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História & gênero | Andréa Lisly Gonçalves

Debater gênero e história na contemporaneidade tem sido tema recorrente na historiografia. Levando em consideração a evidência do tema, a historiadora Andréa Lisly Gonçalves lançou em 2006 o livro História & gênero. Na obra a autora objetivou debater gênero com base numa perspectiva histórica das relações de gênero, como o próprio título denota. O livro divide-se em três capítulos, que são analisados nas na sequência.

Militância feminista

O primeiro capítulo adentra o século XVIII apontando a Convenção de Sêneca Falls como simbólica na militância feminista. A autora aponta o século XIX como um momento de mobilizações em relação às “questões femininas” quando da ocorrência da Revolução Francesa, que influenciou na prática da escrita, permitindo a emergência de mulheres escritoras.

Gonçalves destaca que a literatura foi explorada pelas mulheres por colocar o privado em debate público. Ressalta a figura de Virgínia Woolf (1882-1941) como forte representante da militância feminista, a qual fez uso da literatura como forma de expressão. Com seu livro Um teto todo seu, de 1929, Woolf já sugeria a escrita de uma história das mulheres.

Segundo Gonçalves, o que diferencia a militância feminista do século XIX do movimento feminista do século XX é a luta pela cidadania representada pelo sufragismo, luta que precisou ser empreendida apesar do conhecido voto “universal”, na medida em que nele não estavam inclusas as mulheres, ditas “inferiores”.

As transformações causariam medo e provocariam discursos de contenção das mulheres no mundo público, no entanto as exigências do mundo capitalista permitiram a inclusão de professoras, operárias nessa esfera. Apesar dessa “saída”, o século XIX, segundo Gonçalves, é marcado pela criação de códigos de conduta que normatizavam o comportamento feminino e que instituíam um “modelo vitoriano”, fruto da noção burguesa de privacidade e de valorização da família.

Anatomia e destino

O segundo capítulo tem início com uma referência a Freud, psicanalista que afirmou ser a anatomia o destino, confirmando as ideias do século XIX de que as identidades biológicas determinavam as identidades femininas e masculinas. Michelet foi outra figura do século que, apesar de ceder espaço aos sujeitos femininos em suas narrativas, também concedeu aos sujeitos um caráter naturalizante, pelo qual as mulheres estavam ligadas à natureza (família, lar, maternidade) e o homem, à civilização, visão bastante corriqueira séculos antes.

Gonçalves apontou O segundo sexo de Beauvoir como o estopim para o abandono de concepções fatalistas e, agora sim, ligadas a construções históricas e culturais, precedido por teorias historiográficas.

O positivismo (XIX) negou a história das mulheres, assim como não permitia que mulheres fossem historiadoras. A antropologia histórica (XIX) estudava basicamente a família e, portanto, também o feminino. A Escola dos Annales (1930) possibilitou que as mulheres fossem incorporadas à historiografia; mesmo não as estudando, alargou o campo histórico. O marxismo (fortalecido em 1960-1970) cedeu reduzido espaço às mulheres, apesar de muitas feministas serem marxistas. Finalmente, a nova história concedeu voz a sujeitos silenciados, entre os quais as mulheres. Esse foi, segundo a autora, o caminho historiográfico dos sujeitos femininos.

É Joan Scott umas das primeiras a argumentar que se necessita de uma história das mulheres menos preocupada com a questão linear, narrativa, para além da chamada história tradicional, difusora de uma ideia de dominação. Scott defende uma história mais voltada à temática das relações de gênero, no sentido crítico, que leve em consideração a disciplina história e o feminismo.

No que se refere à historiografia das mulheres, a autora aponta a obra História das mulheres no Ocidente, de George Duby e Michelle Perrot, e a obra História das mulheres no Brasil, de Mary Del Priore, como marcos.

Para Gonçalves, a historiografia sobre as mulheres dividia-se em temáticas: século XVIII e XIX – papel feminino na família, casamento, maternidade, sexualidade; século XIX e XX – educação feminina, prostituição.

História das mulheres: fontes, temas, abordagens

A consolidação da história das mulheres possibilitou uma revolução no uso das fontes, que passaram a abranger escritas de si, documentos “oficiais”, jornais, literatura, fontes policiais, censos, história oral. Essa variedade, segundo Gonçalves, possibilitou ainda a ampliação dos temas. A autora aponta autobiografias, diários e cartas como facilitadoras na escrita da história das mulheres, que, mesmo com falhas, serviu como relatora de fatos apagados pela historiografia convencional.

Considerações sobre a obra

Apesar de Gonçalves intitular sua obra de História & gênero, notamos que a historiadora preocupou-se essencialmente com a historiografia das mulheres, apontando estudiosos preocupados em escrever a história das mulheres, detendo-se no caráter narrativo e na desconsideração de o gênero feminino ser uma construção histórica, como a própria autora reconheceu. Citando historiadoras como Michelle Perrot, Mary Del Priore e apenas Joan Scott como representante de historiadores que utilizam a categoria gênero, Gonçalves, contrariando seus objetivos e o título de seu livro, disserta sobre história e história das mulheres, não sobre história e gênero, como se propôs inicialmente. Mesmo considerando a categoria gênero como relevante para a pesquisa histórica, Gonçalves construiu em seu texto um panorama da história das mulheres, citando a emergência do gênero apenas como “último ato” do campo de pesquisas sobre os sujeitos femininos, não levando em consideração historiadoras como Tânia Navarro Swain, Joana Maria Pedro, Rachel Soihet, que utilizam a categoria gênero como campo de estudos. Consideramos o texto válido no sentido introdutório no que se refere à história das mulheres, no entanto para se aprofundar nos estudos de gênero é necessário buscar novos horizontes.


Resenhista

Cintia Lima Crescêncio – Mestranda em História na Universidade Federal de Santa Catarina. Graduada do curso de História bacharelado da Universidade Federal do Rio Grande. Pesquisa os temas de gênero e aborto. E-mail: cintialima23@gmail.com


Referências desta Resenha

GONÇALVES, Andréa Lisly. História & gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. Resenha de: CRESCÊNCIO, Cintia Lima. História & gênero: um olhar crítico da obra. História Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 9, n. 2, p. 450-452, jul./dez. 2009. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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