de jornal, preletor de história e gestor de museu. Para Grinberg, ex-colunista da Ciência Hoje, é “difícil separar o chamado ‘grande público’ do público especializado, até porque existem várias nuances entre um e outro”. A mesma conclusão pode ser parafraseada na descrição dos públicos do projeto “História ao Ar Livre” e do Museu Histórico Nacional. Se a tarefa é “discutir o conhecimento histórico de maneira diferente, atingindo mais pessoas e num espaço público”, o público varia de logradouro a logradouro. Ferraz e Bione, contudo, referem-se aos “alunos e alunas” da escolarização básica, num primeiro momento, e aos “amigos e familiares” desses alunos, em momento posterior[XI]. Essa é a mesma atitude de Knaus, quando descreve “os públicos” dos museus como “leigos e curiosos”, “não iniciados profissionalmente” (em termos de Ciência Histórica e Museologia) e escolares[XII]. As estratégias são dessemelhantes, dadas as situações comunicativas nas quais estão envolvidos os entrevistados: selecionar temas/problemas de interesse do colunista, selecionar temas/problemas do interesse dos alunos e, para gestores de museus, identificar públicos, expressar-se na linguagem desses públicos e descobrir os problemas desses públicos. As motivações para um artigo, uma aula ou uma exposição, têm origem nas demandas do tempo presente, idealmente ou realisticamente interessantes a esses públicos.
Das entrevistas ao estudo inicial, sobre edição de livros, os textos são atravessados pelas preocupações dos coordenadores dessa coletânea. As “referências” que os movem – “História Pública” e “Divulgação Científica – , contudo, não correspondem aos resultados, mais próximos da “Divulgação científica” que da História Pública. Não há significados predominantes de “público” entre os autorizados divulgadores da História Pública (ao menos a citada estadunidense), e isso torna ainda mais incompreensível a sua qualificação de “campo” dos “mais oxigenados no campo historiográfico brasileiro”.[XIII] Uma divulgação para um “público” indefinido, a partir de referenciais de uma História Pública fragilmente definida pouco contribuirá para a qualificação de uma “consciência histórica”[XIV] também indefinida neste livro. Na maioria dos capítulos, a História Pública é apenas um rótulo nobilitante, o que não significa um demérito. Arriscaria até afirmar ser uma vantagem, considerando o caráter de “guarda-chuva” que ganhou essa expressão, sobretudo na última década.
A virtude principal do livro, entretanto, está no seu caráter aplicativo. Carvalho e Teixeira levantam questões e apresentam relatos que podem modelar futuras práticas de divulgação histórica. Historiadores, em geral, são avessos aos relatos de experiência e aos exemplos de “como fazer”, tidos como pré-científicos ou “pedagógicos”. Esquecem-se de que, se a demanda é desenvolver uma (nova) habilidade – a metacomunicação –, o “aprender com os outros”, configurado nos relatos do “como eu fiz”, “como deveria ter feito” e “como vocês podem fazer”, é um princípio básico a ser cultivado. A coletânea de Bruno Carvalho e Ana Teixeira cumpre bem esse papel e os objetivos anunciados: os autores, efetivamente, exploram singularidades da divulgação histórica, ensinam a divulgar e a tornarem relevantes os resultados de pesquisa e da representação social do historiador e dão exemplos de como a divulgação histórica pode contribuir para a cidadania, em seus mais diferentes significados.
Notas
[II] CARVALHO, Bruno Leal Pastor de; TEIXEIRA, Ana Paula Tavares. História Pública e divulgação de história. São Paulo: Letra e Voz, 2019, p. 10.
[III] Idem, p. 10-11.
[IV] Idem, p. 31.
[V] Idem, p. 52.
[VI] Idem, p.68; p.63.
[VII] Idem, p.86.
[VIII] Idem, p.93.
[IX] Idem, p.97.
[X] Idem, p.100.
[XI] Idem, p.134; p.136.
[XII] Idem, p.141-143.
[XIII] Idem, p.19.
[XIV] Idem, p.20.
Resenhista
Doutor em História e Educação e professor do Mestrado Profissional em História da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: itamarfreitasufs@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5606084251637102
Referências desta resenha
CARVALHO, Bruno Leal Pastor de; TEIXEIRA, Ana Paula Tavares. História Pública e divulgação de história. São Paulo: Letra e Voz, 2019. Resenha de: FREITAS, Itamar. Vendendo histórias. Boletim do Tempo Presente. Recife, v.10, n.10, out. 2021. Acessar publicação original [IF]
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