No Dossiê “História, Memória e Representações”, a Revista Trilhas traz um debate que contempla questões norteadoras da produção do conhecimento histórico, como a discussão das representações missionárias no continente africano; as representações da igreja dos pobres no Brasil; o significado das práticas religiosas populares; a memória da Umbanda; a memória de migrantes paranaenses e paulistas e o sonho da terra prometida; a cultura escolar e suas relações com o meio social; a memória dolorosa das enchentes, entre outros temas que se entrelaçam. Contribui, dessa maneira, para dar continuidade às ações da Revista, qual seja, propiciar espaços para que pesquisas de fôlego sejam publicadas e, assim, as trilhas possam ser percorridas na escrita da História e em sua reflexão.
No texto “O conceito de representações da Nova História Política: uma análise dos estudos de missionários na África Meridional de fins do século XIX e início do XX”, Yuri Wicher Damasceno trabalha o conceito de representações a partir da perspectiva da história política. O autor aborda o papel das missões e dos missionários em Uganda, destacando que o objetivo era levar “os ideais imperialistas” na “busca de uma regeneração da África”, ou seja, o desejo de “civilizá-la” nos moldes dos projetos colonialistas. Para essa reflexão, Damasceno destaca a ação da Church Missionary Society e suas práticas imperialistas, inspiradas na visão da Europa como o “centro civilizador” e o continente africano como o lugar da “barbárie”. O autor contribui para mostrar os limites desta interpretação e a necessidade de apreendermos as suas arbitrariedades.
O texto “Festa de Nossa Senhora Imaculada Conceição, padroeira de Dourados (1920-1960): conservadorismo e mudança de práticas culturais”, de Tiago Alinor Hoissa Benfica, analisa certas práticas religiosas populares, a exemplo da festa religiosa, por meio de fontes bibliográficas, periódicos e entrevistas. Observa o autor que sendo as festas espaços de convivência, solidariedade, trocas de saberes, elas se tornam instrumentos de poder e de controle da Igreja Católica, utilizados como forma de conter o avanço do protestantismo na localidade. Discorre ainda sobre a figura do festeiro e o seu papel na organização da festa, observando o status que isto lhe delegava. Mas chama a atenção a afirmativa de Hoissa de que a memória da festa, apreendida por meio de entrevistas, esconde os momentos de tensão vividos em seu interior, a exemplo das brigas e dos crimes que também eram comuns em Dourados, Mato Grosso do Sul, nas primeiras décadas do século XX.
Bruno Dias Santos, ao abordar o tema “Da Igreja Romana à Igreja dos pobres: crítica e utopia nas missivas de frei Betto (1969-1973)” propícia uma leitura das práticas e representações vividas por esse agente pastoral em meio ao cenário da Ditatura Militar e do nascimento da Teologia da Libertação nos anos 1970. Agente central no processo de denúncia das arbitrariedades do regime de exceção e, ao mesmo tempo, sujeito histórico das mudanças no interior da Igreja Católica, em especial, na opção pelos pobres, frei Betto tornara-se um dos ícones de luta de parte desta instituição. Porém, ao mesmo tempo, sentiria na pele, no corpo e no sangue, o peso desta postura.
O artigo “Salvos por Cacique Tartaruga: Memória, História e Mito na umbanda de Campo Grande- MS”, de Saulo Conde Fernandes, contempla o debate da religiosidade, por meio da memória dos pais e mães de santo em Mato Grosso do Sul. Associando a História Oral e a Antropologia, Fernandes destaca o diálogo entre ambas e apresenta histórias de vida que dão vida à memória e às representações da umbanda. Na discussão da incorporação do Cacique Tartaruga, um “caboclo de umbanda”, guia espiritual na cidade de Campo Grande, MS, o autor tece ainda uma etnografia dos terreiros chamando a atenção para a diversidade da religiosidade afro-brasileira nesses lugares. Estabelece uma crítica ao mito fundador da Umbanda, observando a amplitude de interpretações em torno de sua origem. Propõe, então, a teoria do rizoma como mais eficiente para a compreensão das religiões afro-brasileiras, já que, no seu entender, as várias linhas se entrelaçam e não há um continuum na história.
