História oral e História pública: escutas sensíveis em tempos desafiadores [1] / Canoa do Tempo / 2020

Qual é a potência dos trabalhos que se comprometem com a história oral e a história pública? Por que, nos últimos anos, ambas têm se tornado tão presentes nas pesquisas historiográficas? Como afirmou Linda Shopes [2], esses campos ou práticas nem sempre se apresentaram de forma convergente e não devem ser entendidas como sinônimos. No entanto, quando parceiras, tornam-se práticas reflexivas, ou reflexões com consequências práticas, em que ao historiador é colocado o desafio de contribuir para a construção de uma ciência em meio a um processo dialógico e inclusivo com o público, aqui entendido como mais do que massa ou audiência. Esse público é compreendido como a sociedade plural, conflituosa e dinâmica que antecede a Universidade e a ultrapassa, cobrando dela a sua reinvenção no trabalho com o conhecimento, o que significa abrir-se a demandas de grupos que tiveram suas histórias, memórias e identidades invisibilizadas.

Vivemos, no decorrer dos séculos XX e XXI, ditaduras, discriminações sociais e catástrofes que tiveram efeitos sociais devastadores e colocaram os historiadores em posição de atenção ao seu próprio tempo, de forma a colaborar na criação de comunidades de contadores/testemunhos e de ouvintes; sujeitos diversos que exigiram e continuam a exigir o direito à memória a fim de cobrar reparações, pertencimentos e reconhecimentos. A história oral, como abertura à escuta ética, e a história pública, como atitude aberta a negociações na produção, na divulgação e no acesso ao conhecimento, tornaram-se emergentes em tempos de confronto por narrativas e usos do passado, com finalidades múltiplas e interesses políticos que colidem entre si, ora para conservar leituras e privilégios, ou para romper com processos de silenciamento estabelecidos por visões lineares e vazias de experiências.

As disputas podem ser observadas pelo grande interesse demonstrado por governos, partidos, instituições privadas, movimentos sociais, organizações civis diversas e pesquisadores em relação à institucionalização da memória e aos seus enquadramentos sociais e políticos, cada qual preocupado com a perpetuação de certo imaginário social no tempo. Esse fenômeno contribuiu para o surgimento e a expansão de um verdadeiro “boom memorialístico”.

O historiador François Hartog tem feito muitos alertas em torno da escassez e dos limites presentes em pesquisas relacionadas à memória. Segundo seus estudos, esse fenômeno está relacionado à crise do regime moderno de historicidade que se caracterizaria, dentre outras questões, pela supremacia dos trabalhos historiográficos relativos à memória e aos chamados “novos lugares da memória”. [3] As críticas e preocupações deste autor estão relacionadas ao fato de muitos historiadores não levarem em consideração em suas investigações as diferenças que delimitam as fronteiras entre história e memória. Em outras palavras, os critérios teóricos estariam, para Hartog, sendo postos de lado por profissionais ingenuamente presos a práticas empiristas, as quais os transformariam cada vez mais em meros “especialistas aficionados em colecionar memórias”. [4]

A noção de regimes de historicidade, desenvolvida por Hartog em seu livro homônimo, é uma ferramenta conceitual por meio da qual procura compreender a relação das sociedades e dos indivíduos com o tempo. O autor defende que, enquanto o conceito costumeiramente usado de “época”, congela e desumaniza a conduta dos sujeitos históricos e negligencia a percepção por eles desenvolvida em relação ao tempo, a de regime de historicidade apresenta uma tentativa de capturar justamente a essência que conduz e caracteriza essa experiência, tanto individual quanto coletivamente. De acordo com sua interpretação, vivemos desde 1989 sob os impactos da chamada crise do regime moderno de historicidade cuja principal característica seria a de predomínio de um fenômeno social de percepção do tempo denominado “presentismo”. As incontáveis comemorações praticadas pelo “boom memorialístico” seriam expressão fiel dessa nova maneira de perceber e experienciar o tempo que começou a ser cultivada, em diferentes esferas da sociedade, na passagem do século XX para o XXI:

