O minidossiê História, Imagem, Ciência & Cultura tem como objetivo trazer a público uma análise do papel cultural da ciência no mundo ocidental, enfatizando suas formas de divulgação e de difusão. Tal empreitada faz coro ao movimento mais recente da historiografia de não considerar o desenvolvimento das ciências tão somente com base na demarcação entre ciência e não ciência, ou, segundo Thomas Gieryn, entre o “analítico (teorizações) e o prático”1 , mas de buscar uma apreensão a partir das práticas e dos jogos de acomodação/negociação que propiciam sua circulação.
Com uma proposta integradora, centrada na temática de cultura visual da ciência construída no tempo histórico, o minidossiê reúne trabalhos que discutem a utilização de imagens e os diferentes contextos de visibilidade, suas práticas representacionais e objetivação do conhecimento, procurando reconhecer, valorizar e (re)significar as relações constituintes entre imagem e produção do conhecimento.
A organização deste minidossiê está atrelada ao fato de que a historiografia das ciências contemporânea apresenta-se, ainda, devedora de análises sobre a influência das imagens nas ações educacionais e no meio de divulgação da ciência. Como toda imagem, a representação gráfica do conhecimento (ideograma) fala do seu tempo e para ele, assim como nos coloca diante de “símbolos, que representam certamente a concepção da época, mas não a forma fiel à natureza – que corresponde à nossa concepção”.2 Sua condição de protagonista documental é o ponto de partida para os textos que se seguirão aqui.
As discussões relativas às representações visuais sobre o corpo monstruoso couberam a Palmira Fontes da Costa, no artigo “O lugar das imagens na percepção e entendimento do corpo monstruoso, 1550-1750”. A autora visita a literatura teratológica dos séculos XVI a XVIII, a qual concebe as formas de divulgação das imagens e, a partir delas, o poder das transformações do entendimento médico sobre os corpos monstruosos. Ela ressalta, então, a importância dos estilos e convenções pictóricas utilizados, bem como a circulação das imagens, apropriações e compilações que permitiram o êxito dessas obras.
O texto de Irina Podgorny “Las extinciones históricas: la vaca marina de Steller: el poder de las imágenes y el problema de la evidencia en la zoología del siglo XIX” examina as imagens da vaca marinha de Steller (Rhytina stelleri), um animal extinto. A autora percorre os caminhos da evidência zoológica, mostrando-nos como a imagem desse animal viajou, perdeu-se, foi copiada e retornou ao ponto de partida através de uma rede composta por diversos agentes. Com refinamento, aborda a estreita relação entre imagens e a produção do conhecimento. Entre o ver, ouvir e interpretar de homens de ciência, nativos e comerciantes, ela nos dá a oportunidade de experimentar um movimento em que as imagens são tomadas em si e produzem também “outras realidades”.
Na sequência, como parte de sua pesquisa sobre exposições, Alda Heizer se debruça sobre a temática das exposições universasis em “Comemorar para não esquecer: Exposição de Paris de 1889”. A autora discute a permanência da Revolução Francesa em textos e imagens e nos mostra como o evento pretendia conservar ideiais da civilização, francesa, tomando como referência a celebração da liberdade, igualdade, trabalho e os avanços científicos. Assim, as imagens do progresso veiculadas convertem-se em lugares privilegiados para a comemoração e seu correlato “não esquecer”.
Marco A. Cornacioni Sávio, por sua vez, tem por foco a divulgação da ciência no trabalho “Divulgação científica, imagem e modernização: o papel da Revista Politécnica na definição das instituições de ciência em São Paulo”. As imagens veiculadas no periódico discente, fundado em 1904, são interrogadas por esse historiador como divulgadoras da ciência e por seu caráter político, de transformação e respostas aos discursos de progresso da elite paulista no início do século XX. A história da revista, bem como da instituição à qual se vincula – Escola Politécnica – evidenciam os instrumentos e estratégias de valoração dos quais lançaram mão. Desse modo, ao mesmo tempo em que construía uma imagem de ciência, a revista se inseria nos destinos de uma cidade que vislumbrava a modernidade, revelando, portanto, sua importância capital no tratamento quase terapêutico do espaço urbano e das políticas públicas.
Pensamos que textos como os inseridos no minidossiê História, Imagem, Ciência & Cultura são suficientes para justificá-lo. Afinal, as imagens produzidas pela e para a ciência são mais que meros produtos dessa atividade tão presente em nossas vidas; elas iluminam processos históricos, as metáforas do poder; apresentam e validam o conhecimento, a política e a cultura. Valéria Mara da Silva Paloma Porto Organizadoras do minidossiê
Notas
1 GIERYN, Thomas. Boundary -work and the demarcation of science from non science: strains and interests in professional ideologies of scientists. American Sociological Review, v. 48, n. 6, dez. 1983, p. 781.
2 FLECK, Ludwik e CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Gênese e desenvolvimento de um fato científico: introdução à doutrina do estilo de pensamento e do coletivo de pensamento. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010, p. 40.
Organizadores
Valéria Mara da Silva – Doutora em História pela UFMG, pós-doutoranda do PPGHI da UFU, co-organizadora do livro Imagens na escrita da História (São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2016).
Paloma Porto – Doutora em História pela UFMG.
Referências desta apresentação
SILVA, Valéria Mara da; PORTO, Paloma. Por uma cultura visual da ciência. ArtCultura. Uberlândia, v. 18, n. 32, p. 7-8, jan./jun. 2016. Acessar publicação original [DR]
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