No artigo “A problemática dos sujeitos: o movimento migratório proveniente do estado do Paraná e São Paulo para Ivinhema-MT (1960-1970)”, de Nelson de Lima Júnior, também encontramos a reflexão da memória e das representações. Isso é possível a partir das lembranças tecidas e narradas pelos migrantes paranaenses e paulistas de sua terra natal e daquilo que se sonhara conquistar por uma vida inteira: a terra de trabalho como morada da vida. Mesmo em vista de todas as dificuldades em meio aos projetos de assentamento e às frustrações derivadas das ações governamentais para sufocar os movimentos sociais de sem terras em seus estados de origem, é possível encontrar na fala dos entrevistados, como narra Nelson, o sonho da conquista da terra, ou seja, aquilo que lhes conduzira à caminhada e lhes dera força para se deparar com as intempéries da vida.
Marilsa de Paula Casagrande, ao abordar “A Cultura e a Cultura Escolar”, discute, a partir de alguns referenciais teóricos que define como básicos, a apreensão do significado da cultura e da cultura escolar para a escola. Este debate é fundamental, pois, como é perceptível nas preocupações da autora, não são elucubrações teóricas sem uma preocupação com o “chão da escola”, ao contrário, já que Casagrande entende “a escola como representação da nossa visão de mundo”. Desse modo, as mudanças ou permanências vividas no ambiente escolar evidenciam o modo como o novo ou o velho se manifestam. Daí ser preciso apreender continuidades e rupturas desse lugar de produção do saber e de reprodução, muitas vezes, das práticas autoritárias da sociedade, se não nos dermos conta dessa dimensão.
No Ensaio de Graduação “Espectros da Catástrofe Entre o Trauma e a Solidariedade: Representações Iconográficas da Enchente de 1974 em Tubarão (SC)”, de Elias Theodoro Mateus, encontramos um diálogo profícuo entre as fotografias, como fontes históricas, e os referenciais teóricos, a fim de apresentar, em paralelo com os estudos da psicanálise que enfatizam as dimensões de “solidariedade e trauma”, a construção da memória da enchente em meio à tragédia vivida pela população de Tubarão nos anos 1970. O autor enuncia, por meio das imagens, o quanto fora impactante esse acontecimento para a memória dos moradores, (re)definindo modos de vida e de compreensão do lugar.
A Resenha de Laura Sanches da obra de Mercedes de la Garza, “El legado escrito de los mayas”, faz uma importante referência acerca do legado pré-colombiano, trazendo análises de escritos na língua maia, produzidos no período colonial. Nas palavras de Sanches, “Este libro es de consulta básica para quien desee conocer la trayectoria histórica maya desde el Clásico hasta fines de la Colonia, y para quienes investigan y enseñan temáticas relacionadas a las religiones y literaturas precolombinas, la historia de la Conquista de América, la evangelización y la resistencia”.
Por fim, na seção Fontes apresentamos a entrevista do Professor Dr. Eudes Fernando Leite (UFGD), historiador mato-grossense, realizada pelo Grupo PET – História Conexões de Saberes e estruturada por Vitor Oliveira (UFMS / CPTL). Na entrevista Leite explicita a sua concepção de história narrando a sua trajetória de ensino e pesquisa na área. A proposta do grupo PET consiste em desenvolver uma série de entrevistas com historiadores que trabalham ou trabalharam a história regional, (MT / MS). Objetiva-se, com este material, sondar em que pé está a historiografia regional, quais os trilhos e as trilhas percorridos, bem como as novas possibilidades de investigação da história, o que propicia um prato cheio de experiências para contribuir nos rumos da pesquisa regional e para além de Mato Grosso do Sul.
Maria Celma Borges
Caio Vinicius dos Santos
Verão de 2014
BORGES, Maria Celma; SANTOS, Caio Vinicius dos. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.4, n.7, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]
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