O tempo tornou-se tão habitual para o historiador, que ele o naturalizou ou instrumentalizou. Ele é impensado, não porque seria impensável, mas porque não o pensamos ou, mais simplesmente, não se pensa nele. Historiador atento ao meu tempo, eu, assim como muitos outros, observei o crescimento rápido da categoria do presente até que se impôs a evidência de um presente onipresente. É o que nomeio aqui “presentismo”. [5]

Quando os sujeitos deslocam todas as suas energias em relação ao presente; passado, presente e futuro deixam de estar articulados na forma de uma experiência temporal qualitativa e substantiva. Mergulhadas na contemporaneidade em um presente dilatado, alerta Hartog, as pessoas fabricam artificialmente o passado e o futuro de que necessitam para simplesmente permanecerem contemplando o seu cotidiano. A temporalidade deixa então de ser uma esfera fundamental da vida em sociedade e, quando o futuro não mais tem importância significativa, o comportamento político é diretamente afetado e a experiência comunitária se deteriora.

Em “A história, cativa da memória?” Ulpiano Bezerra de Meneses teceu um dos mais importantes alertas em relação aos maus usos da memória. Este autor produziu uma crítica historiográfica na qual demonstrou a impossibilidade de se “resgatar” a memória, criticando as interpretações que a consideram um amontoado de processos produzidos no passado em sua integralidade original. [6] Ademais, apresentou a memória como “trabalho de memória”, processo permanente de construção e reconstrução. Para tanto, sua análise retoma algumas concepções discutidas por Ecléa Bosi em seu célebre livro Memória e Sociedade, um dos textos precursores da história oral no Brasil. [7] Ao reforçar a característica fluida e mutável da memória, Meneses destacou a importância do trabalho dos historiadores orais em evidenciar que as autobiografias precisam ser compreendidas em sua dimensão narrativa, a partir de suas contínuas reestruturações e em diálogo permanente com a dinâmica social:

A memória enquanto processo subordinado à dinâmica social desautoriza, seja a ideia de construção no passado, seja a de uma função de almoxarifado desse passado. A elaboração da memória se faz no presente e para responder a solicitações do presente. É do presente, sim, que a rememoração recebe incentivo, tanto quanto as condições para se efetivar. [8]

O dossiê “História Oral e Pública: escutas sensíveis em tempos desafiadores” reúne uma série original de artigos fruto de pesquisas consistentes sobre as relações entre história e memória. Seus organizadores entendem que as preocupações delineadas por Hartog e Meneses – principalmente em relação aos maus usos e aos abusos cometidos em relação à memória – têm sido o foco de importantes publicações no âmbito estabelecido pela história oral e pública.

Os textos aqui publicados evidenciam que os historiadores orais e públicos ocupam há muitas décadas uma posição de relevo, inclusive assumindo responsabilidades concernentes ao estabelecimento de critérios de problematização e distinção entre a memória e a história. Nessa perspectiva, entendemos que a produção de conhecimento teórico nessas áreas precisa ser compreendida como parte de um combate pertencente a todas as historiadoras e todos os historiadores que, no cerne de suas pesquisas, desejam escutar e compreender histórias sensíveis em meio às contradições e desigualdades sociais em tempos tão desafiadores. Impedir que a experiência de mulheres e homens no tempo seja colonizada definitivamente pelo “presentismo” – em parceria com a agenda de desregulamentação de direitos imposta pelo neoliberalismo –, torna-se um desafio inadiável.

