A revista Canoa do Tempo, em seu terceiro volume, tem como elemento central de seus diversos artigos as relações estabelecidas entre as representações textuais e as realidades históricas, trazendo assim à superfície o papel decisivo das maneiras de conceber e perceber o mundo em toda e qualquer experiência humana. A historicidade dos termos envolvidos nessas relações poderá ser apreendida, por sua vez, através da diversidade dos tempos e dos espaços em que os artigos oferecidos ao leitor revelam a sua presença.
As concepções de mundo formuladas pelas sociedades ao longo do tempo constituem, evidentemente, uma das dimensões de seu imaginário, cujas relações com as imagens são evidentes. Assim, o texto de abertura de nossa Canoa do Tempo reproduz uma conferência de Jean-Claude Schmitt, um dos mais importantes medievalistas contemporâneos, em que são analisadas as maneiras pelas quais certos manuscritos medievais representaram a história e o tempo em suas miniaturas.
Os relatos de viagem, fonte privilegiada nos estudos de nosso dossiê, pertencem a outra categoria discursiva propícia para a prospecção das representações da realidade histórica, tema que se coloca sob diversas formas nos artigos aqui publicados. Nos relatos abordados no artigo de Maria Eugênia Bertarelli a própria noção de realidade parece desaparecer diante do objeto narrado, o além. Ela retorna, porém, no texto de Auxiliomar Ugarte que, em outro espaço e tempo, o da Amazônia do século XVI, expõe as interferências do imaginário herdado na apreensão de uma realidade desconhecida. No texto de Lígia Ferreira, o imaginário, agora sob a forma da busca do Eldorado, retorna como fator impulsionador da trágica expedição de Pedro de Úrsua, enquanto Beatriz Bíssio revela e analisa os elementos propulsores das viagens no contexto árabe-islâmico medieval. Carla de Oliveira Lima encerra este dossiê abordando a narrativa do viajante inglês Alfred Russel Wallace, tomando como fio condutor o impacto transformador de suas viagens pelos rios Amazonas e Negro.
A seção de artigos abre com uma análise do cruzamento de gêneros nas tragédias de Sêneca, onde o latinista José Eduardo Lohner mostra como a atenção aos aspectos formais de um texto é essencial para a apreensão de seus significados. A mesma atenção para com a construção discursiva está na base do artigo de Marina Soares, sobre um tratado erótico proveniente do universo árabe-islâmico medieval, e no de Edmar Checon, acerca das Histórias do bispo Gregório de Tours, texto fundamental para o estudo da Gália merovíngia.
O rico universo de possibilidades oferecidas pelos textos narrativos para uma abordagem renovada da História Política evidencia-se nos artigos de Miriam Cabral e Roberto Fabri, ambos dedicados à construção da imagem da dinastia de Avis. Para uma edição que privilegiou as narrativas e os relatos de viagem, nada mais natural do que terminar pelo texto de Lenora Mendes, que parte do contexto medieval ibérico, atravessa o Atlântico e vem reencontrar no nordeste brasileiro temas e motivos provenientes de suas canções.
Aos leitores dessa Canoa, desejamos uma boa viagem.
Sínval Carlos Mello Gonçalves – Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas.
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