História Oral e Memória | Outras Fronteiras | 2016
A memória é um elemento essencial do que
se costuma chamar de identidade,
individual ou coletiva, cuja busca é uma
das atividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades de hoje, na
febre e na angústia. (Le Goff, 1996, 476)
A história oral comemora sua maturidade. Olhando em perspectiva pode-se dizer que as primeiras dificuldades para a compreensão de suas diferenças foram superadas. Ela se consolidou e é respeitada, seja para quem a pratica como uma nova área da produção do conhecimento, seja para quem a entende como um método auxiliar de pesquisa histórica contemporânea. Para um ou outro grupo o resultado produzido pelo trabalho de história oral pode ser visto como narrativa que tem força para subverter a lógica estabelecida e que torna diferentes sujeitos protagonistas de suas histórias, no momento em que a vida ganha centralidade e destaca o papel dos sujeitos.
Mostrar esses diferentes usos não tem finalidade de segregar. O campo ganha com uma discussão que segmente menos o conhecimento e que nos possibilite ter contato com um mundo mais complexo, assim como é a vida das pessoas, que misturam sentimentos e ao narrar se refazem e dão sentidos e significado a sua existência.
Há um crescente número de trabalhos realizados voltados para a questão da memória e da identidade e, particularmente, frente à demanda de se fazer o registro das narrativas de pessoas que construíram e constroem a história de instituições, ou que vivenciaram fatos históricos.
Hoje, inúmeros trabalhos de pesquisa, dissertações e teses são escritos utilizando a história oral como instrumento, técnica, metodologia ou forma específica da produção de conhecimento (MEIHY, 2003). Dentro e fora das universidades ela se colocou como alternativa para a construção de saberes. Pode ser definida como um processo de trabalho que privilegia o diálogo e a colaboração de sujeitos considerando suas vivências, experiências, memórias, identidades e subjetividades, para a produção do conhecimento. Neste processo em que acontecem intervenções e mediações se dá a construção de narrativas e de estudos referentes à experiência de pessoas, de grupos e de instituições (RIBEIRO e MEIHY, 2011).
Tais conhecimentos foram produzidos em uma perspectiva teórica nova, na qual a produção de diferentes modos de narrar a história passou a existir e ser aceita. Também passaram a ser organizados sob um novo viés. As divergências entre a história das elites ou dos “vencedores e dos vencidos são pontuadas e enfrentadas, de modo a desmistificar o processo de construção do conhecimento e dar visibilidade a ‘outras histórias’” (RIBEIRO, 2007, 16). Não é exagero afirmar, portanto, que a história oral possibilitou o registro de história de pessoas comuns, pessoas que não tinham direito à história. Assim, nos anos de 1990, ampliou-se o leque de atuação ao abraçar as histórias de trabalhadores, sindicatos, camponeses, movimentos sociais, exilados, presos políticos. Mais recentemente, tomaram vulto os trabalhos sobre mulheres, negros, gays, movimentos culturais populares. Trata-se, portanto, da história oral lidar com possibilidade de escrita de histórias plurais, construídas a partir de diversas interpretações que ora se entrecruzam, ora se contradizem ou sobrepõem, em constantes disputas de poder.
Tais trabalhos também provocaram uma alteração na vida da academia, que teve que sair de seus escritórios e enfrentar a complexidade do mundo. Nos anos 1990 houve uma demanda por conhecer a história oral, muitos pesquisadores queriam desenvolver projetos nessa linha (FERREIRA, 2006). A redemocratização e a ampliação do sistema de pós-graduação brasileiro acompanharam, ou melhor, foram acompanhados pelo crescimento da História Oral.
Com isso, pode-se dizer que pluralizou e mudou e humanizou a história recente do país, ao trabalhar as questões da produção de um conhecimento que valoriza os sujeitos e suas experiências.
Por fim, no mundo contemporâneo em que segundo Huyssen (2004) é possível dizer que as práticas mnemônicas da contemporaneidade são marcadas pela mercadorização é bom ver que o passado pode ser revalorizado, como elo de identidade e pertencimento. Assim, conquistada a maturidade em diálogo com seu contexto histórico, há ainda muito a ser feito pelos pesquisadores da área com trabalhos de história oral.
Referências
FERREIRA, Marieta. M. Oralidade e memória em projetos testemunhais. In: LOPES, Antonio H, VELLOSO, Mônica P., PESAVENTO, Sandra J. (orgs) História e linguagens: texto, imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro, Edições Casa de Rui Barbosa e 7 Letras, 2006.
HUYSSEN, Andréas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2004.
LE GOFF, Jaques. História e memória. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1996.
MEIHY, José Carlos S. B. La radicalización de la historia oral. In: Palabras e silencios. Revista de la Asociación Internacional de Historia Oral. Nueva Época, vol 2, n. 1, junio 2003, pp. 33-45.
RIBEIRO, Suzana L. S. Tramas e traumas: identidades em marcha. [Tese de doutorado] São Paulo: USP/FFLCH/DH, 2007.
RIBEIRO, Suzana L. S. e MEIHY, José Carlos S. B. Guia prático de História Oral. São Paulo: Contexto, 2011.
Organizadora
Suzana Lopes Salgado Ribeiro – Universidade de Taubaté.
Referências desta apresentação
RIBEIRO, Suzana Lopes Salgado. Apresentação. História oral e a consolidação de um campo de pesquisa. Outras Fronteiras. Cuiabá, v. 3, n. 1, p. 1-4, jan./jun.2016. Acessar publicação original [DR]