As políticas públicas neoliberais, em conluio com as operações coordenadas no âmbito do mercado financeiro, produziram nas últimas décadas um impacto triplo na vida de trabalhadoras e trabalhadores: informalidade, precarização e desemprego. De acordo com as pesquisas e avaliações feitas por Ricardo Antunes, “se no século XX presenciamos a vigência da era da degradação do trabalho, na transição para o século XXI passamos a estar diante de novas modalidades e modos de ser da precarização, da qual a terceirização tem sido um de seus elementos mais decisivos”. [9] A pulverização dos sindicatos e a perda de direitos produzida pela terceirização, enfatiza o autor, levou também ao aumento da vulnerabilidade dos trabalhadores precarizados. Esse crescimento acentuou-se exponencialmente no atual contexto da pandemia Covid-19, levando milhares de trabalhadores à situação de extrema pobreza. Em um contexto amplamente adverso para a classe trabalhadora, no qual a informalidade se tornou a principal regra do mundo do trabalho, historiadores orais e públicos veem suas perspectivas de atuação desafiadas: “os trabalhadores terceirizados, além de ganhar menos, trabalhar mais, ter mais instabilidade e menos direitos, são os que mais morrem e se acidentam”, ressalta Antunes. [10] Afinal, como contribuir para a análise dos modos como o neoliberalismo atinge a vida cotidiana e a esfera da subjetividade de uma classe trabalhadora cada vez mais precarizada?

A história oral e a história pública, que não estão necessariamente atreladas, quando parceiras têm investido esforços na compreensão das subjetividades que fazem parte das elaborações presentes nas memórias narrativas. Os conhecimentos teóricos produzidos no âmbito da história oral examinam a lógica costurada pelas narrativas de vida, questionando não somente as coerências, como também as rupturas, os silêncios e interditos. A coesão construída pelos narradores, seja em autobiografias ou em histórias orais de vida, revela o quanto essas fontes são ricos mananciais que permitem examinar a maneira como o trabalho de memória estabelece relações no tempo histórico. A experiência de uma vida em sua forma narrativa interessa, nesse sentido, enquanto chave para uma avaliação preocupada com as intersecções entre o individual e o coletivo, as disputas por memória e a história.

O dossiê “História Oral e Pública: escutas sensíveis em tempos desafiadores” apresenta aos leitores artigos de pesquisadoras e pesquisadores que trabalham e representam a produção intelectual de diferentes universidades – UFAM, UFAC, UNIFAL, UNITAU, UNIFESP, UDESC, UNESPAR, UFRN, UNESP, USP, UNIVÁS – em busca de uma “atitude historiadora”, como bem nomeou a historiadora Ana Maria Mauad [11], voltada à reflexão sobre as demandas inclusivas do tempo presente e sobre os trabalhos de memória. Os artigos trazem subsídios que altercam, a partir de diversas fontes e perspectivas teóricas, os vários sujeitos e maneiras pelas quais as memórias são disputadas e filtradas no plano individual e coletivo: pesquisadores, militantes, professoras, festeiros, migrantes, e pessoas lgbts não são apenas objetos, mas sujeitos que pensam e nos provocam a pensar sobre a importância política do fazer histórico; sobre uma ciência que não deve abrir mão de sua função sensibilizadora em tempos desumanizadores. Isso significa pensar nos processos de envolvimento do público (ativo e atuante) e na autoria compartilhada (para usar aqui a expressão de Michael Frish [12]) quanto à produção, aos sentidos e ao acesso ao conhecimento construído pelas relações entre história e memória, mais do que nos produtos advindos da pesquisa solitária, apenas para serem consumidos sem questionamento.

As discussões permitem uma avaliação compreensiva das questões subjetivas e das disputas políticas em jogo quando se trata de relações temporais que envolvem experiências passadas, presente e expectativas de futuro. Hoje, com certeza, as contribuições aqui publicadas assumem um papel essencial no combate à hegemonia das percepções de tempo “presentistas” e às práticas neoliberais, bem como demarcam uma posição de resistência às concepções revisionistas e negacionistas da história, trazendo ao público memórias e histórias de mulheres e homens não mais tratados como meros informantes ou coadjuvantes de “grandes histórias” vazias de vida.

