História, Gênero e Sexualidade: Abordagens Interdisciplinares / História, Histórias / 2015
“História, Gênero e Sexualidade: Abordagens Interdisciplinares” é o título deste dossiê. Nos tempos atuais, constitui-se em grande valentia publicar tal edição. Vivemos em tempos de retrocesso político e social em que falas e atos comprometem o estado democrático de direitos civis. O debate teórico proposto aqui visa reunir pesquisadoras e pesquisadores dos estudos de gênero que discutem questões que envolvem poderes sociais, políticos, econômicos e culturais, suas disputas e efeitos sobre os corpos, as subjetividades, os comportamentos sexuais e as relações de gênero. As diferenças e hierarquias entre o masculino e o feminino, produzidas historicamente através de jogos de significação e de relações de poder, marcam as desigualdades nas relações de gênero e as possibilidades de inserção e interdição dos indivíduos na vida social. Assim, este dossiê busca de maneira interdisciplinar articular pesquisas e reflexões preocupadas com as construções das sexualidades, das masculinidades e das feminilidades na história, a fim de desvelar os seus processos de difusão, construção e funcionamento, e os poderes que atravessam e mantêmessas construções.
O primeiro artigo desse dossiê, de autoriadeNatanael de Freitas Silva (UFRRJ), apresenta reflexões sobre a necessidade de investigarmos, no campo da história, as experiências de masculinidades e suas implicações em uma política de gênero. Desse modo, à luz dos estudos de Richard Miskolci e Albuquerque Júnior, o autor tece algumas considerações sobre o estudo das masculinidades e discute a articulação de uma histórica concepção de masculinidade na elaboração de projetos de poder engendrados em fins doséculoXIX e início do XX.
Já o segundo artigo, de Pollyana Dourado (UFG) e Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UFG), apresenta uma análise das representações do feminino e dos mitos construídos sobre a Amazônia na minissérie “Amazônia –de Galvez a Chico Mendes”.
Ao abordar temas relativos à homossexualidade e à heterossexualidade compulsória, o terceiro artigo, de Elias Veras (UFSC) e Oscar Andreu (Universidad de Barcelona), analisa a invenção do estigma travesti no Brasil, destacando sua construção discursiva na mídia, especialmente em enunciados produzidos em Fortaleza (Ceará),nos anos de 1980. Seus olhares são precisos ao sugerir o quanto as representações dominantes constituídas pelos modelos de masculino e feminino encontram-se fragilizadas com a emergência de imagens e sentidos ancorados na experiência travesti.
do envelhecimento, da memória e das condutas homossexuaisna região do Pantanal de Mato Grosso do Sul, nas cidades de Corumbá e Ladário,nas cercanias da fronteira com a Bolívia.
Ao adentrar nos arquivos da Polícia Militar, Andrea Schactae (UEPG), no sexto artigo, propõe uma reflexão sobre as feminilidades e masculinidades na Polícia Militar do Paraná, através de um estudo de caso de transgressão disciplinar praticado por uma agente da Polícia Feminina e por um oficial da PMPR, em 1979.
No sétimo artigo, Marilia Rodrigues de Oliveira (PUC-RIO) discute “narrativas de crimes” presentes na imprensa carioca da Primeira República, com o objetivo de mostrar como os jornalistas lançavam mão de uma gramática emocional e de uma estética melodramática para criarem diferentes representações de gênero que transgrediam e reiteravam padrões normativos de moralidade até então considerados bem definidos.
Lindsay Jemima Cresto (UTFPR) e Marinês Ribeiro Dos Santos (UTFPR), no oitavo artigo, discutem as representações de gênero na decoração de interioresdomésticos. Analisando um blog de decoração (Homens da Casa) voltado para um público masculino, as autoras observam como os textos eimagensque circulam nesse blog estão carregadosderepresentações de feminilidade e masculinidade que reforçam os estereótipos e desigualdades de gênero em nossa sociedade.
O nono e último artigo do dossiê, de Caetana de Andrade Martins Pereira (UnB), analisa o modo como a feminilidade é construída na revista Jornal das Moças,nos anos 1960, destacando o seu funcionamento como uma “tecnologia de gênero”, heteronormativa e racializada.
Os estudos de gênero adquirem novos contornos frente à insuficiência e às críticas em abordagens discursivas que não consideramas persistências das desigualdades entremulheres e homens,e que tratam a heterossexualidade, assim como a feminilidade e a masculinidade como dados biológicos e naturais. Os estudos de gênero não podem ser vistos apenas como sinônimos de estudos sobre as mulheres. Em volta do termo há o reconhecimento do caráter relacional e de sua constituição histórica, social e cultural, além de instâncias de poder que atribuem valores e características às subjetividades e às relações entre os sexos. Nesse sentido, os estudos feministas trazem importantes contribuições ao abordar o gênero como uma categoria que se relaciona com outros marcadores de diferenças (classe, raça, etnia, religião, idade, nacionalidade, orientação sexual, etc.) na constituição das subjetividades e experiências e, desse modo, buscam problematizar e desnaturalizar as concepções de sexo/gênero fundadas em preceitos universais e essencialistas.
As diferenças são históricas e socialmente forjadas e construídas. Portanto, as sensibilidades, comportamentos, valores, organizações e posicionamentos sociais dos indivíduos são construções. Nesse sentido, gênero, como categoria de análise, pode também contribuir no enriquecimento da historiografia, colocando em debate as verdades, convicções e poderes em torno de discursos e práticas baseados na existência de uma natureza humana imutável que rege as ações e pensamentos de homens e mulheres na história.
Não somos universais. Somos compostos da mesma matéria que as nuvens. Clivados, densos, leves e únicos: somos históricos. Esperamos que as leitorase os leitores desfrutem e se inspirem com esse dossiê.
Goiânia, 06 de agosto de 2015.
Profa. Dra. Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UFG)
ORGANIZADORA