A abertura do dossiê conta com o valioso artigo “O devir público da história no tempo presente: outras linguagens, outras narrativas”, de Ricardo Santhiago Corrêa, Viviane Trindade Borges e Rogério Rosa Rodrigues. Os autores convidam à reflexão sobre os papéis sociais que o historiador assume e desempenha diante de demandas de seu tempo, demonstrando a relevância pública do trabalho histórico. Sem defender a perda do rigor científico em nome da submissão aos movimentos sociais, os autores e a autora apontam a importância de trabalhos que, ao utilizarem da literatura, da produção de paródias, de músicas, de performances carnavalescas e do exercício da história oral, colocam em prática uma “atitude historiadora” mais democrática e ampla. A história pública não seria um conjunto de práticas esvaziadas do debate e método histórico, mas uma possibilidade de os pesquisadores e pesquisadoras refletirem e dialogarem criticamente com e sobre os diferentes sujeitos sociais do tempo presente de forma mais criativa e inclusiva.

Bruno Flávio Lontra Fagundes, no artigo “Conhecimento histórico do historiador e outros conhecimentos históricos”, também se propõe investigar as concepções defendidas por diversas tendências da historiografia sobre história pública, avaliando a maneira pela qual estabelecem as relações entre o conhecimento histórico profissional e outros conhecimentos históricos produzidos socialmente fora das academias. Perscrutando as diferentes dimensões abordadas pela história pública, particularmente algumas amadurecidas no Brasil, Fagundes avalia a importância e o significado do trabalho desempenhado pelos historiadores profissionais, bem como defende a relevância dos cidadãos elaborarem suas próprias perguntas e recortes a respeito de sua própria história. Dentre as muitas perguntas realizadas pelo artigo, duas parecem ser centrais: como escrever história sem desdenhar dos critérios do público que olha para o passado? A história sistematizada pelo historiador profissional é mais adequada e “verdadeira” do que aquela elaborada pelas comunidades de maneira autônoma?

Pensando sobre a importância das comunidades, Aliny Dayany Pereira de Medeiros Pranto reflete sobre as memórias subterrâneas narradas por pessoas que participaram da campanha “De pé no chão também se aprende a ler” desenvolvida na cidade de Natal/RN. O texto convida os leitores a uma reflexão sobre as relações entre a história desse projeto educacional, as memórias construídas e os esquecimentos produzidos como forma de autodefesa. Ao adotar a noção de escuta sensível, Pranto investigou as memórias narrativas produzidas por alunos e professores que enfrentaram o analfabetismo através de uma experiência educacional coletiva interrompida pelo regime ditatorial imposto em 1964. A autora examina atentamente a maneira como narradoras e narradores, moradores e moradoras dos bairros Rocas e Acampamento das Quintas, reconstroem no presente as histórias vivenciadas durante a vigência dessa importante campanha de alfabetização.

Ainda em relação a um trabalho acadêmico comprometido com o público, Marcela Boni Evangelista, em seu artigo “Corpo como morada: uma história de luta por moradia” apresenta o projeto “Corpo como morada”, desenvolvido por pesquisadoras do Grupo de Pesquisa em Gênero e História, da Universidade de São Paulo, com mulheres da Ocupação Teresa de Benguela, na cidade de São Paulo. A autora destacou a história oral de vida de Luciana, uma das militantes do MTST, com a finalidade de evidenciar a memória de uma mulher que faz de seu corpo a força mobilizadora da luta coletiva por moradia, um movimento que se transforma na defesa das próprias mulheres, submetidas a inúmeras formas de violência do Estado e da misoginia que se revela em hierarquizações de gênero no movimento social.

“Entre andanças e lembranças: algumas reflexões sobre migração e história oral”, de Patrícia Regina de Lima Silva, também contribui para a reflexão sobre a história oral de mulheres. A autora mostra como as memórias orais de duas migrantes nordestinas se remetem a uma história coletiva de mulheres que, nos estudos sobre migração, ainda é pouco visibilizada. A história oral permite compreender os sentidos atribuídos pelas mulheres às suas experiências de migração e suas especificidades que não se resumem às questões econômicas. As narrativas analisadas pela autora demonstram o questionamento aos papeis sociais de gênero atribuídos a elas e revelam o quanto as mulheres migrantes são responsáveis pelas redes de solidariedades e sociabilidades, nas quais se configuram e se (re)inventam nos processos de deslocamentos.

A perspectiva de uma história pública e oral voltada à educação e às narrativas de mulheres é a preocupação do texto “As Representações Sociais das docentes acerca de seus alunos caiçaras”, escrito por Vítor Paulo Fida da Gama, que apresenta sua pesquisa com professoras numa escola pública municipal em Ubatuba. A opção por usar narrativas orais e o uso de desenhos feitos por elas procurou evidenciar as memórias sobre a trajetória delas entre a cidade e a vila de pescadores, além das representações sociais sobre a comunidade tradicional, transformando suas vidas e o currículo planejado. A relação com as crianças caiçaras fez com que as entrevistadas reconhecessem histórias e modos de vida durante muito tempo invisibilizados pela escola e que, em diálogo com a comunidade, criassem formas de aprendizagem coletivas que envolvessem suas tradições.

As tradições são, também, o objeto de pesquisa de Cleyton Antônio da Costa, que discorre no artigo intitulado “Os diferentes discursos e disputas da/na festa de 16 de julho na cidade de Borda da Mata, Sul de Minas Gerais” sobre as disputas por memória em torno da reorganização da festa comemorada em 16 de julho na cidade de Borda da MataMG. Por meio de entrevistas de história oral, Costa investigou as motivações que inspiram os principais conflitos travados entre perspectivas sagradas atestadas pela devoção a Nossa Senhora do Carmo e, profanas, em torno das comemorações sobre a emancipação política do munícipio. As narrativas apresentadas permitem uma leitura apurada dos embates políticos e religiosos que envolvem o controle das festividades de 16 de julho. O texto examina, ainda, os significados dessas contendas e o modo como produzem impactos na utilização do espaço público borda-matense, configurando e reconfigurando permanentemente a relação dos moradores com a cidade e a sua história.

O artigo de Jefferson Luiz Balbino Lourenço da Silva, intitulado “A [tele] visão dos excluídos: recepção das representações da homossexualidade nas telenovelas da Globo”, tem como objeto as representações relativas à homossexualidade presentes nas telenovelas América, Amor à Vida e Babilônia, produzidas pela TV Globo, a partir da noção de recepção. O autor analisou a percepção dos consumidores de telenovela na internet e procurou ouvir pessoas homossexuais, trabalhando com a história oral temática, a fim de compreender os efeitos da publicização de imagens sobre a população LGBT e sua identificação ou não com suas experiências. Uma das questões do autor seria compreender se a novela é representativa das demandas históricas e se poderia ser entendida como um avanço para essa minoria, ao tornar públicas suas histórias de maneira ficcionalizada.

Encerrando o dossiê, Nedy Bianca Medeiros de Albuquerque, que não trabalhou com história oral, mas pensou a história pública também nos meios de comunicação (impressos), constrói uma problematização sobre a história da anexação do Acre ao Brasil, examinando algumas versões oficiais e ou ufanistas e suas implicações na historiografia. Em “História pública e imprensa: um olhar sobre a história do Acre a partir das narrativas em jornais acerca de sua anexação”, a autora reflete sobre a maneira como alguns pressupostos da história pública colaboram para a análise das fontes impressas e, por sua vez, na escrita de outras histórias possíveis sobre a origem do Estado do Acre. A partir da leitura de vários órgãos de imprensa, a narrativa ressalta também a possibilidade de se acompanhar historicamente a dinâmica dos interesses econômicos e identitários que envolveram as elites locais, particularmente no que concerne ao tratamento dedicado às personagens históricas responsáveis pela incorporação territorial do Acre ao Brasil. Uma pergunta central guia os leitores pela investigação realizada: afinal, quais são os interesses que definem os esquecimentos de determinados documentos e personagens quando a “Questão do Acre” é avaliada?

Ainda sobre o valor da história oral e pública, ao final deste número, a Revista Canoa do Tempo procurou registrar a narrativa da senhora Olympia Ávila Salsa. Seu relato faz parte do acervo “História Oral na Pandemia”, composto por narrativas públicas, autobiográficas, de idosos com vida social ativa – em situação de isolamento social frente aos desafios do novo COVID 19. O acervo pertence a um projeto multidisciplinar “A Covid-19 no Brasil” (MCTIC), do qual a Profa. Juniele Rabêlo de Almeida participa, acolhendo as memórias sobre tempos de incerteza. Aqui, mais uma vez, os trabalhos historiográficos se abrem a outras áreas e tecnologias virtuais e à construção de uma comunidade de ouvintes, sensível às experiências compartilhadas. A escolha do registro de dona Olympia, cuja foto estampa a capa desta edição, é também uma homenagem às pessoas cujas vozes, gentilmente, nos fazem lembrar sobre a importância de nosso trabalho na valorização de uma história do tempo presente repleta de vida.

Os textos aqui reunidos enfrentam a percepção hegemônica de um presente onipresente e convidam os leitores a refletirem sobre o tempo e as possíveis relações costuradas pelos sujeitos históricos entre presente, passado e futuro. Ao problematizarem os intrincados diálogos entre história e memória, as diferentes contribuições apresentadas reafirmam o compromisso da história oral e da história pública com a construção de uma ciência em franco diálogo com a sociedade e em defesa de uma democracia cada vez mais radicalizada.

Uma excelente leitura a todas e todos!

Notas

1. Instituições responsáveis pelo trabalho: Universidade Federal do Amazonas e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

2. SHOPES, Linda. A evolução do relacionamento entre história oral e história pública. In: MAUD, A.M.; ALMEIDA, J.R.; SANTHIAGO, R. História Pública no Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.

3. HARTOG, François. Regimes de Historicidade. Presentismo e Experiências do Tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

4. HARTOG, François. Evidência da História: o que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

5. HARTOG, François. Evidência da História: o que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p. 148.

6. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A história, cativa da memória?: para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, Nº 34, p. 9-24, 1992.

7. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

8. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A história, cativa da memória?: para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, Nº 34, p. 9-24, 1992, p. 11.

9. ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p.176.

10. ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p.176.

11. MAUAD, A.M. Entrevista concedida a Ligia Conceição Santana e Hamilton Rodrigues dos Santos. Revista Perspectiva Histórica, jan/jun de 2016, n.7, p.151-155.

12. FRISH, Michael. A Shared Authority: Essays on the Craft and Meaning of Oral and Public History. New York: State University of New York Press, 1999.

Referências

ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p.176.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

FRISH, Michael. A Shared Authority: Essays on the Craft and Meaning of Oral and Public History. New York: State University of New York Press, 1999.

HARTOG, François. Evidência da História: o que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

HARTOG, François. Regimes de Historicidade. Presentismo e Experiências do Tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

MAUAD, A.M. Entrevista concedida a Ligia Conceição Santana e Hamilton Rodrigues dos Santos. Revista Perspectiva Histórica, jan/jun de 2016, n.7, p.151-155.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A história, cativa da memória?: para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, Nº 34, p. 9-24, 1992.

SHOPES, Linda. A evolução do relacionamento entre história oral e história pública In: MAUD, A.M.; ALMEIDA, J.R.; SANTHIAGO, R. História Pública no Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.

Marta Gouveia de Oliveira Rovai –  Professora de História da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG). Doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP). Membro da Rede Brasileira de História Pública.

Glauber Cícero Ferreira Biazo – Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (PPGH-UFAM). Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Bolsista do Programa PPP-004/2017 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

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[DR]
Itamar Freitas

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